Opinião

A tributação sobre o ganho de capital na venda de imóvel rural

Autores

  • Gabriella Bittencourt Zanella

    é advogada sócia da Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

  • Ricardo Anderle

    é advogado sócio da Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-conselheiro do Carf.

27 de janeiro de 2022, 7h12

A tributação sobre o ganho de capital na venda de imóvel rural comumente gera dúvidas ao contribuinte diante das normas vigentes a respeito. Em suma, a operação pode ser apurada a partir de duas regras: a regra basilar, que consiste na diferença positiva entre o valor da venda do imóvel menos o seu custo de aquisição, prevista na Lei nº 7.713/1988, artigo 3º, baseada na diferença entre o custo de aquisição e o valor da alienação; ou a regra específica para imóveis rurais, constante da Lei nº 9.393/96, baseada na diferença entre o valor da terra nua quando da aquisição e o valor da terra nua quando da alienação, ambos indicados na declaração do Imposto Territorial Rural (ITR).

A escolha pela regra depende de alguns critérios a serem verificados a partir da hipótese concreta de cada contribuinte, estando sujeita, ainda, ao entendimento da Receita Federal, que, desde a criação da regra especial até então, não é demonstrado com clareza e, portanto, é, em geral, incompreendido.

O presente artigo visa a deslindar esse cenário repleto de incertezas, elucidando a lógica das normas aplicáveis na tributação da venda de imóvel rural, bem como sua aplicação à luz de todas as inconstantes imagináveis.

A regra geral do imposto sobre a renda incidente no ganho de capital na venda de imóvel também pode ser utilizada para o bem rural. A apuração dá-se com base na diferença positiva entre o valor da venda menos o seu custo de aquisição, nos termos da Lei nº 7.713/1988, artigo 3º.

A definição de custo de aquisição pode ser extraída do artigo 16 da mesma lei, consistindo no preço ou valor pago pelo contribuinte, e, na ausência deste, conforme o caso: no valor atribuído para efeito de pagamento do imposto de transmissão; no valor que tenha servido de base para o cálculo do imposto de importação acrescido do valor dos tributos e das despesas de desembaraço aduaneiro; no valor da avaliação do inventário ou arrolamento; no valor de transmissão, utilizado na aquisição, para cálculo do ganho de capital do alienante; ou, no seu valor corrente, na data da aquisição.

A regra especial direcionada para imóveis rurais consta da Lei nº 9.393/96:

"Artigo 19  A partir do dia 1º de janeiro de 1997, para fins de apuração de ganho de capital, nos termos da legislação do imposto de renda, considera-se custo de aquisição e valor da venda do imóvel rural o VTN declarado, na forma do artigo 8º, observado o disposto no artigo 14, respectivamente, nos anos da ocorrência de sua aquisição e de sua alienação".

Trata-se de norma cuja aplicação é condicionada à declaração do ITR, (DITR, composta pelo Diat e Diac). Essa regra é diferenciada, porquanto se baseia no VTN  valor da terra nua declarado pelo contribuinte (no Diat da Dirt), que consiste no preço de mercado do imóvel, entendido como o valor do solo com sua superfície e a respectiva mata, floresta e pastagem nativa ou qualquer outra forma de vegetação natural, excluídos os valores de mercado relativos a construções, instalações, melhoramentos e benfeitorias, culturas permanentes e temporárias, pastagens cultivadas e melhoradas e florestas plantadas.

Nessa linha, o VTN não se confunde com o valor do imóvel como um todo, uma vez que exclui tudo mais que foi agregado à terra, isto é, todas as grandezas distintas nos imóveis rurais. Não se trata de isenção tributária na apuração do ganho de capital, mas, sim, de uma forma diferenciada para imóveis rurais.

A regra especial do VTN, constante da Lei nº 9.393/96, foi regulamentada pela IN nº 84/2011, que denota uma interpretação restritiva da Receita Federal sobre o tema. Isso porque, no artigo 10, vinculou a utilização da regra do VTN à entrega do Diat nos anos de aquisição e alienação, constante da Dirt. No entanto, uma análise mais acurada do dispositivo, a partir das perspectivas de um caso concreto, indica que a norma é imprecisa.

