Limite Penal

Como gerenciar estrategicamente um caso penal

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1 de julho de 2022, 9h34

Abordagem estratégica. Considere a hipótese de você estar em férias, num lugar paradisíaco, com mar e água quente em que você pode nadar. O seu objetivo será o de relaxar e aproveitar o momento, sem nenhuma outra meta (flutua, nada para lá e para cá, enfim, aproveita-se da situação da melhor maneira possível). Mas se quando você estiver nadando, perceber a aproximação de um tubarão, o seu objetivo passa a ser outro: salvar-se. Para alcançar o seu novo objetivo estratégico (estar são e salvo), precisará tomar decisões tático- operacionais convergentes, a saber, deverá nadar de modo constante em direção a um lugar seguro. Perceba que você está nadando no mesmo local, mas o contexto se modificou abruptamente, exigindo escolhas (decisões) rápidas e precisas, associadas às ações comportamentais. O exemplo é trivial (e exagerado, reconheço), com alternativas bem definidas: (a) você nada para um local seguro; ou, (b) luta contra o tubarão (não recomendo). Por ser irracional a última opção, a alternativa nadar para lugar seguro é a melhor (não há controvérsia). Estamos de acordo.

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Vamos agora para o futuro. Se você naufragar em alto-mar, sem bote, nem colete salva-vidas, antes de escolher para que lado nadar, precisará estabelecer os critérios da escolha. Nadar para qualquer lado, às cegas, apostando apenas na sorte, é irracional e arriscado. Se você é racional e consegue controlar as emoções (medo, pânico etc.) a escolha (decisão) dependerá do "conhecimento instalado" (o que sabe sobre a posição das estrelas, do sol, da lua, das marés etc.), dos dados e de informações do ambiente e da habilidade de realização de inferências válidas e sólidas. Caso você disponha de habilidades de localização geográfica/sensorial e/ou noções sobre o posicionamento padrão do sol, da lua e/ou das estrelas, poderá decidir com base em evidências. Se não souber, as informações existentes no ambiente serão irrelevantes para você porque não conseguirá entendê-las (outros poderiam ver o que você não consegue). Estamos de acordo que saber para qual lado nadar aumenta as chances de salvamento? Se você concordou comigo, a sua atuação é estratégica.

Em consequência, a decisão em situações complexas dependerá: (a) do "conhecimento instalado" (teorias, referenciais, técnicas etc.); (b) dos dados de realidade e das informações adquiridas do ambiente (qualidade e quantidade); (c) das habilidades de correlação e de inferências válidas e sólidas sobre as alternativas disponíveis; e, (d) da execução adequada da alternativa escolhida.

Segue-se que a obtenção do melhor resultado (desempenho) dependerá (a) do suporte teórico (conhecimento instalado); (b) dos dados e as informações representativos do ambiente; (c) das habilidades de raciocínio; (d) do controle emocional; e, (e) da execução adequada da alternativa escolhida. Do contrário, você contará somente com a sorte ou o azar (variável incontrolável, mesmo que você se ache sortudo ou azarado). Por isso, a adoção de metodologias de apoio à decisão, com suporte em evidências, tende a mitigar os riscos associados ao mecanismo de tomada de decisão em qualquer contexto.

Preconceito, confusão e desinformação. Por mais que exista certo preconceito na assunção do agir estratégico no Processo Penal, a objeção decorre da confusão entre estratégia e seus usos, isto é, o pensamento estratégico pode se orientar à obtenção de objetivos lícitos ou ilícitos. A questão é a de que rejeitar o pensamento estratégico pelo potencial emprego oportunista é irracional. A equivalência entre as entidades agir estratégico, manipulação e/ou jogo sujo é inválida. O Guia do Processo Penal Estratégico (EMais editora, aqui) e a ferramenta RoadMapCrime (RMC), em breve no ar, partem da conformidade normativa, denominada Compliance Processual Penal, orientadora dos recursos apresentados. A atuação estratégica significa planejar, organizar, executar, monitorar, avaliar, ajustar (se necessário), o conjunto de comportamentos necessários à obtenção do objetivo (meta).

