Pequenos ajustes

"Reorganizar distribuição da Seção de Direito Privado do TJ-SP é prioridade"

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23 de janeiro de 2022, 9h47

Comandar a maior seção do maior tribunal de Justiça do país é a tarefa que o desembargador Artur César Beretta da Silveira assumiu no biênio 2022-2023. E ele já tem planos para lidar com os principais gargalos do setor.

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A prioridade, afirmou, em entrevista à ConJur, é a reorganização da distribuição de processos na Seção de Direito Privado. Segundo ele, é preciso mudar o sistema de prevenção quando um juiz substituto sai de uma câmara, para que os processos sejam direcionados para o substituto que estiver na câmara, e não para os desembargadores, como ocorre hoje. Também é preciso fazer com que os juízes substitutos voltem a receber mais processos do que os desembargadores, defendeu.

Outro grande desafio é o fato de que os sistemas de inteligência artificial do STJ e do STF não dialogam. Isso prejudica a avaliação de admissibilidade dos recursos extraordinários e especiais. "As ações de massa precisam ser encaradas de forma de massa, não pode mais ser artesanal, não tem como", defende.

Também está no horizonte do novo presidente adotar enunciados e súmulas para evitar conflitos de competência entre as subseções. "Se conseguirmos montar enunciados e propor súmulas, vai agilizar e inibir conflitos de competência entre a própria seção. E também criar enunciados e propor súmulas do próprio Direito Privado como um todo, para orientar os julgamentos, os advogados, as partes, etc", planeja.

Essas alterações, segundo o presidente da seção, não esbarram em questões orçamentárias e não trarão aumento de despesas para o tribunal. "É possível melhorar a distribuição sem que se altere a divisão de competência", afirmou o desembargador, citando que a Seção de Direito Privado responde, atualmente, por 58% do volume total de processos do TJ-SP.

Confira a seguir a íntegra da entrevista:

ConJur – O senhor poderia contar um pouco da sua trajetória na magistratura, e por que decidiu se candidatar à presidência da Seção de Direito Privado?
Beretta da Silveira – Sou juiz há 40 anos. Meu pai era promotor de Justiça e, desde criança, frequentava o fórum. Aquilo me atraiu, e sempre quis ser magistrado. Fui titular de uma banca de concurso, depois fui eleito e reeleito para o Órgão Especial, entre 2016 e 2020. Por coincidência, a próxima presidência da Seção de Direito Privado caberia à Subseção de Direito Privado 1. Fazemos um rodízio entre o Privado 1, 2 e 3, a cada biênio é uma subseção. Dessa vez, era o Direito Privado 1, da qual eu pertenço. Entendi que seria um bom momento para me candidatar à presidência para tentar ajudar o tribunal, ser um facilitador para os desembargadores e desembargadoras do Direito Privado. Na verdade, é para ajudar o jurisdicionado, prestar melhor a jurisdição. Essa é a finalidade, a nossa intenção principal.

Um detalhe é que 58% do movimento processual do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é do Direito Privado. Então, o Direito Privado precisa ser muito bem tratado, muito bem respeitado, porque é importante dentro do Tribunal de Justiça. A minha ideia é ajudar a todos. Quero que a gente tenha paz, caminhando sempre na mesma direção. Deixar de lado disputas e conflitos, porque a ideia é uma só, é melhorar para todos.

ConJur – O senhor já começou a receber demandas dos magistrados?
Beretta da Silveira – Sim, claro. Porque os problemas acontecem. O Direito Privado é maior do que todos os outros Tribunais de Justiça do Brasil. São 190 desembargadores e 45 juízes substitutos em segundo grau. Administrar isso significa administrar um tribunal maior que todos os outros TJs. Há problemas, os magistrados e as magistradas ficam doentes, saem de férias, licenças. E é preciso manter a máquina funcionando. Aí entram os juízes substitutos de segundo grau. O cobertor é curto, puxa de um lado, falta de outro.

ConJur – Que projetos o senhor quer implementar nos próximos dois anos?
Beretta da Silveira – O primeiro passo é tentar profissionalizar ainda mais a administração do Direito Privado, melhorar o aspecto administrativo, implantar um fluxo de trabalho, um organograma, uma divisão de tarefas. Deixar isso estipulado como se fosse um regramento interno. Depois, trabalhar para melhorar a distribuição no Direito Privado. Com alguns ajustes que já temos em mente, é possível melhorar a distribuição sem que se altere a divisão de competência. É possível melhorar sem causar um trauma maior.

