Opinião

Prazo em apólice de seguro garantia judicial é aspecto formal

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1 de julho de 2022, 18h12

Segundo informativo 738-STJ, publicado em 25/5/2022, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu inquietante entendimento a ser simplificado na seguinte tese: "A apólice de seguro-garantia com prazo de validade determinado não serve para garantir a execução fiscal".

A controvérsia foi tratada nos autos do Recurso Especial nº 1.924.099-MG (2021/0054138-8) e incidiu sobre a idoneidade da garantia ofertada para suspensão da exigibilidade de crédito tributário, tendo em vista a existência de previsão, na apólice, de termo inicial e final da vigência do seguro, e a necessidade, segundo a Lei (Lei nº 6.830/90, em seu artigo 9º, II, com as alterações trazidas pela Lei nº 13.043/14), de oferecimento de seguro garantia suficiente e idôneo para fins de validade.

No voto condutor do julgamento, diversos foram os recentes julgados proferidos pela corte que, de igual forma, consideraram impossível a aceitação em juízo de seguro garantia com prazo de vigência determinado.

Infelizmente, porém, tais entendimentos, refletidos no precedente aqui tratado, denotam a incompreensão do Judiciário acerca de tão importante produto securitário.

Em suma, o seguro garantia judicial foi criado para garantir eventual inadimplemento do tomador quanto a uma obrigação controvertida no bojo de uma ação judicial (civil, trabalhista ou fiscal) cujo objeto consiste, então, na prestação, por parte de uma seguradora, da garantia dos prejuízos derivados do inadimplemento de uma obrigação assumida, pelo tomador (quem contrata o seguro), em favor do segurado (aquele que se beneficia do seguro). Portanto, é produto que vem ganhando cada vez mais relevância no mundo jurídico na medida em que tem sido aceito para substituição de depósitos judiciais a título de custas ou garantia, o que, sobretudo em momentos de crise, como o atual, desonera os "devedores" (tomadores da apólice) ao viabilizar seus fluxos de caixa, sem comprometimento de capital, sendo um ótimo substituto até mesmo da fiança bancária que, embora possua o mesmo efeito a título de garantia, compromete o limite de crédito do contratante e pode submetê-lo a taxas de juros pouco atrativas.

Essa modalidade securitária, além da mencionada previsão na Lei de Execuções Fiscais, passou a ser prevista no ordenamento processual civil brasileiro com a Lei n° 11.382/2006, que incluiu o parágrafo 2º ao artigo 656, do CPC/1973, correspondente, atualmente, ao § 2º do artigo 835, do CPC/2015, bem como na legislação trabalhista, especialmente com a reforma, por meio dos artigos 882 e 889 da CLT.

É importante esclarecer que o seguro garantia judicial não tem a finalidade de garantir diretamente o cumprimento das obrigações do tomador do seguro, mas de atender aos fins da ação. Sua consequência imediata é sujeitar o garantidor às exigências do juízo, permanecendo à sua disposição para a eventual futura satisfação do credor, caso venha a ser reconhecido o dever de pagar do tomador. Ou seja, o seguro judicial promove a harmonização entre os princípios da máxima eficácia da execução, em benefício do credor, e da menor onerosidade, em benefício do devedor.

Daí porque, com relação à vigência, a Circular Susep 622/2022 (endossando o que já constava na Circular Susep 477/2013, vigente na ocasião do julgamento em análise), que define e disciplina o funcionamento do seguro garantia, não deixa dúvidas quanto à compulsoriedade e à automaticidade da renovação das apólices de seguro garantia judicial:

"Art. 7º — O prazo de vigência da apólice deverá ser igual ao prazo de vigência da obrigação garantida, salvo se o objeto principal ou sua legislação específica dispuser de forma distinta.
Art. 8º — Caso a vigência da apólice seja inferior à vigência da obrigação garantida, nos termos do art. 7°, a seguradora deve assegurar a manutenção da cobertura enquanto houver risco a ser coberto, de acordo com o art. 9°.
§ 1º. O segurado poderá, a qualquer tempo, se opor à manutenção da cobertura, mediante expressa manifestação.
§ 2º. O tomador não poderá se opor à manutenção da cobertura, exceto se ocorrer a substituição da apólice por outra garantia aceita pelo segurado."