Guia do Processo Penal Estratégico e Caso Penal. O objetivo do Guia do Processo Penal Estratégico (GPPE) é o de orientar a atuação prática na gestão estratégica de caso penal determinado. Denominaremos de "caso penal" o conjunto de todas as entidades (elementos, componentes) relacionadas ao evento histórico, potencialmente criminoso, objeto da apuração estatal (pessoas, coisas, contexto, artefatos, Instituições, normas, laudos, provas etc.). A plataforma RoadMapCrime destina-se à gestão online de caso penal concreto, de modo dinâmico, orientado à obtenção do melhor desempenho possível (dentro do Fair Play; Compliance Processual Penal). Assumimos que a "tomada de decisão" é o resultado do processo de diagnóstico, análise e de escolha entre as alternativas disponíveis. Em consequência, os agentes procedimentais desempenham papel fundamental no resultado, com a potência de alterar os rumos do caso penal, desde que incorporadas habilidades estratégicas (dentro do jogo limpo; fair play; fair trail).

Fluxo procedimental em quatro etapas. Desde a notitia criminis até o trânsito em julgado, as decisões estratégicas estarão vinculadas aos "pontos do caso" indicados (tópicos) na Hipótese Acusatória (HAc). As Etapas são: (a) Investigação Criminal; (b) Justiça Negocial; (c) Procedimento Judicial.; e, (d) Recursal.

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Hiipóteses. As hipóteses (acusatória e defensiva) serão extraídas pelos agentes procedimentais durante as etapas de investigação criminal e/ou do procedimento judicial. Cada hipótese é composta por duas premissas: (a) Premissa Normativa; e, (b) Premissa Fática. A definição de qual das "alternativas" melhor explica o evento (acontecimento passado), dependerá da "quantidade" e da "qualidade" do conjunto probatório correlacionado a cada um dos pontos do caso. Segue-se a importância do esforço investigatório e das decisões estratégicas "possíveis" e "prováveis" dos agentes procedimentais.

Hipótese acusatória e os pontos do caso penal. A hipótese acusatória (HAc) ordena o modelo RoadMapCrime (RMC). A Teoria do Caso Penal será determinada pela HAc, composta pelos seguintes "pontos do caso" (atributos; tópicos): O quê?; Quem?; Onde?; Quando?; Como?; Com que meios?; Por quê?; Dolo ou Culpa (Elemento Subjetivo)?; Consequências?; Qual o Tipo Penal (imputação)?; e, Qual é a Pena? .

Abaixo a tela do aplicativo em que os dados do caso concreto serão inseridos, facilitando a visualização das entidades do caso penal.

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Ponto de vista defensivo. Considere a análise do ponto de vista defensivo. Antes de escolher qual será a hipótese defensiva, será necessário determinar os elementos constitutivos do caso penal, isto é: (a) qual os tipos penais da hipótese acusatória; (b) qual o procedimento aplicável; (c) quem são os agentes procedimentais; (d) quais as provas possíveis e prováveis; e, (e) quais as decisões possíveis e prováveis.

O controle e a gestão das provas apresentadas para confirmação da hipótese acusatória (HAc) será fundamental, sob o perigo de não se saber o que fazer primeiro, nem se a atuação defensiva está direcionada à obtenção das metas desejadas. De qualquer forma, todos os movimentos das partes e, também, a decisão judicial, serão orientados pelo representação dos "pontos do caso penal" constitutivos da HAc (tela acima).

Hipótese defensiva (HDef). A construção da hipótese defensiva (HDef) ou a "teoria do caso" do ponto de vista da defesa, dependerá do diagnóstico robusto da quantidade, da qualidade e da estimativa de acolhimento por parte do órgão julgador. O comportamento estratégico pressupõe a definição dos cenários do caso penal. A HDef será construída a partir do diagnóstico de cada um dos "pontos do caso", em que a defesa irá determinar se o "ponto" é "controverso ou incontroverso" e, também, as chances defensivas (favoráveis ou desfavoráveis). A classificação promoverá melhor conhecimento sobre os indicadores "constitutivos" do caso penal, autorizando a determinação da HDef factível no contexto.

