Opinião

O que o comercial da Alice nos ensina sobre sharenting?

Autor

  • Carolini Cigolini Lando

    é advogada de Direito das Famílias e Sucessões e Direito Homoafetivo associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) e membro da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP.

17 de janeiro de 2022, 6h34

No final do ano passado o país todo conheceu Alice, uma criança de dois anos com a linguagem que lhe é característica e que contracenou com Fernanda Montenegro em um comercial do Banco Itaú. Nele, Alice pedia "espelança".

Esperança de ser revelada na internet e colher apenas os bons frutos, logo ali, na internet, uma terra sem limites, gigante, que em segundos toma proporções estratosféricas.

Não demorou muito para que Morgana, a mãe de Alice, pedisse em suas redes sociais que a imagem da filha não fosse associada a fins religiosos e políticos, uma vez que não havia autorizado o uso da imagem para tais fins.

Não é de hoje que a divulgação (muitas vezes descontrolada) dos filhos gera inúmeros debates no mundo jurídico, nas mais diversas áreas, e é por isso que devemos falar sobre sharenting, que em uma tradução literal do inglês para português significa a junção das palavras share (compartilhar) e parenting (parentalidade).

Em resumo, trata-se da atitude representada pelo uso excessivo das redes sociais pelos pais para compartilhar conteúdo relacionado aos seus filhos. Em uma era de Instagram, de publicações a um clique, quais os limites que devem ser impostos aos pais sobre a exposição exagerada de seus filhos menores na internet?

A era "instagramável" proporcionou aproximação entre pessoas do mundo todo e, ao mesmo tempo, a propagação de muitas informações a respeito da imagem e privacidade e que muitas vezes são associadas a outros fins, distorcidas e utilizadas para fins criminosos muitas vezes.

Mas até que ponto os pais, detentores do poder familiar, podem divulgar dados personalíssimos de seus filhos nas redes sociais de forma descontrolada, sendo certo que estamos aqui a tratar da divulgação de dados tão íntimos e tão individuais de pessoa incapaz de se expressar? Sharenting

O caso da Alice não é único. O que dizer dos incontáveis youtubers menores de idade (comportamento validado pela maioria dos pais) com milhares de inscritos em seus canais e que hipnotizam outras milhares de crianças na internet, e de quebra auferem uma renda muito significativa?

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura à criança e ao adolescente em seu artigo 3º o gozo de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, senão vejamos:

"Artigo 3º  A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade".

Não fosse somente isso, a Constituição Federal também garante que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Sobre o direito inviolável à intimidade em especial, vale dizer se tratar de um direito de personalidade que nos é intrínseco, ou seja, que faz parte de nossa essência. Sendo, então, um direito inviolável, estariam os pais extrapolando os limites do direito constitucional? Ou estariam fazendo uso da tão falada liberdade de expressão, também garantida pela Constituição Federal?

Qual a consequência futura de uma infância amplamente divulgada e reconhecida? É um questionamento que intriga bastante.

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