Direito Eleitoral

Federações partidárias: a joint venture do mundo do direito eleitoral?

Autor

  • Anna Graziella Santana Neiva Costa

    é juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão advogada pós-graduada em Direito Eleitoral MBA em Direito Tributário especialista em Ciência Jurídico-Política e Direito Constitucional e Eleitoral membro da Abradep do Copeje e do IAB.

31 de janeiro de 2022, 8h00

Personagem inédito ocupa o cenário das discussões jurídico-políticas: as federações partidárias.

Inovando no cenário eleitoral de 2022, eleitores, partidos e seus respectivos filiados passam a contar, na arena eleitoral, com a possibilidade de candidaturas provenientes de arranjos partidários formatados por meio de federações partidárias.

A aglutinação de dois ou mais partidos, em federações, é uma novidade na legislação nacional, fruto da Lei 14.208/21. A citada norma possibilita a legendas partidárias disputarem a preferência do eleitorado em formato unificado e verticalizado, com reflexo nacional e vigência mínima de quatro anos.

O leitor deve estar se questionando se não seria o retorno disfarçado das coligações nas eleições majoritárias. Não! Os dois institutos são distintos.

As coligações reuniam os partidos políticos de forma puramente circunstancial, com finalidade definida: elevar as chances de êxito e eram desfeitas ao fim do processo eleitoral. Não havia qualquer compromisso de alinhamento programático provocando, no senso comum, a sensação de que a vontade do eleitor havia sido fraudada.

A proposta da federação partidária, de saída, pressupõe afinidade programática e proximidade de ideologias políticas, considerando a necessidade de constituição de estatuto comum que vinculará o funcionamento parlamentar posterior as eleições. Outro ponto a realçar é o seu caráter perene. A federação deverá continuar existindo pelo período mínimo de quatro anos.

Cientistas políticos, doutrinadores, estudiosos do Direito Eleitoral defendem que as federações partidárias podem proporcionar correção de disfuncionalidades partidárias e promover futura fusão ou incorporação de partidos políticos, em horizonte próximo. Observam, portanto, movimento incentivador para, em curto prazo, provocar a redução do quantitativo de greis no país, de modo a fortalecer a confiança da sociedade em instituições que guardam íntima relação com a concretização da democracia (governo do povo e para o povo).

A ausência de posições claras e de identidade principiológica das agremiações nacionais é fator preponderante para a extenuação do nosso regime democrático, estimulando, por exemplo, o debate por lançamento de "candidaturas avulsas" e das propaladas "candidaturas coletivas" — até então inimagináveis —, reforçando a crescente busca pela criação de uma filosofia política que melhor se coadune com a diversidade da sociedade brasileira.

É o sistema político eleitoral, em convergência com outras engrenagens, in casu, com as legendas partidárias e os próprios políticos, que tornam o regime democrático concreto e ativo sendo, imperioso, rememorar que o Ato Institucional nº 2 extinguiu os partidos políticos.

Dizia o dispositivo: "Ficam extintos os atuais partidos políticos e cancelados os respectivos registros". O citado fato histórico demonstra, com clareza, não haver regime democrático sem políticos e sem partidos. Nesse contexto, citar a assertiva cunhada pelo ministro Luís Roberto Barroso é uma exigência: "política é gênero de primeira necessidade".

O déficit de representatividade brasileira é irrefutável. A máxima a "classe política não me representa" é prova indubitável da grave sensação de descolamento entre a sociedade civil e os atores políticos, assinalando que a cena política precisa de inovações capazes de alcançar e suprir a necessidade de uma sociedade de feições díspares e que, na atualidade, ainda precisa vencer desafios ancorados em algoritmos que induzem — artificialmente — comportamentos e pensamentos.

Definitivamente, é adequado arejar o ambiente político. A modernização e a profissionalização do mundo partidário são medidas que se impõem.

Os debates sobre a federação partidária já estão no Supremo Tribunal Federal. A ADI 7021, com medida cautelar já proferida pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, rechaçou de plano a existência de inconstitucionalidade formal da norma. Entretanto, exigirá do colegiado da Corte Constitucional brasileira o enfrentamento da constitucionalidade de uma lei ordinária (a que criou a federação) ter alterado artigo da Carta Magna.

A regra constitucional alcançada está no artigo 17, §1º: "É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos (…)". Ou seja, a Constituição Brasileira declinou os arranjos estruturais disponíveis às agremiações, que podem ser criadas, fundidas, incorporadas ou extintas. Não há, assim, a previsão da "federação".