ConJur – Que ajustes o senhor já tem em mente?
Beretta da Silveira – Por exemplo, na questão da prevenção. Quando um juiz substituto sai de uma Câmara, os processos que eram dele geram prevenção. Essa prevenção, hoje, é distribuída entre os desembargadores da Câmara. Quero alterar isso e fazer com que a prevenção recaia no substituto que estiver na Câmara, e não entre os desembargadores. Isso já representa um alívio. É pouco, mas já é um passo. E é designação minha, da presidência da Seção. Para fevereiro, já será implantado.

ConJur – Que outras mudanças o senhor pretende fazer com relação à distribuição, para tirar um pouco a sobrecarga do DP1, que é a subseção que mais recebe processos atualmente?
Beretta da Silveira – Pequenos ajustes, sem grandes traumas e que dependem só da presidência da seção. Sem que haja uma mudança de competência, porque as apelações já estão equilibradas entre as subseções 1, 2 e 3. Há sobrecarga no DP1 nos agravos de instrumento por causa da matéria, principalmente direito de família e planos de saúde. Isso gera muito agravo de instrumento e é diário. Minha ideia é colocar, a partir de fevereiro, mais juízes substitutos na distribuição e, preferencialmente, no DP1.

Vamos estudar se é possível que aquele substituto que não integra a Câmara, ou seja, não atua nem como segundo e nem como terceiro juiz, se é viável que ele passe a receber uma distribuição um pouco maior que os desembargadores. Isso ainda está em estudo, mas nas outras seções já é assim. No Criminal, o juiz substituto recebe 1/5 a mais que os desembargadores, e no Direito Público recebe 1/3 a mais. No Direito Privado, era assim antes e deixou de ser. É certo que a distribuição no Direito Privado é muito grande, severa e castiga. Preciso estudar com cautela para ver se é viável esse acréscimo ao juiz substituto.

ConJur – O senhor imagina que haverá algum tipo de resistência interna?
Beretta da Silveira – Creio que não. A presidência da seção tem noção do encargo. Ela não vai fazer nada que não possa ser feito, e não vai fazer nada que sobrecarregue, porque também não adianta jogar uma distribuição no juiz substituto e ele próprio criar um acervo. E depois faz o que com esse acervo? Nós seremos equilibrados, temos muito foco nisso.

ConJur – Essas mudanças esbarraram em questões orçamentárias?
Beretta da Silveira – Não se cria cargo, não se altera despesa. Não se cria Câmaras Extraordinárias. Não há encargo nenhum, é trabalharmos com o que temos. "É fazer o melhor com as condições que temos, enquanto não tivermos condições para fazer melhor ainda", como diz o professor Mário Sérgio Cortella.

ConJur – As alterações são designações da presidência da seção. Mas o senhor chegou a conversar com o presidente Ricardo Anafe? Ele apoia as mudanças?
Beretta da Silveira – Sim, apoia. Inclusive, outro problema é na divisão dos juízes substitutos em segundo grau. As três seções têm necessidade de substitutos. O regimento do tribunal diz que quem faz a divisão entre as seções é o presidente. O Direito Privado, que é o maior em componentes e processos, não tem um número proporcional de juízes substitutos. O presidente anterior da seção (desembargador Dimas Fonseca) fez um requerimento ao Conselho Superior da Magistratura por uma divisão proporcional de substitutos. O presidente Anafe já me sinalizou que irá aplicar a proporcionalidade na divisão dos juízes. Quero crer que teremos um número que o Direito Privado nunca teve antes, o que vai facilitar, evidentemente, o trabalho.

ConJur – Tirando a distribuição e a questão dos juízes substitutos, tem algum outro problema a ser resolvido a curto prazo na seção?
Beretta da Silveira – Sim, tem. Por exemplo, temos os juízos de admissibilidade dos recursos extraordinários e dos recursos especiais. É uma avalanche de processos. O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm dois sistemas de informática, que se chamam Athos e Sócrates, que, na verdade, são inteligência artificial. Há um problema de diálogo entre o nosso sistema e o Athos e o Sócrates, um problema técnico que ainda precisa ser solucionado. Se conseguíssemos trazer isso para o Tribunal de São Paulo, seria um avanço imenso no trabalho de admissibilidade dos recursos aos tribunais superiores. É urgente ir atrás disso. As ações de massa precisam ser encaradas de forma de massa, não pode mais ser artesanal, não tem como.

