Direito Eleitoral

Pesquisas eleitorais: melhor prevenir do que remediar

Autores

  • José Paes Neto

    é doutorando e mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) advogado procurador legislativo professor de Direito Eleitoral do Isecensa e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

  • Vânia Siciliano Aieta

    é coordenadora-geral da Abradep. Doutora em Direito Constitucional (PUC-SP) com pós-doutorado na Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) e na PUC-Rio. Mestre em Direito Constitucional (PUC-Rio). Professora dos cursos de graduação e pós da Faculdade de Direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Coordenadora do curso de pós-graduação em Direito Eleitoral da Escola Judiciária Eleitoral do TRE-RJ (Ceped/Uerj). Conselheira titular da seccional da OAB-RJ. Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ. Presidente da Comissão de Direito Eleitoral do IAB. Membro da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB. Membro do Ibrade e do IBDC. Advogada conferencista e parecerista.

24 de janeiro de 2022, 8h00

2022 chegou e com ele a necessidade de registro das pesquisas eleitorais perante a Justiça Eleitoral, para fins de divulgação dos resultados, conforme previsto no artigo 2º, da Resolução nº 23.600, do Tribunal Superior Eleitoral.

O registro de pesquisa, nos termos do artigo 4º, da Resolução nº 23.600, será obrigatoriamente realizado via internet, por meio do PesqEle, disponível nos sítios eletrônicos dos tribunais eleitorais.

Para utilização do PesqEle, as entidades e as empresas deverão, obrigatoriamente, cadastrar-se pelo próprio sistema, mediante o fornecimento de diversas informações. Do mesmo modo, a lei nº 9.504/1997 e a Resolução nº 23.600 do TSE estabelecem uma série de informações que precisam ser apresentadas no ato do registro das pesquisas.

Para fins da divulgação dos resultados, o artigo 10 da Resolução nº 23.600 determina que deverão ser obrigatoriamente divulgados o período de realização da coleta de dados, a margem de erro, o nível de confiança, o número de entrevistas, o nome da entidade ou da empresa que a realizou e, se for o caso, de quem a contratou e o número de registro da pesquisa.

A Justiça Eleitoral não realiza qualquer controle prévio sobre o resultado das pesquisas, tampouco gerencia ou cuida de sua divulgação. Contudo, a legislação garante ao Ministério Público, as candidatas e os candidatos, os partidos políticos, as coligações e as federações de partidos o direito de ter acesso ao sistema interno de controle, verificação e fiscalização da coleta de dados das entidades e das empresas que divulgarem pesquisas de opinião relativas às candidatas, aos candidatos e às eleições, incluídos os referentes à identificação de entrevistadoras e entrevistadores e, por meio de escolha livre e aleatória de planilhas individuais, mapas ou equivalentes, confrontar e conferir os dados publicados, preservada a identidade das pessoas entrevistadas. Além desses dados, poderá o interessado ter acesso ao relatório entregue ao solicitante da pesquisa e ao modelo do questionário aplicado, para facilitar a conferência das informações divulgadas.

O Ministério Público, as candidatas e os candidatos, os partidos políticos, as coligações e as federações de partidos também são partes legítimas para impugnar o registro ou a divulgação de pesquisas eleitorais perante o juízo ou tribunal competente, quando não atendidas as exigências contidas na Resolução nº 23.600 e no artigo 33 da Lei nº 9.504/1997.

Todos esses procedimentos e exigências previstos na legislação não vêm sendo suficientes, contudo, para inibir a divulgação de pesquisas eleitorais com indícios de fraudes e manipulações de resultados.

Um mecanismo que vem se tornando comum e que contribui para a divulgação de resultados fraudulentos é a realização de pesquisas bancadas pela própria entidade ou empresa que realiza o levantamento.

Segundo levantamento realizado pelo jornal O Globo, nas eleições de 2020, até o dia 30 de outubro daquele ano, o número de pesquisas registradas nesse molde era 174% maior na comparação com o mesmo período das eleições de 2016 [1].

Ao informarem que realizaram as pesquisas com verbas próprias, as entidades e empresas não precisam prestar contas sobre a origem do dinheiro, o que estimula a prática do caixa dois eleitoral. Além disso, há inúmeros casos de pesquisas realizadas por empresas que não possuem como atividades principais a realização de pesquisas de opinião, o que também levanta suspeitas sobre a higidez dos resultados divulgados. O jornal O Globo, na reportagem supracitada, apontou a existência de levantamentos feitos por empresas que declararam à Receita Federal ter como atividade principal o transporte com uso de vans e a filmagem de casamentos.

Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral alterou os termos da Resolução nº 23.600, por meio da Resolução nº 23.676/2021. A aprovação da dita resolução foi antecedida de audiência pública, realizada em 22/11/2021, na qual foram colhidas sugestões para o seu aperfeiçoamento.

A Abradep participou dessa audiência, tendo apresentado sugestões de inclusão de novos dispositivos à Resolução nº 23.600, a fim de justamente dificultar a divulgação de pesquisas com indícios de fraude.

Dentre as sugestões, a Abradep propôs a inclusão de dispositivo que vedasse a realização de pesquisa eleitoral com recursos da própria empresa ou entidade, ressalvadas aquelas com finalidade jornalística levadas a efeito por empresas integrantes de grupo de comunicação social. Essa inovação consta no PLC 112/2021, que pretende instituir o novo código eleitoral, recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados. A inclusão desse dispositivo na Resolução nº 23.600, com vigência já para as eleições de 2022, representaria importante avanço no combate às pesquisas fraudulentas, enfraquecendo o caixa dois e, consequentemente, a possibilidade de manipulação de resultados.

O Tribunal Superior Eleitoral, contudo, a partir do voto do ministro Edson Fachin, não acolheu a sugestão, ao argumento de "que inexiste na legislação vedação à realização, pelos institutos, de pesquisas com recursos próprios, bem como não há previsão de sanção na lei nº 9.504/1997, aplicável à hipótese específica" [2], afirmando ainda que, em caso de detecção de fraude, tocará aos órgãos apropriados a sua apuração.

Do mesmo modo, a Abradep propôs a inclusão de dispositivo que permitisse somente às entidades ou empresas que tenham registrado na Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) a realização de pesquisa de opinião pública dentre as suas atividades principais o cadastramento no Sistema de Pesquisas da Justiça Eleitoral. O PLC 112/2021 também traz essa inovação, que visa dar maior segurança e fidedignidade às pesquisas eleitorais, inibindo o seu uso para fins de especulação econômica, sem critérios científicos.

Essa sugestão também não foi acolhida pelo Tribunal Superior Eleitoral. Muito embora tenha reconhecido que a existência da declaração do CNAE possa representar forma legítima a garantir que as empresas que realizem pesquisas sejam aquelas que, ao menos em alguma medida, se dediquem ao fenômeno, o voto do ministro Edson Fachin apontou para a necessidade de que um debate verticalizado sobre o tema seja instalado antes da decisão pela alteração.

Como se vê, portanto, ainda serão permitidas nas eleições de 2022 as pesquisas custeadas pelas próprias entidades ou empresas, de modo que o cenário vivido nas eleições de 2020, com a divulgação de inúmeras pesquisas de origem e com dados duvidosos deverá se reproduzir nas eleições de 2022, o que é extremamente temerário, sobretudo quando se constata um ambiente eleitoral já amplamente contaminado pela desinformação.

Certo é que existem mecanismos processuais aptos a enfrentar as pesquisas viciadas, como as representações e até mesmo as investigações judiciais eleitorais, contudo, a prática demonstra que esses mecanismos não possuem a eficiência e celeridade necessários para lidar com a desinformação causada pela divulgação de dados inverídicos e manipulados. Nessas situações, valeria aplicar a máxima do conhecido ditado: é melhor prevenir do que remediar.

 


[i] CAPPETI, Pedro; GUERRA, Rayanderson. Pesquisas eleitorais bancadas por institutos crescem em meio a suspeitas de fraudes. Conheça as histórias. O Globo, Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2020/pesquisas-eleitorais-bancadas-por-institutos-crescem-em-meio-suspeitas-de-fraudes-conheca-as-historias-24719935. Acesso em 5/1/2022.

[ii] TSE. Instrução nº 0600742-06.2019.6.00.0000, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 16/12/2021. DJ de 22/12/2021.

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    é doutorando e mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), advogado, procurador legislativo, professor de Direito Eleitoral do Isecensa e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

  • Brave

    é doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP, com estágio de pós-doutorado pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) e pela PUC-Rio, professora do PPGD da Faculdade de Direito da Uerj, politóloga, advogada e membro fundadora da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

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