Opinião

Direitos fundamentais e o retorno à normalidade na pauta do STF em 2021

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25 de janeiro de 2022, 14h12

O desafiador equilíbrio entre o retorno gradual à normalidade econômica e a manutenção de medidas sanitárias de combate à pandemia da Covid-19 gerou intensas divergências entre as forças políticas no Brasil no ano de 2021. Medidas ineficientes na área da saúde e o clima geral de incertezas levaram o Supremo Tribunal Federal a assumir, uma vez mais, importante protagonismo na defesa da ciência e na validação de atos destinados a conter a pandemia.

A Suprema Corte também proferiu, ao longo do ano, importantes decisões em matéria de garantias individuais e direitos fundamentais, confirmando a tradição de vigilância da Constituição.

Merece destaque a firme orientação da Suprema Corte de priorizar e reiterar, em diversas oportunidades, a estrita atenção às definições dos órgãos técnicos e sanitários na implementação de políticas de saúde pública e medidas de restrição à circulação de pessoas. A postura eminentemente técnica do tribunal desvinculou o tema de eventuais guias político-ideológicas, tão nocivas à proteção dos cidadãos.

Nesse contexto, cita-se a emblemática ADPF 756, apresentada por partidos políticos de oposição para impugnar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia. A arguição mobilizou o poder público a publicizar, pela primeira vez, o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19.

Em Decisão de 19/4/2021, o relator da matéria, ministro Ricardo Lewandowski, registrou que "o Supremo Tribunal Federal pode e deve sempre exercer o seu poder contramajoritário, oferecendo a necessária resistência às ações e omissões de outros Poderes da República, de maneira a garantir a integral observância dos ditames constitucionais, na espécie, daqueles que dizem respeito à proteção da vida e da saúde".

Ainda no âmbito da mesma arguição, a corte referendou pleitos liminares para determinar a adoção de medidas urgentes e elaboração de plano de enfrentamento da crise sanitária instalada na cidade de Manaus em janeiro, bem como para fixar a competência de estados e municípios na definição da vacinação de jovens e adolescentes a partir de 12 anos, desde que atendidos os critérios técnicos estabelecidos pela Anvisa e pelas fabricantes.

Partindo da premissa científica de que a imunização em massa da população é o caminho mais adequado para o fim da pandemia, a corte se mostrou preocupada com o estímulo à vacinação pela população, e também com a proteção das fronteiras em relação ao ingresso de estrangeiros não vacinados em território nacional.

Nas ADPFs nº 898, 900, 901 e 905, todas de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, foi concedida medida cautelar a fim de afastar a vigência de portaria do Ministério do Trabalho que proibia a demissão por justa causa de trabalhador que recusasse a vacinação sem motivo válido, sob o fundamento de que "existe consenso médico-científico quanto à importância da vacinação para reduzir o risco de contágio por Covid-19, bem como para aumentar a capacidade de resistência de pessoas que venham a ser infectadas".

Mais recentemente, em nova ação de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso (ADPF 913), foi proferida liminar para determinar aos órgãos federais de fronteira a exigência do passaporte vacinal de estrangeiros que pretendam ingressar no país, conforme orientação previamente expedida pela Anvisa, oportunidade na qual o relator apresentou as balizas que orientam a atuação da Suprema Corte perante atos e normas sanitárias:

"Esses são, portanto, os critérios objetivos adotados pelo STF para controle da constitucionalidade de atos e normas sanitárias: 1) o respeito a standards científicos e técnicos de órgãos internacionais e nacionais com expertise na matéria; 2) a validade de utilização de meios indiretos que induzam à vacinação compulsória (desde que sem o uso da força); 3) a adoção dos princípios da prevenção e da precaução, para decisões que possam afetar a vida, a saúde e o meio ambiente".

Apesar de iniciada a votação de referendo em ambas as controvérsias, os julgamentos colegiados foram destacados do Plenário Virtual a pedido do ministro Kassio Nunes Marques e serão apreciados pela corte no retorno do recesso judiciário.

Para além das discussões relacionadas ao combate à pandemia, importantes julgamentos resultaram no fortalecimento das garantias individuais e de direitos fundamentais em diversas ocasiões.

