Opinião

ANPD e TSE unem esforços para regular as campanhas por meios digitais

Autor

  • Anna Luísa Guimarães

    é advogada no Figueiredo & Velloso Advogados Associados e mestranda na área de proteção de dados no Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

25 de janeiro de 2022, 7h12

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicaram guia orientativo com o intuito de definir critérios para o tratamento de dados dos eleitores, candidatos e partidos políticos no contexto do período eleitoral que se inicia em 2022. A disponibilização do documento traduz ação que visa a regular o procedimento de campanhas políticas online e a utilização do meio digital para divulgação de propostas e para comunicação com o eleitorado.

Em termos gerais, a ANPD e o TSE discorrem sobre quais podem ser as principais bases legais a serem utilizadas por candidatos e partidos políticos para tratamento de dados referentes ao contexto eleitoral. Com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabeleceu-se um cenário de cooperação entre os diversos órgãos públicos e entidades privadas para direcionamento de esforços no sentido de evitar a utilização abusiva de dados dos cidadãos, a fim de que haja um respeito à privacidade nas redes e em documentos físicos que contenham qualquer tipo de dado pessoal.

Citado diploma legal visa a garantir uma maior transparência, respeito à privacidade e aos direitos dos titulares de dados pessoais, criando diversas regras para manuseio das informações que possam servir para identificação dos titulares de dados. Ademais, especifica que qualquer atividade envolvendo o tratamento de dados pessoais só poderá ser realizada caso exista uma disposição normativa que autorize a sua execução. Ou seja, o recolhimento de informações pessoais dos indivíduos só poderá ocorrer se houver o fornecimento de um consentimento, uma obrigação legal ou regulatória, leis, contratos entre as partes interessadas, entre outras situações. Desse modo, evita-se que o cidadão seja obrigado a apresentar dados como número da carteira de identidade, endereço e filiação política, entre outros, sem necessidade.

Nota-se que, segundo o guia, até mesmo para os dados já armazenados, em meios físicos ou digitais, deve ocorrer o respectivo enquadramento legal para que seja observada a legislação de proteção de dados vigente no país, bem como a observância das reais expectativas dos titulares quanto ao manuseamento de informações, de modo que sejam garantidos os direitos ao  cancelamento do cadastro, ao respeito às liberdades individuais, bem como ao fornecimento de informações claras sobre os cuidados tomados com os dados disponibilizados.

Durante todo o guia informativo, a autoridade de proteção de dados e a corte eleitoral deixam claro que os partidos políticos, as coligações, os candidatos, as organizações contratadas para realização das campanhas eleitorais, entre outros agentes envolvidos no contexto político-eleitoral devem registrar todas as operações envolvidas no tratamento dos dados de usuários externos, filiados ou até mesmo dos candidatos, a fim de que se tenha um controle sobre as finalidades e as necessidades das ações realizadas. Por isso mesmo, deve ser implementado um programa de governança em privacidade (PGP) que seja capaz de demonstrar o comprometimento dos agentes políticos com o tratamento dos dados, a partir do desenvolvimento de políticas internas que assegurem o cumprimento de normas básicas e a observância de boas práticas, a fim de se efetivar a implementação do mencionado programa.

Ainda deve ser consolidado um inventário com o mapeamento das finalidades dos tratamentos, das bases legais para manuseio das informações, e também da categorização dos dados pessoais em sensíveis, ou não, e da descrição da existência de decisões automatizadas e das demais características do compartilhamento dos dados com terceiros.

As práticas de eliminação e descarte dos materiais também devem ser detalhadas, explicando os prazos para tanto e quais as medidas de segurança aplicadas no processo.

Os riscos envolvidos no tratamento dos dados pessoais devem estar dispostos em um Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPD), que deve conter uma descrição das possíveis implicações para o caso de vazamento de dados. Importante esclarecer que não se trata de documento opcional, uma vez que a ANPD e o TSE deixam claro a sua exigência, ante o tratamento de diversos dados sensíveis pelos atores eleitorais, como opiniões e filiações políticas, o que, em caso de vazamento, por exemplo, poderia acarretar situação discriminatória para o titular.

Ademais, deve-se ter um procedimento definido para caso ocorra o vazamento de dados ou qualquer incidente de segurança envolvendo a manipulação de informações dos eleitores, candidatos e partidos políticos que possam causar danos relevantes aos titulares. Para isso, devem ser disponibilizados canais de comunicação que sejam eficientes e facilmente acessíveis aos titulares das informações, sendo possível garantir todos os direitos contidos na LGPD, bem como a apresentação de comunicações em situações de divulgação indevida de dados pessoais.

As violações às determinações da LGPD em relação ao manuseio de dados pessoais dos eleitores, candidatos e partidos políticos pode ensejar a aplicação de multa e sanções tanto pela ANPD quanto pelo TSE. Especialmente quanto a venda, doação ou cessão de cadastros de dados de cidadãos por pessoas físicas ou jurídicas a legislação eleitoral, com o referendo da agência de proteção de dados, proíbe esse tipo de ação sob pena de instituição de multa no valor de até R$ 30 mil, bem como a cassação do registro ou diploma, caso fique caracterizado o abuso de poder político ou econômico.

O impulsionamento de conteúdos relativos a campanhas políticas em redes sociais é definido como mecanismo que permite a promoção de anúncio em serviços de aplicação na internet, gerando uma maior visibilidade para os conteúdos relacionados às campanhas eleitorais. A Resolução nº 23.671 do TSE estabelece que poderá ser realizado esse tipo de ação, desde que seja identificada a base legal aplicável (consentimento ou legítimo interesse), esteja demonstrada transparência em relação ao tratamento dos dados e disposições sobre as práticas de utilização dos perfis comportamentais dos usuários.

Isso porque o impulsionamento de conteúdo envolve a utilização de softwares que podem vir a realizar uma seleção de um público-alvo a partir da combinação do comportamento de usuários na rede e/ou dados pessoais obtidos pelos partidos, candidatos ou plataformas digitais. Desse modo, há também um tratamento de dados que deve levar em consideração as disposições contidas na LGPD, sobretudo em relação à disponibilização de informações claras e simples sobre a utilização dos dados ligados ao perfil dos usuários e embasamento legal para tal atitude.

Por fim, a Resolução nº 23.671 do TSE estabelece que apenas as empresas cadastradas na Justiça Eleitoral, em que será possível identificar os contratantes do serviço, poderão realizar o impulsionamento de conteúdos na internet. Os apoiadores das campanhas não poderão utilizar esse tipo de ferramenta para promoção de conteúdos políticos, ficando registrado que apenas os partidos, coligações, candidatos e federações partidárias poderão atuar dessa forma. Também há vedação para a contratação de pessoas físicas ou jurídicas para promoção de conteúdos com cunho político-eleitoral em suas páginas pessoais na internet ou redes sociais. O disparo de mensagens em massa, sem a anuência do usuário, também se configura como prática ilegal que pode ser punida com a cassação do registro da candidatura e inelegibilidade do candidato responsável.

As sanções a serem aplicadas são graves e as multas envolvem valores expressivos, podendo chegar a R$ 50 milhões, nos termos previstos pela LGPD. Não se exclui a necessidade de utilização de redes sociais para campanhas políticas, inclusive, as disposições normativas consideram a importância dos meios digitais para definição das eleições. Não obstante, a proteção ao direito à privacidade de dados pessoais apresenta-se como de extrema relevância na efetivação da cidadania, eis que a idoneidade do voto constitui rico instrumento para materialização da democracia.

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