A toda evidência, a hipotética possibilidade de a tramitação de um processo ultrapassar o prazo de vigência originalmente previsto na apólice é de conhecimento prévio da seguradora e trata-se de um risco próprio e da essência do seguro garantia judicial.

Não há como, nos casos de ações judiciais, em que o tempo de tramitação é imprevisível, as seguradoras emitirem Apólices com prazos de vigência indeterminados, como considerou o c. STJ, posto que, ao longo do trâmite da ação, diversas são as circunstâncias relativas, exclusivamente, à relação jurídica da seguradora e do tomador, que podem influenciar nos critérios de subscrição de risco do seguro contratado.

A título de exemplo: se um tomador contrata uma apólice de seguro garantia judicial e, ao longo da ação, no decorrer dos anos, entra em recuperação judicial, certo é que a exposição da seguradora ao risco segurado será maior, o que demandará o ajuste de preços do contrato securitário, sem afetar, por outro lado, o processo garantido.

Vale observar que, nesta modalidade de seguro, o tomador é o responsável pelo pagamento do prêmio, que não apenas remunera a seguradora, mas permite a formação de provisões técnicas para fazer frente à prestação de garantia e prover indenizações em caso de sinistro.

Exigir a emissão de apólices com prazos indeterminados, então, é circunstância que expõe as seguradoras a um desvantajoso cenário de desequilíbrio contratual ao longo do tempo e, em última instância, prejudica o próprio mútuo, descaracterizando e inviabilizando, portanto, a própria finalidade do produto.

Bem por isso, o próprio órgão fiscalizador da atividade securitária impõe a necessidade de o contrato de seguro determinar um prazo final para a vigência deste tipo de produto securitário. Contudo, tal determinação é relacionada exclusivamente à necessidade de as seguradoras observarem periodicamente as regras para constituição de reservas, cobrança de prêmios, bem como questões atuariais, e não influem na vigência da cobertura prevista, sendo, para todos os fins, uma questão meramente formal.

Ou seja, contrariamente ao que entendeu a c. Turma julgadora, enquanto o risco coberto pela apólice perdurar, a seguradora não poderá se eximir de prestar a respectiva cobertura nos autos do processo em que a apólice servir como garantia, se configurado um sinistro indenizável. Por outro lado, mas no mesmo intento, enquanto o risco persistir na demanda, o tomador não poderá se eximir da garantia do juízo com a renovação da apólice (salvo na hipótese de apresentar outra garantia).

Aliás, causa estranheza a decisão em análise também porque a própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional aceita, como garantia, o oferecimento de apólices de seguro garantia judicial com prazo determinado, desde que atendida a vigência mínima de dois anos e que conste previsto no contrato securitário que a não renovação do seguro, pelo Tomador, não implica em desoneração da seguradora quanto à garantia prestada, além de demais outros requisitos expressamente previstos na Portaria PGFN nº 164/2014, especialmente, no artigo 3º, incisos IV e VI, "a".

Em razão do aqui exposto, o que se visa a esclarecer é que a data inicial/final de vigência do contrato, reflete mera observância a um aspecto formal da apólice, que em nada interfere na vigência da cobertura ao risco, pois esta, por sua vez, é subordinada à perduração das obrigações da empresa tomadora do seguro na relação jurídica principal acautelada, conforme dispõe a citada circular Susep.

Por ser modalidade de garantia recente, com especificidades diferentes das demais espécies securitárias, o seguro garantia judicial possui particularidades ainda desconhecidas por aqueles que não lidam diretamente com o produto nem atuam no mercado securitário.

Assim, parece pertinente e urgente a aproximação do Judiciário ao referido produto, sob pena de, em assim não sendo, inviabilizar o uso de tão importante ferramenta de garantia a todos os envolvidos em uma ação judicial.


Fontes:
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/circular-susep-n-662-de-11-de-abril-de-2022-392772088
https://informativos.trilhante.com.br/informativos/informativo-738-stj
http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=original&idAto=118267#2262066

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