A despeito disso, o artigo 10, se interpretado conjuntamente com a Solução de Consulta Cosit nº 118/2019 da Receita, bem como com diversas decisões proferidas na esfera administrativa (pelo Carf), revela a seguinte postura fiscal na apuração do ganho de capital sobre vendas de imóveis rurais adquiridos a partir de 1997: a) quando o contribuinte adquire e vende o imóvel rural antes da entrega do Diat: o ganho de capital é igual à diferença entre o valor efetivo de alienação e o custo de aquisição; b) quando o contribuinte adquire o imóvel rural antes da entrega do Diat e aliena, no mesmo ano, após sua entrega: não ocorre ganho de capital, por se tratar de VTN de aquisição e de alienação de mesmo valor; c) quando o contribuinte não apresenta Diat no ano de aquisição ou de alienação, ou a ambos: Considera-se como custo e como valor de alienação o valor constante nos respectivos documentos de aquisição e de alienação; e d) quando o contribuinte apresenta Diat com VTN subavaliado, com informações inexatas, incorretas ou fraudulentas: considera-se o Sistema de Preços de Terras (Sipt), valor de mercado ou da operação.

E o que isso significa? Em tese, que a regra do VTN só é aplicada pela Receita quando o contribuinte adquiriu e alienou o imóvel rural em período posterior ao da entrega da Dirt dos respectivos anos, com o Diat e Diac.

Afora essas situações, aplica-se a regra geral do ganho de capital, sendo que, para os casos de aquisição de imóvel antes da entrega da Diat e alienação após a entrega da Diat do mesmo ano, não ocorre ganho de capital.

Considerando que o prazo disponível para a entrega da Dirt é fixado pela Receita entre agosto e setembro de cada ano, para a aplicação da regra do VTN, a aquisição do imóvel deveria ter sempre sido antes de agosto/setembro e alienação depois de setembro (do mesmo ano ou dos anos subsequentes). Para a Receita, portanto, o VTN se aplicaria apenas nessa hipótese.

Portanto, se, porventura, o contribuinte adquiriu o imóvel em janeiro de 2021 e vendeu em outubro de 2021, poderá, segundo orientação da Receita Federal, apurar o ganho de capital pelo VTN. Por outro lado, se adquiriu o imóvel em novembro de 2019 e vender em outubro de 2021, deverá apurar o ganho de capital pelo valor do imóvel (regra geral), haja vista inexistir VTN declarado pelo contribuinte (leia-se, o beneficiário do ganho de capital) no ano de sua aquisição.

Logo, considerando a entrega da Dirt entre agosto e setembro, a regra se aplica apenas quando a aquisição do imóvel se der entre janeiro e julho e a alienação do imóvel se der entre outubro e dezembro.

No que tange aos imóveis adquiridos antes de 1º/1/1997, a redação do parágrafo único do artigo 19 da Lei nº 9.393/96, muito embora disponha claramente que o custo de aquisição deve ser considerando como o valor constante da escritura pública, apresente lacuna sobre o custo de alienação.

São possíveis duas interpretações sob esse aspecto: que o custo de alienação seja o valor da venda ou que o custo de alienação é o VTN declarado no ano de venda. No último caso  de risco perante a postura avaliada da Receita , tem-se uma apuração híbrida do ganho de capital.

As limitações indicadas na IN 84/2001 para o uso do VTN já foram afastadas pelo Judiciário.

O TRF-4, pro exemplo, apresenta jurisprudência no sentido de que as restrições da Receita Federal dispostas no artigo 10 da IN nº 84/2011 estão "em tese, confrontando a previsão legal contida no artigo 19 da Lei nº 9.393/1996, o qual não exige que a Diat tenha sido apresentada necessariamente pelo adquirente", consignando, na mesma linha, com base no artigo 14 da referido diploma legal, que até mesmo nas hipóteses de não apresentação da Diat "não seriam considerados na apuração do IR/GCAP o valor da terra nua registrado das transações imobiliárias, mas sim o valor da terra nua constante do sistema de informações de preços de terras de que dispõe a Receita Federal" [1] .

Para os casos em que o contribuinte tenha entregue a Dirt oportunamente, no entanto, com a indicação de um VTN subavaliado, a Receita Federal já atuou de duas formas quando da apuração do ganho de capital na venda de imóvel rural, sempre desconsiderando o valor da Diac: a um, adotando a regra básica, qual seja, o valor de mercado do imóvel ou o valor da efetiva operação de venda; a dois, por arbitramento com base nas informações constantes do Sipt, instituído pelo órgão. A adoção do Sipt funda-se na regra do artigo 14 da Lei nº 9.393/1996, aplicável ao ITR.