Outro ponto decidido pelo ministro Barroso, na cautelar da citada ADI, diz respeito ao prazo sob o qual as federações devem estar formadas. O artigo 11-A, § 3º, inciso III, da Lei 14.208/21, afirma categoricamente que "a federação poderá ser constituída até a data final do período de realização das convenções partidárias", embora na cautelar proferida na ADI 7.021, sua Excelência, o ministro Barroso, ter decidido que o citado prazo (disposto na lei) afrontaria a isonomia entre as federações e os partidos políticos já constituídos.

Eis as exposições consignadas na decisão: "Existe, porém, um problema de quebra de isonomia no tratamento diferenciado dado à federação partidária no que diz respeito ao seu registro perante o TSE. Partidos políticos têm de fazê-lo até 6 meses antes das eleições (Lei no 9.504/97, art. 4º), sendo que, em relação à federação, a lei ora impugnada estende esse prazo até a data final do período de realização das convenções partidárias. Trata-se de uma desequiparação que não se justifica e que pode dar à federação indevida vantagem competitiva".

Exatamente no ponto acima declinado, houve parcial deferimento da cautelar "apenas quanto ao prazo para constituição e registro da federação partidária perante o TSE, e, como consequência: (1) suspender o inciso III do § 3º do art. 11-A da Lei no 9.096/95 e o parágrafo único do art. 6º-A da Lei nº 9.504/97, com a redação dada pela Lei no 14.208/21; bem como (2) conferir interpretação conforme à CF ao caput do art. 11-A da Lei no 9.096/95, de modo a exigir que para participar das eleições, as federações estejam constituídas como pessoa jurídica e obtenham o registro de seu estatuto perante o TSE no mesmo prazo aplicável aos partidos políticos".

Delineado o cenário jurídico das federações até o presente momento, evidenciando-se, por óbvio, frenesi no mundo acadêmico, e aquecido o debate sobre o posicionamento do STF, destaca-se que o exercício de futurologia está com data marcada para ser descortinado: 2/2/2022.

A especial coincidência numérica atrai supersticiosos e nos remete ao significado dos números cabalísticos. O número dois da Cabala representa o equilíbrio entre forças opostas. É o número da dualidade, da complementação, da polaridade. Representa a harmonia e o equilíbrio. Misticismos lateralizados, após o estudo do instituto e de suas nuances, é possível estabelecer paralelo entre as federações partidárias e uma figura jurídica própria do mundo empresarial moderno, as joint ventures contratuais.

O arquétipo da joint venture contratual é por demais parecido com as federações partidárias e, ainda que de modo superficial, traça-se as pontuais semelhanças.

A Lei Federal nº 14.208/2021, criadora das federações partidárias, prevê que (1) dois ou mais partidos poderão reunir-se em federação e, a partir daí, devem assim permanecer por, no mínimo, quatro anos; (2) para se associar em federações, as legendas deverão antes constituir uma associação averbada em cartório de registro civil de pessoas jurídicas, com personalidade distinta do partido; (3) partidos federados devem estar alinhados em todas as unidades da federação; (4) haverá coordenação política entre os partidos que atuarão, institucionalmente, em unidade, mas as siglas não perdem suas características próprias, nem sua autonomia, continuando a receber recursos do fundo partidário e do fundo especial de campanha, prestando contas e todas as demais obrigações que lhe são impostas enquanto partido político.

A joint venture contratual nada mais é que um acordo estabelecido entre duas ou mais empresas (1) com objetivo comum e específico; (2) por tempo determinado; (3) divisão de resultados e perdas; (4) não haverá fusão ou absorção; (5) as pessoas jurídicas preservam sua autonomia e personalidade jurídica, mantendo incólume seus direitos e obrigações. Ultrapassado o prazo estipulado em contrato, havendo interesse e sinergia, será possível a fusão, aquisição, absorção.

Como se percebe, as federações partidárias aparentam possuir, de fato, o frescor da contemporaneidade, cuja ideia motriz foi, possivelmente, derivada das melhores práticas do campo empresarial. Cumpre-nos então, agora, sob o arquétipo do direito eleitoral, aguardar pela premente depuração a ser promovida pela Suprema Corte, de modo a descobrir qual o sentido prático será conferido a esse novel sistema partidário.

Rogue-se, por oportuno, que a moderna roupagem das federações partidárias não seja impregnada pelo mofo dos velhos costumes, permitindo ao Brasil a ousadia de avançar com absoluto desapego aos retrocessos.

Autores

  • é advogada, pós-graduada em Direito Constitucional e em Ciência Jurídico-Políticas; tem MBA em Direito Tributário; pós-graduanda em Direito Eleitoral e membro da Comissão Especial Eleitoral do Conselho Federal da OAB; mestranda em Ciências Jurídico-Políticas.

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