Opinião

Advogados criminalistas não defendem o crime

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20 de janeiro de 2022, 6h33

Sob o título "Os 3 Ruys e a advocacia: cordialidade, ética e dever" [1], publicado na ConJur em outubro de 2019, o eminente advogado e professor José Rogério Cruz e Tucci nos presenteou a todos com seu texto enriquecedor e encorajador, um passeio elegante sobre algumas delícias e agruras de ser defensor a partir das visões e manifestações auspiciosas de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Ruy de Azevedo Sodré e Ruy Barbosa acerca da cordialidade, da ética e do dever como vetores, orientadores da atividade da advocacia. E é exatamente a partir deste último e ilustríssimo advogado e jurista brasileiro que se traz fragmento de texto de sua obra "O Dever do Advogado" para nosso interesse; ei-lo:

"Todos se acham sob a proteção das leis, que, para os acusados, assenta na faculdade absoluta de combaterem a acusação, articularem a defesa e exigirem a fidelidade à ordem processual. Esta incumbência, a tradição jurídica das mais antigas civilizações a reservou sempre ao ministério do advogado. A este, pois, releva honrá-lo, não só arrebatando à perseguição os inocentes, mas reivindicando, no julgamento dos criminosos, a lealdade às garantias legais, a equidade, a imparcialidade, a humanidade".

Advogados criminalistas não defendem o crime; e, antes de defender as pessoas, defendem os seus direitos a um julgamento justo, defendem as leis, a Constituição, a democracia!

Entretanto, há alguns que enxergam a advocacia criminal como a defesa de bandidos, visão míope tão afeta ao leigo que costuma se orientar pela própria noção de justiça e do justo e a qual se esculpe a partir de um juízo de certo e de errado contido em cada indivíduo  fruto das várias experiências vividas e do ter ouvido falar, na mais das vezes e entre outros motivos  e encerrado, assim, na moldura da vingança, da sede de um fazer justiça que é até capaz de cegar quando implode os sentidos e a própria razão. E, sob tal ótica do leigo, do ignorante, do desconhecedor das leis, os tais bandidos não merecem defesa, é evidente que não!

Contudo e sempre que possível, é tarefa do advogado criminalista agir com paciência e buscar trazer luz ao assunto, operar como farol esclarecedor de mentes porventura assombradas pelo fantasma da ignorância. E mesmo da intolerância.

Em que pese a mencionada lealdade às garantias legais destacada por Ruy Barbosa como essencial respeito à dignidade do acusado — culpado ou não e independendo da natureza do delito —, faz-se mister serem avaliadas como fugidias ao crivo da razão as manifestações recentemente publicadas, maculadas de deselegância, de descortesia, e que dão conta do ataque direcionado aos advogados criminalistas e suas prerrogativas promovido por um profundo conhecedor das leis, o senhor Sérgio Moro, cuja biografia recente não carece aqui esmiuçar.

No formato que ora elege para sustentar sua pretensão de ascender ao poder e sob o mote de caçador de corruptos, o ex-juiz, ex-ministro e agora advogado  ora postulante a candidato a presidente da República nas eleições de 2022  sugere ter encontrado o inimigo que mais se adequa a essa construção, pois que, embora sabedor das prerrogativas e dos deveres da advocacia, do advogado como defensor incansável da democracia, parece que opta por ignorar, por consciência e convenientemente, os ensinamentos do velho mestre e  fazendo-se ao largo da ética  aproveita os refletores a si direcionados para atiçar as brasas dos justiceiros de ocasião ao chamar pejorativamente de advogados de corruptos os agora seus colegas de ofício, uma fala endereçada especialmente aos ouvidos leigos que se orientam pelo senso comum do que vem a ser justo.

Quando, de outra sorte, se nega ao debate e declina tacitamente ao convite daqueles a quem detrata, quando se decide pela comodidade da indiferença, pelo conforto da aparente fuga, talvez revele em seu comportamento a inadequação, a incompatibilidade, a incongruência entre a altivez moral que proclama possuir e a dimensão tíbia de sua reação esquiva quando se viu instado a participar pessoalmente da discussão, a se colocar à disposição da saudável controvérsia apta a fomentar a formação da opinião dos cidadãos a partir desse confronto direto de ideias e cujo resultado  quando se é respeitado pelas partes  costuma produzir avanço, crescimento.

Todavia, caso venha a surgir o desejo de capitular, de rever escolhas, não restariam dúvidas de que o referido gesto demonstraria cabalmente grandeza moral ao se desculpar com essa mesma classe de advogados criminalistas, algo que denotaria não fraqueza, mas, antes e acima de tudo, a nobreza de caráter e a sabedoria que traduziriam virtudes próprias dos grandes homens, dos homens de bem.

Mas ainda que perdure a inércia, esse hiato, essa aparente indefinição, se calhar fosse o caso se visitasse a página inicialmente mencionada. Ter contato com o texto do digníssimo professor e doutor José Rogério Cruz e Tucci e se encantar com a sua lucidez, uma visão essencialmente democrática sobre o que é ser advogado, sobre cordialidade e ética  não se esquecendo de dar especial atenção ao velho mestre Ruy Barbosa e ser cooptado por suas lições que permanecem atuais e surpreendentes, a despeito do século que nos separa da origem daquele pensamento, sobre o dever profissional do advogado —, é por todo o conjunto o tipo de leitura que enobrece, que deveria funcionar como espécie de exercício de aprimoramento continuado para todos nós, advogados ou não.

 


[1] https://www.conjur.com.br/2019-out-22/paradoxo-corte-ruys-advocacia-cordialidade-etica-dever

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