Como a legislação tributária prevê mecanismos próprios e específicos para a atuação fiscal em casos que discorda do VTN declarado, por considerar a existência de subavaliação, a aplicação do procedimento contido no artigo 14 da Lei nº 9.393/96 é a mais adequada [2].

A despeito de o artigo 14 relacionar-se ao procedimento de lançamento de ofício do ITR, utiliza-se o seu regramento subsidiariamente para a apuração do ganho de capital na alienação de imóveis rurais, naquilo que pertinente, conforme menciona o artigo 19 da mesma lei.

Portanto, a metodologia prevista em lei não consiste em estabelecer o ganho de capital com base nos instrumentos negociais (contrato de compra e venda) quando não se mostra confiável a avaliação a preço de mercado reconhecida pelo declarante, mas, sim, se basear no valor constante do Sipt.

A alienação de propriedade rural pode ter como objeto apenas a terra nua ou a terra nua somadas às benfeitorias (construções, instalações e melhoramentos) [3]. Se o custo das benfeitorias não tiver sido deduzido na atividade rural, irá integrar o custo de aquisição e o valor da alienação do imóvel.

Se for o caso, é essencial que haja comprovação mediante documentos hábeis e idôneos do valor do custo das benfeitorias, bem como se elas foram considerados como despesas da atividade rural ou como receita da atividade rural. Isso porque, do contrário, a Receita Federal poderá até mesmo considerar como valor das benfeitorias toda a diferenta entre o VTN e o valor da operação.

Diante do exposto, a aplicação da regra especial de apuração do ganho de capital, dirigida aos imóveis rurais, dependerá do caso concreto, ao passo que a regra básica do ganho de capital atuará como norma subsidiária para os casos que não atenderam os pressupostos de aplicação do VTN.

Os principais elementos que devem ser verificados pelo contribuinte para a análise da regra a ser aplicada no seu caso concreto, de acordo com a Receita Federal são, essencialmente: a data da aquisição (nos casos de herança, por exemplo, considera-se a abertura da sucessão/falecimento e no caso de meação, considera-se a data do casamento, se pertencentes ao outro cônjuge e se o regime for de comunhão universal de bens [4]); a data da alienação; se e quando houve entrega de Dirt no ano da aquisição e no ano da alienação; quem entregou a Dirt; os valores constantes da Dirt a título de VTN; se a Dirt está adequada ao imóvel declarado.

Contudo, diante do artigo 19 da Lei nº 9.393/1996, não parece coerente que a regra especial seja definitivamente afastada quando da ausência da Dirf ou quando a Dirf não tenha sido entregue pelo beneficiário do ganho de capital.

Isso porque, ao contrário do que entende a Receita Federal, na linha desse dispositivo, o ganho de capital na alienação de imóvel rural deve, sempre que possível, ser apurado com base no VTN do ano de alienação e do ano de aquisição (ou com base na Dirf ou a partir dos preços de terra constantes no Sipt), sendo, assim, ilegal o artigo 10 da IN nº 84/2011 por introduzir critério relevante de base de cálculo, ausente na Lei 9.393/96, em violação ao princípio da legalidade tributária.

 


[1] TRF4, 5012189-94.2015.4.04.7001, Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona, 13/04/2016. TRF-4  Recurso Cível: 5002844-39.2017.404.7000, Relator: Vilian Bollmann, 04/10/2017, Primeira Turma Recursal do PR.

[2] Entendimento semelhante adotado pelo Carf, Acórdão 2401­006.233, Processo 10820.720243/2011­29, 7 de maio de 2019.

[3] Lei nº 9.393/96, artigo19. Perguntas e Respostas 2021 RF: 612, 496, 516.

[4] Consulta da Receita Federal, nº 229/2015.

Autores

  • é advogada sócia da Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados, mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

  • é advogado do Menezes Niebuhr Advogados Associados, doutor em Direito Tributário pela PUC-SP, mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e pelo Instituto Brasileiro Direito Tributário (IBDT), especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), autor e coautor de livros e de artigos publicados em revistas especializadas e ex-conselheiro do Carf.

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