A exemplo do que ocorreu em 2020, com a histórica decisão que reconheceu a inconstitucionalidade de qualquer critério baseado exclusivamente na orientação sexual do doador para impor restrições à doação de sangue (ADI nº 5.543), também no ano de 2021 a corte cuidou de consolidar o cerco de proteção aos direitos da comunidade LGBTQIA+. Nesse sentido, cite-se decisão do ministro Gilmar Mendes na ADPF nº 787, que determinou a adoção de diversas medidas concretas para o atendimento adequado de transexuais e travestis no Sistema Único de Saúde (SUS) de acordo com a respectiva identidade de gênero.

O Supremo Tribunal Federal também se mostrou atento à preocupante escalada armamentista no país, instalada por meio de uma profusão de decretos e portarias do Poder Executivo que buscam facilitar a aquisição e porte de armas pelos cidadãos.

No ponto, destaca-se a ADI nº 6.675, ajuizada contra um conjunto de decretos presidenciais que implementaram mudanças expressivas na política nacional de armamento, flexibilizando de forma desmedida as regras para aquisição e porte de armas de fogo e munições e limitando as possibilidades de controle e fiscalização pelo Estado.

A ministra Rosa Weber deferiu liminar para suspender a eficácia de dispositivos dos decretos impugnados, entendendo que a presidência da República, ao editar os decretos, inovou na ordem jurídica e fragilizou o programa estabelecido pelo Estatuto do Desarmamento, excedendo sua competência, e que as normas negavam proteção adequada e suficiente a direitos fundamentais. Após o voto da relatora e dos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, o referendo da liminar pelo plenário foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques.

Atenta à evolução das plataformas de comunicação e modelos de negócio, a corte demonstrou preocupação em relação à garantia dos direitos individuais em temas ligados à internet e às novas tecnologias.

Na ADI nº 6.991, proposta contra medida provisória que objetivava restringir a exclusão de conteúdo e de perfis pelas provedoras, sobretudo redes sociais, a ministra Rosa Weber proferiu liminar para suspensão imediata de eficácia da norma. Naquela ocasião, a ministra destacou as restrições materiais dispostas na Constituição Federal para a edição de medidas provisórias pelo Poder Executivo, especialmente no que se refere ao âmbito normativo dos direitos fundamentais: "Os direitos individuais objetivam, especialmente, a proteção dos cidadãos frente aos arbítrios do Estado. Possibilitar ao Presidente da República, Chefe do Poder Executivo, a restrição de direitos fundamentais por meio de instrumento unilateral  a medida provisória , sem qualquer participação ativa de representantes do povo e da sociedade civil, revela-se incompatível com a contenção do abuso estatal".

Com a devolução da MP pelo presidente do Congresso Nacional, ocorrida logo após a concessão da medida cautelar, a relatora entendeu pela perda superveniente de objeto da ação, extinguindo a demanda.

Também merece destaque decisão proferida pelo ministro Gilmar Mendes nos autos da ADI nº 6.678, estabelecendo que a sanção de suspensão de direitos políticos, uma garantia da mais alta relevância democrática, não se aplica a atos de improbidade culposos que causem dano ao erário. A decisão também suspendeu a sanção de direitos políticos na hipótese de violação aos princípios da Administração Pública. O ministro observou que a sistemática da redação originária da Lei nº 8.429/1992 não respeitava o mandamento constitucional da excepcionalidade e da gradação da suspensão dos direitos políticos quanto a atos de menor gravidade, violando o princípio da proporcionalidade.

A breve seleção de julgados apresentada demonstra que o Supremo Tribunal Federal reafirmou seu papel preponderante na defesa da ciência e no combate à pandemia em 2021, sempre sob a guia dos dados técnicos e das orientações dos órgãos de saúde. De outra parte, a corte se manteve vigilante na garantia de direitos fundamentais em diversas frentes, como o respeito às minorias, o dever estatal de promoção da segurança pública, a salvaguarda à cidadania e a proteção dos indivíduos frente a possíveis arbítrios por parte dos governantes.

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