Opinião

Metaverso e as relações de trabalho

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2 de julho de 2022, 11h16

Há pouco tempo, foi notícia a instalação de uma vara do trabalho totalmente digital no ambiente do metaverso. Importante esclarecer que nesse novo ambiente, no metaverso, não estão ocorrendo audiências ou atos do processo Ainda, mas somente palestras, treinamentos e visitação.

Nesse contexto, impossível negar que essa notícia demonstra uma necessidade imediata de se falar dessa nova realidade integralmente digital que é o metaverso. Sem sombra de dúvidas que se está diante de uma evolução totalmente disruptiva.

Vale destacar que grandes empresas do mundo real como o grupo Carrefour [1] e o Banco HSBC [2] já possuem seus espaços no Metaverso. Alguns, como a Montadora Scania e a Ambev já utilizaram esse novo ambiente para realizar seus processos seletivos para contratação de empregados ou estágiários [3]. A BMW se associou com a NVIDIA para um ousado projeto: reproduzir, no metaverso, sua fábrica localizada em Regensburg, Alemanha para, neste espaço totalmente virtual, testar nova forma de trabalho que, funcionando, poderá ser replicado no mundo virtual.

E certamente as discussões que ora se iniciam, especialmente no campo jurídico, ainda são muito incipientes, principalmente porque não há qualquer legislação regulamentando o metaverso e, menos ainda, as relações que serão integralmente construídas, ou mesmo transportadas, do mundo real para esse ambiente novo.

No entanto, esse hiato entre a inovação das relações sociais que se avizinha e a regulamentação jurídica, não é nenhuma novidade. É sabido e consabido que o legislador está sempre "correndo atrás" de editar uma norma que regulamente uma situação e/ou relação que já está socialmente posta.

Porém, no caso do metaverso, é importante elevar a reflexão não só ao exercício comum de todo advogado — aproveitar uma legislação já posta para interpretar, com a máxima proximidade, uma situação totalmente nova  para idealizar uma situação jamais ocorrida e que, por vezes, necessitará de regulação totalmente específica.

E, para isso, a proposta feita neste breve artigo é exatamente de pensar o Direito do Trabalho vigente como fonte normativa das relações de trabalho que possam envolver o metaverso.

Na primeira hipótese, tem-se uma relação de trabalho é formada por pessoas no mundo real e cuja prestação do serviço dar-se-á no metaverso.

A primeira questão a surgir será: Qual será a legislação trabalhista aplicável para esta relação?

Em um primeiro momento, é possível fazer uma correlação entre essa situação e àquela contida na Lei Federal de nº 7.064/82 que regulamenta os expatriados, quem sejam, os empregados contratados no Brasil para prestarem serviços no exterior.

Dito isso, tem-se que a legislação aplicável expressamente determina que a empregadora deverá observar os direitos previstos na Lei Federal de nº 7.064/82 e as normas de proteção ao trabalho "naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria", além da legislação do local da prestação de serviços.

Seria, portanto, aplicável nesta hipótese tão somente a mencionada Lei e as normas de proteção ao trabalho, ante a completa ausência de regramento neste local 'exterior' que é o metaverso.

Mas e se considerado o 'metaverso' não como um mundo totalmente divorciado do 'real', mas sim um espaço novo que interage com o que já conhecemos.

Partindo dessa premissa, seria necessário, portanto, aplicar o preconizado na Consolidação das Leis Trabalhistas. E já pensando na evolução do tema, poderia até mesmo se utilizar da nova redação dada ao artigo 75 B, §8º pela MP 1.108/2022 para estabelecer, em contrato, que essa será a norma aplicável à relação formalizada.

Poderia, até mesmo, ser convencionado pelas partes a aplicação da Consolidação das Leis Trabalhistas

Já em uma segunda hipótese, haveria a contratação de avatares por empresas e/ou pessoas já sediadas e/ou domiciliadas no metaverso, e cuja execução integral do contrato se daria totalmente no metaverso.

Nesta hipótese, destaca-se o primeiro problema: as relações de emprego são formadas por empregador e empregado. E de acordo com a previsão contida no artigo 3º, são empregados "toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".

Aqui se pergunta: os avatares teriam qual natureza jurídica? Poderiam ser eles classificados para os fins da CLT como "pessoas físicas"?

Veja bem que não ultrapassando essa definição, fica prejudicada a análise da aplicação da CLT, afinal para isso será necessário que em um dos polos tenha um empregado.

Mas como proposto, em um exercício, essa questão venha a ser superada com a regulamentação que a adequasse, seja atribuídndo ao avatar a natureza jurídica de pessoa física, seja alterando o artigo mencionando para incluir o avatar.

O pagamento de salário poderia ser feito em moeda do metaverso? Para isso, necessitaria que esse nova ‘moeda’ fosse regularizada pelas autoridades competentes?

Bom, nesta opção o avanço foi bem menor, uma vez esbarrando em aspectos que são informadores ao Direito do Trabalho e indispensáveis à própria conceituação do que seria uma relação e emprego.

Mas as questões ora trazidas, não se encerram por aí. Como garantir um ambiente de trabalho saudável no metaverso e de acordo com as normas reguladoras de segurança (as NRs)? Seria o caso de criar uma NR específica para observância no metaverso? Antes disso: haverá uma preocupação com a saúde dos avatares (ou isso é algo muito 'viajante' nesse momento?)?

Sem correr o risco de errar, essas considerações acima propostas certamente são a fagulha do pensamento que se precisa estruturar e, assim, contribuirá para a construção de uma ideia. E essa ideia poderá dar alicerce às mudanças que serão necessárias, afinal, a legislação deve acompanhar a sociedade, e não o contrário!

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