Cenários. Denomina-se de cenário o conjunto de indicadores representativos do estado atual e das estimativas do estado futuro do caso penal. Tanto assim que se fala de "cena do crime" (o cenário onde o evento aconteceu). No teatro e no cinema representam a situação em que a história acontece, isto é, a sequência dos atos que ordenam o sentido.

Elementos do cenário. Adotamos a perspectiva da Teoria dos Jogos associada à MCDA-C, em que as áreas de preocupação, suporte dos cenários, são: (a) Tipo Penal; (b) Procedimentos; (c) Agentes Procedimentais; (d) Provas; e, (e) Decisões. O diagnóstico conferirá evidências para construção dos cenários e o gerenciamento do caso penal.

Diagnóstico e Planejamento. Se a atividade procedimental é destinada à obtenção de resultado definido (desde que factível), além da definição de parâmetros para determinação do estado atual, será preciso estimar os cenários subsequentes, isto é, as probabilidades relacionadas aos "estados futuros". Com cenários robustos, a precisão e a acurácia dos planos de ação tendem a reduzir a incerteza, além de mitigar a surpresa. A construção de cenários orienta-se pela definição das alternativas possíveis e prováveis em relação aos padrões relevantes estabelecidos e diagnosticados.

Operacionalmente, quatro cenários. Para os fins do modelo RoadMapCrime (RMC), estabeleceremos quatro cenários: (a) Cenário Base (atual); (b) Pior Cenário (pessimista); (c) Melhor Cenário (otimista); e, (d) Cenário Factível (realista).

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Cenários possíveis e prováveis. Do ponto de vista defensivo, o "pior cenário" é o acolhimento "total" da acusação, enquanto o "melhor cenário" é a absolvição. A determinação da hipótese defensiva (HDef) exigirá o diagnóstico dos "pontos do caso" com suporte em evidências de realidade, isto é, contextuais, com a análise dos pressupostos, requisitos e condições (Teste EVE). Por isso, entre o "melhor cenário" (absolvição) e o "pior cenário", será preciso (honestamente) estabelecer qual é a Hipótese Defensiva "factível".

Partir do diagnóstico do estado atual. O entendimento com suporte em evidências da situação e do contexto atual orientam a geração dos cenários futuros. A aquisição, organização e processamento dos dados e das informações é condição à predição dos cenários futuros realísticos. Sem isso, estima-se por mera intuição (deslizando no imaginário). O conjunto de indicadores coletado exige avaliação do agente (sua), ou seja, da interpretação técnica, associada à antecipação dos prováveis incrementos probatórios e/ou argumentativos.

Primeiro plano. Quando assistimos um filme o diretor pode apresentar o cenário desde o ponto de vista de terceiro que observa a cena (espectador) ou em primeiro plano, isto é, a câmera opera como se fosse a visão dos personagens. As escolhas do diretor do filme alteram a percepção de quem assiste (efeito de observar ou embarcar nos personagens). A precisão da estimativa do comportamento dos demais agentes procedimentais dependerá da habilidade de "pensarmos como ele pensa" e não "como queremos que ele pense". Segue-se que será preciso estimar os comportamentos desde o ponto de vista do agente procedimental com o "poder" de decidir (em cada momento de interação procedimental), isto é, em "primeiro plano" (como se fosse ele). Daí que o diagnóstico do "perfil do agente procedimental", associada às possibilidades (alternativas) e às probabilidades (expectativas racionais), condiciona a abordagem estratégica. 

