Opinião

A prática de canibalismo no mercado de franquias

Autor

  • Daiana S. Takeshita

    é advogada pós-graduanda em Direito Empresarial por instituições como Escola Paulista de Direito (EPD) e Fundação Getúlio Vargas (FGV) e consultora especialista em franchising.

26 de janeiro de 2022, 16h09

O canibalismo é traduzido como sendo um ato praticado por determinado ser e que consiste em devorar outro da mesma espécie.

Trazendo esse conceito para o universo do franchising, canibalismo é a conduta adotada pela franqueadora e que acaba por prejudicar ou aniquilar os seus próprios franqueados, quando na verdade deveriam caminhar em conjunto para o desenvolvimento e expansão dos negócios e da própria marca.

Antes de aprofundar o tema, importante remetermos a análise ao conceito do que é uma franquia empresarial.

O artigo 1º da Lei 13.966/19 define a franquia como sendo modelo de negócio através do qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.

Nesse contexto, entende-se que franqueadora e franqueados devem pautar-se em uma relação ganha-ganha, com vistas ao crescimento conjunto: se de um lado a franqueadora deve promover o fomento, maximização e expansão de seu negócio, marca, produto ou serviço, de outro, os franqueados devem desenvolver o modelo de negócios da franqueadora, já consolidado no mercado.

Em razão da necessidade de proteção aos segredos do negócio do franqueador é que os contratos de franquia empresarial apresentam cláusulas que impõe vedação aos franqueados quanto à prática de atos que possam resultar em concorrência desleal contra a franqueadora ou a quebra do dever de sigilo e confidencialidade, sob pena de pagamento indenizatória em seu favor a fim de tentar inibir franqueados mal-intencionados.

Do mesmo modo, espera-se que a franqueadora cumpra suas obrigações, pautando-se pelos princípios gerais que regem os contratos, notadamente os princípios da probidade e da boa-fé objetiva que deve reger toda e qualquer relação contratual.

Em outras palavras: o franqueado não deve adotar conduta que possa prejudicar a franqueadora a qual, por sua vez, deve conferir o mesmo tratamento ao franqueado, seu parceiro nesta relação de "ganha-ganha".

É fato notório que na história do franchising no Brasil vários franqueados se apossaram dos segredos do negócio do franqueador e passaram a atuar no mesmo ramo de atividades, em desacordo à cláusula de não concorrência, resultando em demandas judiciais movidas pelas franqueadoras para tentar barrar esta conduta e serem indenizadas.

Todavia, situação inversa também pode ocorrer. Isto é, quando a franqueadora passa a adotar conduta prejudicial aos seus próprios franqueados a prejudicar seus próprios franqueados, distanciando-se da ética comercial e que podem, inclusive, caracterizar prática de concorrência desleal e, por que não dizer?, canibalismo dentro rede de franquias.

Em que pese a indigestão dos apaixonados pelo universo do franchising sobre o assunto, não é nada difícil encontrarmos exemplos práticos e atuais no mercado.

A prática de preços e condições de pagamento diferenciada entre unidades da própria franqueadora e franqueados comuns, quando o contrato prevê suposta igualdade de condições para toda rede, e a prospecção de clientes dos franqueados pela franqueadora através do site institucional da marca, que os direciona para outros canais de venda próprios ou oferta ao público preços menores daqueles preços praticados por seu franqueados, são exemplos de situações problema presentes na realidade de diversas redes e causa muito desconforto aos franqueados e grandes embates na Justiça.

Indo mais longe, em tempos de mercado aquecido com processos de fusão e aquisição de empresas, o risco de canibalismos pode ocorrer se uma franqueadora que vende açaí da marca X resolver incorporar a marca Y e modelo de negócio de outra franqueadora que também vende açaí, passando a administrar e ofertar ambos os modelos de negócio no mercado, abandonado seu compromisso de fomento, desenvolvimento e expansão com os franqueados da marca X, podendo caracterizar concorrência desleal e canibalismo.

O canibalismo no franchising é ato praticado pela franqueadora e que acaba por prejudicar ou aniquilar os seus próprios franqueados, quando deveria caminhar em conjunto no desenvolvimento e expansão do negócio como ocorre — e é o que se espera — de uma relação "ganha-ganha", é prática que pode e deve ser combatida por todos em prol da construção do franchising do bem.

As cláusulas contratuais protetivas somadas ao ordenamento jurídico em vigor consolidam o princípio da boa-fé objetiva como norma que se impõe a todos e faz que com que não restem dúvidas da tipificação dessa prática como ilegal e, como tal, sujeita às devidas sanções.

A identificação e apuração de eventuais prejuízos suportados pelo franqueado lesado, a ser feita caso a caso, possibilita a tomada das medidas necessárias à justa e devida reparação de danos, legalmente garantida.

 

Referências bibliográficas
BRASIL. Lei nº 13.966, de 26 de dezembro de 2019, que dispõe sobre o sistema de franquia empresarial. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13966.htm. Último acesso em 24 de janeiro de 2022.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil Brasileiro, Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Último acesso em 24 de janeiro de 2022.

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    é advogada formada pela Universidade São Francisco, pós-graduanda em Direito Empresarial por instituições como Escola Paulista de Direito (EPD) e Fundação Getúlio Vargas (FGV) e consultora especialista em franchising.

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