ConJur – E isso depende de questões orçamentárias?
Beretta da Silveira – Não, creio que não. Depende do presidente para determinar que os entraves técnicos sejam superados. A inteligência artificial no tribunal é urgente. Tenho certeza que o presidente Ricardo Anafe dará apoio, porque também interessa ao tribunal, não é só para o Privado, mas para o Público e o Criminal.

Quero conseguir também, para o Direito Privado, um painel de B.I. (Business Inteligence), que é uma tela com acesso em tempo real, por exemplo, a quantos processos foram distribuídos, qual é a produção do desembargador e do juiz substituto, onde preciso socorrer, onde há um sossego maior. Inteligência de B.I., o nosso próprio setor de informática dá conta. Vou pedir e tenho certeza que o presidente também me apoia nisso, e vai me conseguir um sistema de B.I.

Outra coisa que também vai ajudar muito: o desembargador Walter Piva já tem um trabalho pré-preparado para elaboração de enunciados e propostas de súmulas para evitar conflitos de competência entre as subseções. Se conseguirmos montar enunciados e propor súmulas, vai agilizar e inibir conflitos de competência entre a própria seção. E também criar enunciados e propor súmulas do próprio Direito Privado como um todo, para orientar os julgamentos, os advogados, as partes, etc.

ConJur — Em que temas o senhor sentiu que houve aumento de processos em decorrência da pandemia da Covid-19?
Beretta da Silveira — Aumentou bastante a distribuição, e muito no direito de família. Por quê? É o pai que não pôde pagar a pensão, a questão das visitas, etc. O direito de família é uma área que gera muito atrito, mas é um atrito que dura um determinado momento, porque as famílias têm a tendência de se ajustar. E também aumentou as demandas envolvendo planos de saúde. Outras questões: recuperação judicial, prestação de serviço de empresas que fecharam, atrasos em pagamentos, revisão de contratos. Aí vou falar em defesa do Direito Privado: em tudo o que veio se obteve resposta.

ConJur — O senhor falou, no discurso de posse, sobre necessidade do quinto assessor nos gabinetes. Essa medida é imprescindível?
Beretta da Silveira — Essa é uma medida que seria muito mais barata que a criação de cargos novos de desembargador. Um assistente sai mais barato para o tribunal e tem muito mais eficiência na elaboração de minutas e etc. Para se ter uma ideia, o Direito Privado é maior que todos os outros TJs do Brasil e os gabinetes dos desembargadores, dos outros Tribunais de Justiça, são muito mais aparelhados que os nossos. Ou seja: São Paulo é o maior em demandas e o menor em estrutura. A medida também ajudaria a reduzir o acervo dos desembargadores do Direito Privado. O quinto assistente até demorou e, na verdade, precisaríamos do sexto e do sétimo. Mas o quinto já ajudaria muito.

ConJur — É uma das promessas de campanha do presidente Ricardo Anafe. O senhor acredita que o Conselho Superior da Magistratura está alinhado nessa questão?
Beretta da Silveira — Está alinhado, sim. Todos os candidatos falaram nisso porque é uma necessidade, não uma aventura: "Ah, quero ter mais um assistente". É urgente ter mais um assistente e tenho a impressão de que o presidente do tribunal deve encaminhar um projeto de lei. Mas isso depende de lei, de aprovação, tem todo um trâmite. Isso ainda leva um tempo.

ConJur – Como o senhor vê a questão do teletrabalho e das audiências virtuais? A gestão anterior regulamentou o teletrabalho no tribunal, o senhor é a favor dessa resolução?
Beretta da Silveira – Sou totalmente a favor, isso veio para ficar. Vamos supor que amanhã termine a pandemia, todo mundo está apto ao trabalho presencial, mas, mesmo assim, o teletrabalho vai continuar. Deve continuar, porque representa um ganho de produtividade e de economia para o erário.

ConJur – Os desembargadores do Direito Privado também estão satisfeitos com o modelo?
Beretta da Silveira – Houve ganho de produtividade. Todos conseguiram se adaptar ao telepresencial. Claro que, no início, um ou outro se atrapalha, uma resistência aqui ou acolá. Mas, de modo geral, todos se adaptaram e venceram as dificuldades. Hoje, o tribunal caminha com muita tranquilidade nisso.

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