Orientação pelo resultado factível. Em casa situação procedimental poderemos estabelecer os quatro cenários (atual, pior, melhor e factível), a partir da expectativa decisória do agente estatal (órgão julgador).  Construir o cenário significa estimar a probabilidade de que o destinatário das provas e dos argumentos possa aceitá-los quando do proferimento da decisão. O planejamento das "ações estratégicas" dependerá do prévio estabelecimento da hipótese defensiva (HDef) "factível". A hipótese defensiva (HDef) será o critério dos movimentos defensivos.

Classificar a força de cada prova. Analisar a magnitude das provas na verificação da hipótese acusatória pressupõe o esforço de classificação de cada prova em (a) crítico (vermelho); (b) médio (amarelo); (c) leve (verde); e, (d) não se aplica (cinza). O pressuposto da ferramenta RoadMapCrime e a de que se não tivermos bem delineados os objetivos estratégicos (metas), tenderemos a alocar esforço em ações ineficientes e ineficazes. Por exemplo: se o acusado confessa a "autoria" (ponto: quem?) é ineficiente contestar ou produzir prova em contrário. O agir estratégico pressupõe a uso inteligente das "chances defensivas", até porque se a defesa insiste em negar o "incontroverso", a tendência é a de que o descrédito contamine os demais pontos do caso. Em suma, nem todos os "pontos do caso" necessariamente precisam ser contestados. O Diagnóstico do contexto do caso penal é que irá determinar as ações "possíveis" e "prováveis".

No aplicativo cada análise ganha uma cor diversa, autorizando a atribuição do cenário respectivo, conforme abaixo:

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Predição e estimativa. A atividade no domínio Processo Penal orienta-se pelo diagnóstico (coleta, análise e interpretação de dados constitutivos) do caso penal para o fim de estimar a probabilidade das tendências e dos comportamentos dos agentes procedimentais (ações, escolhas e decisões). Com suporte em evidências de realidade, associadas à gestão estratégica, segue-se o mecanismo de tomada das melhores escolhas/decisões no contexto único do caso penal. Em consequência, a nossa motivação é a de proporcionar os meios (ferramentas e instrumentos metodológicos) aptos à obtenção do melhor desempenho, com aderência à realidade das interações procedimentais, ou seja, como a “coisa” realmente funciona e, também, de quais os pontos em que a intervenção pode alterar os cenários estimados (desfechos: pior, melhor e factível). Muito do que se faz nos procedimentos é antecipar (estimar, com maior ou menor probabilidade) quais as escolhas, as decisões e/ou comportamentos serão adotados pelos demais agentes procedimentais, especialmente o órgão julgador (qual o conteúdo e a direção prevista/estimada). Quanto mais robusta a estimativa, maiores as chances de obtenção do melhor desempenho possível (o factível), além de mitigar os erros e as surpresas na jornada do caso penal.

O lamento do "espírito da escada" de Denis Diderot. Quantas vezes em nossas vidas, depois de não termos mais a oportunidade de agir ou de falarmos algo, dizemos para nós mesmos: "deveria ter feito isso ou dito aquilo". Esse sentimento de fracasso foi nomeado por Denis Diderot de "espírito da escada", em que a resposta justa, adequada e eficaz somente comparece quando já se está descendo as escadas do tribunal e não há mais tempo disponível. Durante as interações procedimentais, especialmente na audiência de instrução e julgamento, perder uma chance pode ser fatal (deveria ter perguntado isso ou aquilo à testemunha, p.ex.). O planejamento e a preparação para os atos processuais, com a criação de Planos de Ação, objetivam a redução ao risco de sermos vítimas do "espírito da escada" de Diderot.

P.S. O espaço da coluna exigiu resumo. Em colunas anteriores indiquei material convergente. O aplicativo está em fase de testes com os membros da Escola de Criminalistas (valeu, Jader Marques) e do Papo de Criminalista (valeu Mario Oliveira Filho) e de outros profissionais, dentre eles Gabriel Bulhões. Em breve estará disponível. Irei divulgar no Instagram@alexandremoraisdarosa ou @roadmapcrime. O nome significa um mapa de gestão do caso penal, em que todos os eventos estarão disponibilizados, com plano de ação específico, devidamente associado.

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