Efeitos do coronavírus

EUA discutem preocupações éticas com o sucesso das videoconferências

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15 de janeiro de 2022, 7h49

A pandemia de coronavírus foi um mal que veio para o bem (comercial) das empresas que produzem plataformas de videoconferência, como o Zoom, o Cisco WebEx e o Microsoft Teams — especialmente para a Zoom Video Communications.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência BrasilQuestões de segurança e confidencialidade devem ser levadas em consideração no uso de plataformas digitais

O número de usuários diários do Zoom saltou de 10 milhões, em 2019, para 200 milhões, em 2020 — logo depois do início da pandemia. As ações da empresa subiram de US$ 70 em janeiro de 2020 para US$ 200 em junho.

O Zoom se tornou a plataforma de videoconferência mais popular nos EUA e, particularmente, entre os operadores do Direito. Para os advogados, se tornou uma ferramenta indispensável, desde que começaram a trabalhar de casa — ou de qualquer outro lugar.

E assim se mantém, porque não querem voltar para o escritório — trabalhar de casa está bom. E porque querem continuar se comunicando com clientes, com os colegas e com o chefe por videoconferência — de onde for.

Mas há questões de ética que precisam ser mais discutidas e impregnadas nessa nova cultura de trabalho remoto via ferramentas tecnológicas tão boas que o santo desconfia. São preocupações que os advogados conhecem bem: segurança dos documentos do escritório e do cliente, preservação da confidencialidade das comunicações entre advogado e cliente, entre colegas e outras. E porque hackers existem.

A jornalista americana Ellen Rosen entrevistou especialistas em ética, advogados e consultores e escreveu uma reportagem para o Jornal da ABA (American Bar Association), descrevendo alguns problemas e trazendo recomendações.

Desde logo, ela traz uma ressalva que ouviu da banca Freshfields Bruckhaus Deringer: Não há problemas inerentes ao Zoom ou outras plataformas. O problema é simplesmente que esses produtos passaram a ser usados em uma escala sem precedentes, em novos contextos, antes que os escritórios estivessem preparados para eles.

Na verdade, a preocupação se aplica a qualquer comunicação por meio digital. Os advogados que trabalham em casa dependem de segurança da Internet que não se compara às proteções embutidas em telecomunicações profissionais disponíveis no escritório.

E vai além disso: o advogado pode conviver com familiares e outras pessoas que não têm noção da importância da confidencialidade das conversações e dos documentos do escritório, seja em forma digital ou analógica. Ou, simplesmente, não se importam.

"É mais fácil cumprir as regras de ética no escritório do que em casa", disse à jornalista o especialista Anthony Davis.

O trabalho por videoconferência levanta preocupações específicas para os advogados, como as da confidencialidade, de privacidade, segurança, competência técnica e supervisão apropriada, disse a advogada Devika Kewalramani, sócia da banca Moses & Singer em Nova York.

Ela explicou que o Código de Ética não traz qualquer regra específica para o uso de videoconferência por advogados. Mas há regras que se aplicam, de qualquer forma, como: 1) o dever de prestar representação competente (e isso inclui saber usar a tecnologia); o dever de manter as informações do cliente confidenciais; o dever dos sócios e do sócio administrativo de garantir que os advogados cumpram as regras de responsabilidade profissional.

Há outros cuidados, acrescentou Anthony Davis: "É melhor usar um serviço que o escritório considera seguro. Todos que entram na videoconferência devem ter uma senha segura. É preciso lembrar aos participantes que a conversação é confidencial. Gravações da videoconferência são proibidas; exibição de documentos também. Para compartilhar documentos, deve-se usar métodos mais seguros, como e-mail criptografado."

Gravações são especialmente problemáticas. São fáceis de fazer, como é fácil obter cópias delas, o que pode resultar em quebra da confidencialidade advogado-cliente. E quando advogados de outra parte participam de uma videoconferência, a gravação pode resultar em queixas éticas, se autorização deles não for previamente obtida.

O advogado Behnam Dayanim, sócio da banca Paul Hastings, em Washington D.C., fez outras considerações: o coordenador da videoconferência deve saber quem são os participantes; algumas plataformas permitem que ele "tranque a porta da sala virtual", depois de iniciada a reunião; se não for o caso, ele deve prestar atenção em que entra na sala para bloquear abelhudos; e pode pedir para cada participante se identificar.

Agora aposentada, a ex-juíza Gail Andler se dedica à arbitragem e à mediação, em uma firma especializada em resolução alternativa de disputas — feliz da vida com a adoção generalizada da videoconferência. Mas adverte: "É preciso fazer um acordo, por escrito, que especifique a plataforma que será usada remotamente e que contenha as regras básicas da videoconferência."

As regras devem prescrever, por exemplo, que ninguém mais estará no mesmo ambiente em que uma testemunha irá depor e que o advogado não deve se comunicar com ela durante o depoimento. "Se houver uma suspeita considerável, deve-se pedir à testemunha para mostrar todo ambiente em que está, com seu laptop ou celular."

No entanto, advogado e testemunha devem ter dispositivos extras para se comunicarem durante intervalos da videoconferência. "O advogado não pode se preocupar apenas com os fatos e as leis que envolvem a disputa, mas deve estar 'ligado' no que a testemunha está experimentando e sentindo, o que é especialmente difícil em trabalho remoto", disse a advogada Dixie Johnson, sócia da King & Spalding, de Washington.

Há quase um consenso de que, apesar de a videoconferência ser conveniente para muitos procedimentos judiciais, ela se torna uma questão mais complexa quando se trata do tribunal do júri — especialmente para julgamentos de processos criminais. Acredita-se que a defesa seja especialmente prejudicada.

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