Opinião

Ataques ao Supremo: tolerância e contenção

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  • Luiz Gustavo da Silva

    é pós-graduando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo mestre em Direito Justiça e Desenvolvimento pelo IDP-SP especialista em Direito Constitucional e extensão em Direito Tributário pela PUC-SP advogado e diretor de empresa privada.

16 de janeiro de 2022, 12h11

A revista ConJur acaba de publicar: "Novos ataques de Bolsonaro ao Supremo merecem resposta dura". A pergunta que se coloca é: quem, tal como Ulisses, que enfrentou o cíclope Polifemo, dará essa resposta? Para tal desiderato, parece-nos curial lembrarmos das regras não escritas da democracia.

No livro "Como as democracias morrem", de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, temos um importante estudo teórico e empírico desenvolvido pelos pesquisadores, analisando a realidade estadunidense. Apesar de ser no âmbito da democracia americana, temos que as conclusões gerais podem ser aplicadas a qualquer democracia no mundo, e, portanto, inclusive ao Brasil.

Com efeito, temos que a tolerância e a contenção, o self restraint, o diálogo institucional e o respeito, longe de serem categorias de convivência ou de mera etiqueta, possuem, em si, um conteúdo jurídico-político importantíssimo: o de salvaguarda da democracia. A ausência desses elementos, notadamente no âmbito da liderança política e judicial de um país, colabora para o rompimento do tecido social, colocando, por consequência, a democracia em risco. É cirúrgica a advertência dos autores: "Normas de tolerância e comedimento serviam como grades flexíveis de proteção da democracia norte-americana, ajudando a evitar o tipo de luta sectária mortal que destruiu democracias em outras partes do mundo". Flexíveis, mas ainda grades.

Em geral, tolerância e contenção não aparecem expressamente como requisitos formais de uma democracia, mas é razoável extrair tais preceitos da cláusula geral de igualdade entre os cidadãos. É a condição de igualdade que viabiliza a existência da tolerância e da contenção. Mas o que é tolerância? Na perspectiva filosófica, em seu "Dicionário de Filosofia", Voltaire traz interessante excerto: "O que é a tolerância? É o apanágio da humanidade. Somos todos cheios de fraquezas e de erros; perdoemo-nos reciprocamente as nossas tolices, tal é a primeira lei da natureza". Tolerar é saber que o outro somos nós. Nos ensinamentos de Martin Buber, a relação eu-tu, na vida com os homens, constitui uma relação recíproca onde meu tu atua sobre mim, assim como eu atuo sobre ele.

Desse modo, a tolerância é norma estruturante de uma democracia, possibilitando a compreensão do outro como outro. O adágio máximo da tolerância na democracia se dá na consciência de que às vezes se ganha e às vezes se perde. Ainda que em uma pesquisa eleitoral. Discursos infundados de não reconhecimento da legitimidade de um pleito ou vitória só servem à incrementação da falta de tolerância.

Dito que a democracia tem como normas estruturais não escritas a tolerância e a contenção, normas estas extraídas do elemento geral de igualdade, como se daria, de forma pragmática, a relação dessas normas no âmbito da separação de poderes? Com maestria, esclarecem Steven Levitsky e Daniel Ziblatt: "Por um lado, o Congresso e os tribunais precisam supervisionar e, quando necessário, frear o poder do presidente. Eles têm que ser cães de guarda da democracia. Por outro lado, o Congresso e os tribunais devem permitir que o governo opere. É aí que a reserva entra em cena". Com efeito, é possível extrair que a harmonia entre os poderes se circunscreve à supervisão exercida pelo Legislativo e pelo Judiciário em face do Executivo, permitindo, dessa forma, o funcionamento do governo. A harmonia, portanto, nesse caso, dá-se pela supervisão e a contenção.

Tal supervisão e contenção, paradoxalmente, só será possível se as instituições incumbidas forem fortes o suficiente. Quem não tem consciência e propriedade de sua potência torna-se impotente ou prepotente. O Legislativo e o Judiciário não incorrerão nesse mal quando lançarem mão de sua potência constitucional.

A mitologia nos lembra que Polifemo prometeu assassinar e comer Ulisses por último. Para se salvar, o idealizador do cavalo de Troia primeiro deu de beber ao gigante e, após embriagá-lo, utilizou sua lança. Alguém precisa dar de beber àquele que ameaça a democracia brasileira. Do contrário, um a um seremos arremessados na parede.

 

Referências bibliográficas
https://www.conjur.com.br/2022-jan-13/ataques-bolsonaro-stf-merecem-resposta-dura-dizem-advogados

BUBER, Martin. Eu e Tu. Von Zuben, 10ª ed. São Paulo, Centauro, 2001

DAHL, Robert — Sobre a democracia, 1ª edição, UnB, 2001.

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel — Como as democracias morrem. Editora Zahar, 2018

VOLTAIRE — Dicionário Filosófico, editora Escala, 2008.

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