Opinião

Reflexões sobre a cobrança judicial menos gravosa do devedor

Autor

  • Marcelo Dias Freitas Oliveira

    é advogado empresarial parecerista pós-graduado em Advocacia Cível especialista em Políticas Públicas e Controle Externo e em Direito Tributário e sócio do escritório Batalha & Oliveira.

21 de janeiro de 2022, 16h14

A solvência financeira é relativamente fugaz, ainda mais nos dias atuais, com a fragilidade econômica mundial causada pela pandemia da Covid-19, e já causa transtornos e insegurança para a população e o empresariado.

Muitas pessoas que sequer foram devedoras anteriormente hoje passam por dificuldades e se veem demandadas no Judiciário. Tenha-se em mente que o Judiciário é a última parada do devedor, visto que o credor já deve, em tese, ter intentado diversas formas de composição amigável.

Mesmo em meio às diversas alternativas da atualidade, como a nova Lei do Superendividamento do consumidor (a qual tivemos a oportunidade de comentar [1]), é possível perceber que o devedor pode se encontrar em situação de passividade em demanda judicial, que objetivará o pagamento da dívida, inclusive, com vários tipos de penhoras e restrições de patrimônio e crédito.

Instado pela via judicial, esse devedor, pessoa física ou jurídica, mesmo dentro do processo ou fase processual, busca outras alternativas para não ver seu patrimônio dissolver, sendo que essas opções e até mesmo a "execução" (incluindo-se a fase de cumprimento da sentença) norteiam-se por um importante princípio garantidor, que antagoniza com o princípio da execução em prol do credor, sendo aquele o princípio da execução menos gravosa.

Incurso no artigo 805 do Código de Processo Civil, o dispositivo permite ao juiz-Estado aplicar a medida expropriatória menos gravosa ao executado, ora devedor, sempre que não houver má-fé e seja possível a substituição, sempre observada a viabilidade da via menos gravosa.

Ou seja, protege-se o crédito daquele que venceu demanda judicial ou tinha título suficiente para ajuizar a demanda, e, simultaneamente, protege-se o devedor de forma parcimoniosa e equânime, estabilizando os anseios de cada uma das partes, sem irromper totalmente com o direito de uma ou de outra.

Isso faz proteger, igualmente, aqueles que dependem do devedor, tais como dependentes econômicos, empregados e até mesmo o pagamento de tributos.

Nesta altura, não faremos incursão na recuperação judicial e na falência, que também detêm tais princípios, aliadas à continuidade da empresa, pelo fato de que a maioria das que se encontram em tal situação, na prática, não têm acesso aos institutos, ou, mesmo pelo volume, não faria sentido intentar as medidas. Lembra-se que a realidade brasileira é de maioria de pequenos negócios e empresários individuais ou aproximados.

Após o corte pseudometodológico, podemos citar um dos maiores avanços do código vigente desde 2015, o "parcelamento legal".

Diz-se isso pois o parcelamento, na realidade brasileira, quando havia certa solvência do devedor, era completamente rechaçadas pelos credores, que observavam uma "vantagem" em continuar com atos expropriatórios para tentar receber na totalidade. Contudo, essa percepção, além de equivocada, não prestigia a menor gravidade da medida.

De outro turno, o parcelamento, nos termos do artigo 916 do Código de Processo Civil, além de efetivamente incluir no texto da lei um real anseio da sociedade brasileira, determinou, por meio de equidade, que houvesse incidência de juros e correção monetária, fazendo surgir mais justiça a todos os envolvidos.

Se lê do artigo que "no prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês".

Entretanto, principalmente na experiência dentro da Justiça Trabalhista, percebe-se que o Judiciário vem negando vigência ao parcelamento legal, e impondo que o devedor pague de uma só vez, sob pena de se expropriar os bens do mesmo.

Importante mencionar que o Tribunal Superior do Trabalho deu plena aplicabilidade ao parcelamento do crédito por ocasião da Instrução Normativa 39 de 2016, quando examinou quais dispositivos da então novel legislação processual civil seriam utilizados em conjunto ou subsidiariamente à Consolidação das Leis do Trabalho [2] (artigo 3º, XXI).

Sem a devida razoabilidade, os juízos especializados têm determinado a continuação da execução trabalhista sem parcelamento pelo mero descontentamento do credor, ou seja, pela simples negativa do credor nega-se aplicação de legislação vigente e ratificada pelo TST.

Isso pode levar, apesar de talvez dar totalidade do crédito ao seu titular, a inúmeras complicações ao devedor, principalmente quanto aos salários e demais encargos daqueles que ainda trabalham na empresa devedora.

Ora, não se nega o direito ao recebimento, contudo, roga-se pela proteção e continuidade da atividade empresarial, que em diversas ocasiões continua empregando diversas pessoas, pagando tributos e mantendo paz social por meio de fomento da economia local.

Por vezes, ao evitar a retirada total do crédito da esfera econômica da devedora, principalmente quando se trata de empresa em funcionamento pleno, pode-se criar um efeito em cadeia, que certamente atingirá os demais empregados e sua condição de vida e emprego, sendo certo que é possível que diminua, ainda mais, a oferta de vagas formais, vez que a entidade que as oferta não terá condições de bancar os novos trabalhadores.

Em suma, seja pelo pleito da aplicabilidade cogente e indubitável vigência do artigo 916 do CPC, vulgo parcelamento legal, seja pelas consequências práticas e à segurança jurídica e pacificação social, notamos que é salutar a observância de uma "execução menos gravosa", pois o conflito dos interesses das partes se resolve paralelamente à continuidade empresarial, fomento de emprego e economia, estabilidade familiar e de dependentes, e de proteção de um mínimo existencial do ser humano.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!