Opinião

O que faltou ser dito sobre reciclagem no decreto que regulamentou a PNRS

Autor

  • Luciana Figueras

    é presidente do Instituto Agenda Urgana Brasil CEO na Tomorrow Gestão Executiva do Meio Ambiente e diretora de Relações Institucionais e Governamentais do Inesfa.

31 de janeiro de 2022, 19h23

O Diário Oficial da União publicou no último dia 13 o Decreto Presidencial 10.936, que regulamenta a Lei 12.305, de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e criou o Programa Nacional de Logística Reversa. Embora seja uma regulamentação muito aguardada por todos os setores que trabalham com resíduos sólidos e com reciclagem de materiais, é importante pontuar o que faltou ser "dito" no decreto, ou seja, quais são os aspectos ainda "carentes" de regulamentação para maior assertividade da PNRS.

O Decreto 10.936 foi muito "feliz" no tocante à regulamentação da logística reversa no Brasil, e detalhou profundamente a sua dinâmica dentro das diversas esferas de governo e seus alcances nos cenários privados nacional e internacional. Ocorre que o decreto trata de forma superficial o tema da reciclagem, seus agentes e seu alcance na dinâmica dos planos nacional, estadual e municipal de gerenciamento de resíduos sólidos.

A reciclagem, dentro da minha análise profissional, é uma das principais ferramentas nacionais de preservação e economia de recursos naturais, já que possui o propósito maior de retornar com os resíduos recicláveis como insumos na cadeia produtiva e, com isso, reduzir a busca por recursos naturais.

Diante desse primeiro recorte, recordo a todos os compromissos assumidos pelo Brasil na COP 26, em novembro do ano passado, no intuito de redução de 50% das emissões dos gases associados ao efeito estufa até 2030 e a neutralização das emissões de carbono até 2050.

Fato é que o descarte irregular de resíduos sólidos urbanos, uma triste realidade ainda presente no nosso país, responde por cerca de seis milhões de toneladas de gás de efeito estufa ao ano (CO2eq), conforme aponta estudo de 2019 do Departamento de Economia do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb). Diante desse aspecto, é importante compreender que a reciclagem é uma efetiva ferramenta para evitar que toneladas de resíduos recicláveis sejam enviadas, ilegalmente, para lixões.

Quando alerto para ilegalidade desse ato é porque o mesmo é condenado pela cadeia de prioridades da Política Nacional de Resíduos Sólidos Urbanos, prevista no seu artigo 9º: "Na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos".

Nesse sentido, reafirmo que o Decreto 10.936 não teve sucesso em dar à reciclagem sua devida importância, posto que em seu artigo 4º flexibilizou a previsão ou não da coleta seletiva, tendo em seu texto a hipótese de haver sistema de coleta seletiva ou não no plano municipal, enquanto a própria política nacional não vai no mesmo sentido.

O artigo 18 do PNRS, por exemplo, prevê o seguinte: "A elaboração de plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, nos termos previstos por esta Lei, é condição para o Distrito Federal e os Municípios terem acesso a recursos da União, ou por ela controlados, destinados a empreendimentos e serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos sólidos, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento para tal finalidade.
Parágrafo primeiro: Serão priorizados no acesso aos recursos da União referidos no caput os municípios que:
I
optarem por soluções consorciadas intermunicipais para a gestão dos resíduos sólidos, incluída a elaboração e implementação de plano intermunicipal, ou que se inserirem de forma voluntária nos planos microrregionais de resíduos sólidos referidos no §1º do artigo 16;
II
implantarem a coleta seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda".

A política nacional, em toda sua extensão, deixa clara a obrigação legal de os planos de resíduos sólidos preverem a coleta seletiva, seja em caráter nacional, mas também estadual e municipal.

O decreto regulamentador, por sua vez, falhou em não reforçar essa obrigação prevista na política nacional, posto que poderia ter dado um tratamento prioritário à reciclagem, na forma do próprio artigo 9º da PNRS, ampliando seu grau de importância, detalhando ferramentas para sua efetividade dentro da realidade dos municípios do Brasil, ressaltando a obrigação da previsão da coleta seletiva em todos os planos de gerenciamento de resíduos sólidos, bem como o detalhamento de quem são os agentes da reciclagem no Brasil, para que estes sejam integrados como partícipes na ampliação da reciclagem nacional.

Nessa linha, é importante ressaltar que a tarefa da reciclagem em nosso país perpassa por vários segmentos, quais sejam as cooperativas de materiais recicláveis, os sucateiros e diversas empresas recicladoras. Essa identificação e detalhamento também não foram observados pelo decreto regulamentador.

Todos os esforços pela reciclagem em nosso país merecem ser observados e identificados para que sejam tutelados, já que esses segmentos exercem a missão de transformar os resíduos sólidos recicláveis em insumos para cadeia produtiva, evitando que toneladas de resíduos recebam uma destinação ilegal e contrária à PNRS.

Vale sem dúvida uma reflexão sobre esses pontos e, se for o caso, a edição de um novo decreto que detalhe e dê à reciclagem a mesma importância conferida à logística reversa.

Autores

  • é presidente do Instituto Agenda Urgana Brasil, CEO na Tomorrow Gestão Executiva do Meio Ambiente e diretora de Relações Institucionais e Governamentais do Inesfa.

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