Licitações e Contratos

A Nova Lei de Licitações e sua descontrolada regulamentação

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

28 de janeiro de 2022, 8h00

A Lei nº 14.133/2021 adveio com mais de cinquenta dispositivos pendentes de regulamentação, a depender da matéria, por ministro de Estado, pelo chefe do Poder Executivo Federal, pelos Poderes Legislativo e Judiciário, sem desconsiderar as esferas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

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Estando iminente o aniversário de um ano de vigência da lei, é urgente ponderar sobre o que vem ocorrendo na sua regulamentação, que está exagerada e descontrolada, ao ponto se de ter em um só ente federativo uma norma com algumas centenas de páginas, inclusive, incorrendo no avanço nítido sobre uma enorme quantidade de dispositivos quem nem mesmo contavam com essa autorização na lei federal.

Com a devida vênia, é inconstitucional um regulamento que avança sobre todo o texto da lei federal, como se fosse uma versão local reescrita por um outro ente federativo.

Isso porque a regulamentação somente pode ocorrer naquelas matérias e nos pontos que, de modo expresso, assim delimitou o Congresso Nacional.

Mas não é isso que vem ocorrendo em uma quantidade considerável de casos, sendo esperado que em um futuro breve o Supremo Tribunal Federal seja provocado em demandas diversas sobre tais excessos, de normas que, a título de regulamentação, passam por demais do limite admitido.

Apenas a título de exemplo, determinados entes chegam ao ponto de criar um arcabouço amplo e diferente sobre processos sancionatórios de licitantes e contratados, alterando ritos, prazos e formalidades essenciais às garantias de ampla defesa e de contraditório, com redações diferentes da lei federal, sem que a mesma assim tenha autorizado.

Vale repetir: regulamentações que não possuem fundamento de validade na própria lei federal e incorrem em avanço além dos limites e são inconstitucionais.

Se o próprio legislador estabeleceu onde regulamentar não cabe aos entes mais diversos criarem versões quase integrais da lei federal, repletas de normas redundantes, como a repetição da informação de que a lei federal terá aplicação obrigatória em dois anos, além de normas frontalmente divergentes da lei federal, como as de alterações de prazos e outras formalidades processuais dos processos sancionatórios.

Essa diversidade exagerada e sem controle de normas que quase reescrevem, com outras formas de redação, inúmeros trechos da lei federal, está causando um sério risco à segurança jurídica, devendo ficar aqui o alerta de que, inclusive, processos judiciais futuros, que sejam encaminhados em grau de recurso ao Superior Tribunal de Justiça, anos adiante, vão demonstrar os efeitos deletérios do que está agora sendo plantado, pois aquela corte tem foco evidente nos recursos especiais, com admissibilidade por violação de lei federal ou divergência entre julgados de diferentes tribunais.

Nesse cenário acima comentado, deve-se imaginar o quanto será mais tumultuada uma lide desse tipo quando, no fundo da discussão, estiverem divergências entre julgados de tribunais estaduais que foram baseadas em diferentes regulamentações locais, inclusive, diferentes da lei federal.

A tendência é de que se multipliquem "recursos de recursos".

Portanto, embates serão travados, pois além de normas locais inconstitucionais, que passaram dos limites de regulamentação, em matérias ou pontos sobre os quais o legislador não estabeleceu autorização para tanto, de modo que muitos casos serão forçados até o Supremo Tribunal Federal, haverá a circunstância a considerar no crivo de admissibilidade de recursos a serem remetidos ao Superior Tribunal de Justiça, que tem, entre suas missões, a uniformização de entendimentos sobre leis federais.

Sob outra ótica, o Brasil tanto fez avanços para a sua acessão ao Acordo de Compras Públicas da Organização Mundial do Comércio, mas está fazendo um trabalho em sentido contrário, criando, descontroladamente, por todo o seu território, nos diversos níveis de governo, normas e mais normas sobre licitações e contratos, com textos diferenciados e até contrapostos.

Se para gestores e licitantes brasileiros isso já será complicado, deve-se imaginar o que será de estrangeiros para uma presença nas licitações locais, dentro dos limites do acordo, mas com uma diversidade exagerada de normas.

Estrangeiro terá tempo hábil, antecedendo determinada licitação, de analisar a lei federal, seus vários regulamentos federais e, ainda, decifrar norma de um ente local com centenas de páginas a título de regulamentação local?

Por todas essas circunstâncias, fica o alerta para o perigoso rumo que o Brasil está tomando.

Autores

  • Brave

    é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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