Reconstituição de um crime

Veja como a 'lava jato' construiu escândalo para tentar mudar resultado de eleição

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28 de janeiro de 2022, 17h45

A imprensa brasileira sempre teve importância fundamental em grandes momentos históricos do país. Um exemplo foi a capa da revista Veja do dia 23 de outubro de 2014, três dias antes da eleição presidencial daquele ano.

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O segundo turno caiu num domingo. Na véspera, a notícia bombástica, espalhada em outdoors erguidos em todo o país, informava que "o doleiro Alberto Youssef, caixa do esquema de corrupção na Petrobras, revelou à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, na terça-feira passada (dia 21), que Lula e Dilma Rousseff tinham conhecimento das tenebrosas transações na estatal". "Eles sabiam de tudo", explodia a manchete.

Mas Dilma, com 51,6% dos votos, acabou vencendo a disputa com Aécio Neves, para o desgosto de quem tanto trabalhou no sentido contrário. O grande feito jornalístico, contudo, ganha outras cores quando se passa em revista a participação de Sergio Moro, da PF, do MPF e dos jornalistas nesse episódio clamoroso.

Até agora, a manobra era criticada pelo seu vazamento. Agora se sabe que as poucas linhas do "depoimento" — na verdade, um "adendo" de uma delação que ainda não existia — foram fabricadas apenas para viabilizar a reportagem. A prova está em vídeo (clique aqui para ouvir). Delegados, procuradores e juiz de primeira instância investigam uma presidente da República.

O próprio Moro comandou a audiência preliminar, quando o caso já estava a cargo do Supremo. Ele concentra os papéis da PF, do MPF e do STF. Para garantir o adendo de Youssef, prometeu: se Teori Zavascki não homologasse a delação, ele, Moro, concederia os benefícios nos autos — como já fizera outras vezes em negociações semelhantes. Teori homologaria a delação em dezembro, sem qualquer anexo que falasse de Dilma ou Lula. O objetivo do "adendo" já fora atingido.

A produção desse momento da "lava jato" foi protagonizada pelo delegado da PF Márcio Anselmo e pelos procuradores Diogo Castor de Mattos e Roberto Pozzobom, sob a direção de Sergio Moro. Depois da eleição, foram flagradas conversas dos delegados, comemorando a capa de Veja.

Alberto Youssef, preso havia mais de sete meses, estava com problemas de saúde — o que o levou a ser hospitalizado, mas só depois de concordar com o depoimento contra o PT. A própria revista reproduziu o "adendo" com que o doleiro comprou sua alforria:

"Perguntado sobre o nível de comprometimento de autoridades no esquema de corrupção na Petrobras, o doleiro foi taxativo:
– O Planalto sabia de tudo!

– Mas quem no Planalto? …
– Lula e Dilma, respondeu o doleiro".

A fabricação do depoimento extraído a fórceps irritou os advogados. Sérgio Moro não tinha alçada sobre a delação de Youssef, mas foi quem articulou o depoimento, em contato com os advogados, com a polícia e com o MPF. Foi por pressão do juiz que o doleiro foi levado a depor. Nos Estados Unidos, isso se chama "prática jurídica corrupta".

As "discrepâncias" do depoimento quando ainda não havia delação foram registradas nas impugnações feitas pelos advogados. Mas o domínio lavajatista escolhia as verdades que queria. O gerente da Petrobras, Pedro Barusco, sempre declarou que recebia propinas na empresa desde a década de 90. Mas, obedecendo os procuradores, só lançou nas planilhas as propinas recebidas a partir de 2003, porque foi orientado no sentido de que a "lava jato" não cobria os períodos anteriores. Ou seja, o objeto do processo eram os governos do PT. Mais ainda: ele foi proibido de citar autoridades com foro em Brasília para que a delação não escapasse de Curitiba.

Youssef jamais admitiu a seus advogados saber qualquer coisa sobre o Palácio do Planalto. O que ele sempre informou foi que as conversas sobre dinheiro com o PT se davam por meio do ex-deputado José Janene, que, por sua vez, relacionava-se com Paulo Roberto da Costa. Não existe um único registro de que Alberto Youssef tenha feito qualquer referência a Dilma ou Lula, fora do depoimento criado por Sérgio Moro.

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