Consultor Jurídico

Gratuidade da Justiça nas ações coletivas

28 de janeiro de 2022, 8h00

Por Raimundo Simão de Melo

imprimir

As ações coletivas cumprem importante papel social no sistema jurídico brasileiro. A mais importante finalidade das ações coletivas é prevenir lesões aos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), marcados por interesse público primário. São interesses que não podem ser tutelados individualmente pelos membros da coletividade ou, quando possível a busca de reparação individual, muitas vezes não compensa economicamente, diante do alto custo e dos demais inconvenientes para quem vai a juízo defender um direito. Como regra, são direitos fundamentais, alguns na categoria de direitos humanos, o que não raro acontece na seara trabalhista, cujo direito do trabalho não mais se resume, como antes, ao aspecto meramente patrimonialista. Com a Constituição Federal de 1988, além do aspecto patrimonialista busca-se tutelar a dignidade do trabalhador a partir de comandos constitucionais que asseguram a valorização e dignificação do trabalho humano (artigos 1º e 170).

O direito do trabalho é marcado pela característica da hipossuficiência e do desemprego, sendo que a Constituição Federal de 1988 elevou a dignidade humana e o valor social do trabalho como fundamentos da República Federativa e da ordem econômica (artigos 1º e 170). Nesse ramo especial do direito a tutela coletiva encontra campo fértil, como se tem visto nos últimos anos.

Em razão dessa importante finalidade social, a Lei nº 7.347/85 e o CDC asseguram a gratuidade da justiça nas ações coletivas. Nelas não existe sucumbência recíproca com a condenação da parte autora vencida na demanda, no pagamento de custas, despesas processuais e de honorários de advogado.

Somente no caso de litigância de má-fé da associação autora autoriza a lei a imposição de sanções processuais, tais como o décuplo das custas e, conforme o caso, a reparação pelos prejuízos causados à parte contrária.

Pela importância e complexidade das ações coletivas não podem ser aplicados simplesmente o CPC nem a CLT sobre o tema da gratuidade de justiça, como fazem alguns, uma vez que esses dois diplomas legais foram elaborados para solucionar demandas de natureza individual, devendo o tema ser solucionado pela LACP (artigos 17 e 18) e pelo CDC (artigo 87 e § único), os quais, como leis especiais que são, de acordo com princípio basilar de hermenêutica, preferem à lei geral. Assim, somente de forma subsidiária e desde que compatíveis, podem ser utilizadas nas ações coletivas disposições pertinentes do CPC e da CLT, ou seja, se não se prestarem a inviabilizar a tutela dos direitos e interesses coletivos.

Com efeito, assim estabelece a Lei n. 7.347/85:

"Artigo 17 – Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

Artigo 18 – Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais" (grifados).

Na mesma linha preconiza o artigo 87 da Lei nº 8.078/90 (CDC), cuja redação é a seguinte:

"Nas ações coletivas de que trata este Código não haverá adiantamento de custas emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorário de advogados, custas e despesas processuais".

A aplicação destes mandamentos legais em relação às ações coletivas vem expressamente prevista no artigo 21 da Lei nº 7.347/85, in verbis:

"Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".

O objetivo do legislador dessas normas legais foi facilitar o acesso coletivo do jurisdicionado à Justiça e dar efetividade à defesa em juízo ("Código Brasileiro de Defesa do Consumidor — Comentado e anotado pelos autores do anteprojeto", p. 532, 4ª Edição, Forense, RJ, 1995).

Assim é que, a despeito de variações na jurisprudência sobre o assunto, a SDI-I/TST pacificou o tema, assegurando que "aplicam-se ao sindicato, quando autor de demandas coletivas, as disposições do Código de Defesa do Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública, bem como do Código de Processo Civil, inclusive, quanto aos honorários advocatícios, por força de disposição expressa nas leis próprias de regência autorizando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil no que for cabível (artigos 19 e 21 da Lei 7.347/1985 e 90 da Lei 8.078/90)", ementando:

"EMENTA: HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SINDICATO SUCUMBENTE. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. Reconhecida a legitimidade ampla para atuar na defesa coletiva da categoria, como substituto processual, e, diante da sua constituição na forma de associação nos termos do artigo 53 e seguintes do Código Civil, aplicam-se ao sindicato, quando autor de demandas coletivas, as disposições do Código de Defesa do Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública, inclusive quanto aos honorários advocatícios, por força de disposição expressa nessas leis de regência que autorizam a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil no que for cabível. Assim, havendo sucumbência do sindicato, tanto o artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor, assim como o artigo 18 da Lei 7.374/85, dispõem que a condenação da associação autora em honorários advocatícios está restrita à comprovação de má-fé. No caso em apreço, contudo, não se observa qualquer registro de ter havido má-fé comprovada do sindicato. Essa ausência de má fé mais se reforça quando se constata que a Turma reconheceu a legitimidade ativa do Sindicato para a causa e determinou o retorno dos autos ao Tribunal de origem para o exame dos pedidos constantes do recurso ordinário do reclamante. De tal modo, a condenação do sindicato sucumbente ao pagamento de honorários advocatícios não se justifica porque ausente comprovada má-fé. Recurso de embargos conhecido e provido." TUTELA COLETIVA TRABALHISTA: Entre a Teorização Programática e a Tensão Pragmática 93 (E-ED-RR – 1218-27.2010.5.09.0652, relator ministro: Augusto César Leite de Carvalho, data de julgamento: 19/10/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, data de publicação: DEJT 27/10/2017) (grifados).