Opinião

LGPD e trabalho: é preciso cumprir a lei em todos os seus fundamentos

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1 de julho de 2022, 16h04

Imagine se todo o mercado de trabalho se valesse de um método de certificação de adimplência. No qual para ser contratado, o trabalhador não poderia ter restrições em seu nome. Teríamos pelo menos 65 milhões de desempregados, já que este é o número atual de brasileiros em situação de inadimplência. É o que tem acontecido recorrentemente com motoristas profissionais de transporte de cargas. Grandes companhias de seguros contratam gerenciadoras de risco que se servem de dados creditícios (consultas ao SCPC e Serasa, por exemplo) na montagem de cadastros de motoristas de carga. Ao analisarem os dados dos condutores, há recusa na contratação devido a isso.

Recentemente, em um documento protocolado na ANPD, a Federação dos Transportadores Autônomos de Carga de Minas Gerais (Fetramig) apontou que gerenciadoras de risco seguem fazendo a varredura ilegal de dados a pedido das grandes seguradoras. Os sindicalistas também listam casos de motoristas que foram injustamente reprovados por causa de "informações desabonadoras" coletadas em bases de dados privadas.

A Lei nº 13.709/18 — Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) — regulamenta a utilização desse tipo de informação pessoal. Ela estabelece fundamentos e princípios que prezam pelo respeito à privacidade, liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião. E isso inclui o uso indiscriminado dos dados creditícios. E a forma com que essas gestoras de risco utilizam os dados dos caminhoneiros pode esbarrar em boa parte dos princípios que compõem o artigo 6º da lei: o princípio de não discriminação, de finalidade e de adequação. Explico: Ao citar a não discriminação, a lei estabelece que os dados não podem ser usados para fins considerados discriminatórios, abusivos e ilícitos; no princípio de finalidade, os dados pessoais coletados só podem ser utilizados para um fim específico de maneira explícita, sem contar o conhecimento e a permissão do titular. E por fim, e não menos importante, o princípio de adequação, que em suma trata sobre usar o mínimo de dados possíveis.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já sentenciou em favor dos caminhoneiros neste sentido. Em dezembro do ano passado, os ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST, ao julgarem um recurso de embargo em ação civil pública de obrigação de não fazer, contra uma empresa de gerenciamento de riscos, acordaram em condenar a ré à obrigação de abster-se de utilizar banco de dados, de prestar e/ou de buscar informações sobre restrições creditícias relativas a candidatos a emprego/trabalho, seus ou de terceiros, a partir da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados, em 14 de agosto de 2020, sob pena de multa de R$ 10 mil por candidato. Deram ainda parcial provimento para condenar a ré ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, com valor a ser apurado em execução.

O acórdão é assinado pelo ministro relator Alberto Bresciani, em 16 de dezembro de 2021 e teve sua publicação no Diário de Justiça Eletrônico no dia 24 de fevereiro de 2022. O relator considerou que a "proteção dos dados dos motoristas tem importância fundamental na manutenção do conteúdo moral e dignificante da relação de trabalho".

Recentemente, em um documento protocolado na ANPD, a Federação dos Transportadores Autônomos de Carga de Minas Gerais apontou que três gerenciadoras de risco seguem fazendo a varredura ilegal de dados a pedido das grandes seguradoras. Os sindicalistas também listam casos de motoristas que foram injustamente reprovados por causa de "informações desabonadoras" coletadas em bases de dados privadas.

Esse tipo de prática não é apenas ilegal, mas também desumana, uma vez que impede de trabalhar o caminhoneiro que mais precisa de trabalho para pagar suas dívidas.

Não menos importante dizer, que trabalhadores que tiverem esse tipo de experiência, podem recorrer à Justiça para fazer valer os seus direitos e penalizar possíveis descumprimentos da LGPD.

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