Opinião

Resolução regulamenta direitos minerários como garantia em operações financeiras

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14 de janeiro de 2022, 21h17

A Agência Nacional de Mineração (ANM) publicou, em 24/12/2021, no Diário Oficial da União a Resolução ANM nº 90/2021, que disciplina as hipóteses de oneração e oferecimento de direitos minerários como garantia em operações de captação de recursos para o financiamento da atividade de mineração, bem como os requisitos e as condições para que ocorra a transferência da titularidade de tais direitos (acesse inteiro teor aqui).

A resolução regulamenta os artigos 43 e 44 do Decreto nº 9.406/2018 (Regulamento do Código de Mineração), que, em suma, estabelecem que a concessão de lavra poderá ser oferecida em garantia para fins de financiamento e que a ANM estabelecerá em norma específica as hipóteses de oneração, os requisitos e procedimentos aplicáveis. A norma era aguardada com muita ansiedade pelo setor mineral há anos, pois o tema sempre gerou muitos questionamentos e inseguranças, que atrapalhavam o financiamento de projetos no setor.

No seu artigo 1º, a resolução limitou os direitos minerários passíveis de serem onerados, restringindo-os à concessão de lavra e ao manifesto de mina, deixando de fora o alvará de pesquisa mineral (em observância ao Parecer da Advocacia-Geral da União nº JT-05, de 29 de julho de 2009), o registro de licença e a permissão de lavra garimpeira, que em tese poderiam ser objeto de garantia. Optou o regulador por fazer a mesma limitação feita aos direitos minerários que podem ser objeto de arrendamento (artigo 130 da Portaria nº 155/2016 do antigo DNPM).

A concessão de lavra é o título autorizativo final que concede ao minerador o direito de extração e aproveitamento do bem mineral sob o regime de autorização e de concessão, após o cumprimento satisfatório de todas as etapas prévias do processo mineral. Já o manifesto de mina é o título de propriedade de jazida que tenha sido reconhecido na forma do artigo 5º, §2º, do Código de Minas de 1934.

O artigo 1º da resolução restringe a aplicação dos procedimentos previstos na norma às "hipóteses de oneração e oferecimento de direitos minerários como garantia em operações de captação de recursos para o financiamento da mineração", definindo "operação de financiamento" como a "operação de captação de recursos, sob qualquer modalidade jurídica para o financiamento de empreendimentos minerários, sua instalação, expansão ou regularização, inclusive operações de crédito no âmbito do sistema financeiro nacional e das demais operações estruturadas de financiamento de projetos".

Embora possa parecer óbvio que a oneração dos direitos minerários tenha por finalidade a garantia de financiamentos de "empreendimentos minerários", não são incomuns os casos em que os direitos minerários são utilizados para garantir projetos e operações de outra natureza, caso o seu titular realize outras atividades ou faça parte de um grupo econômico que realize outras atividades. Também ficou fora do âmbito de aplicação da norma a hipótese de se onerar um direito minerário para garantir alguma obrigação de natureza contratual não diretamente relacionada à captação de recursos ou qualquer modalidade de financiamento. Não deveria haver, no nosso entendimento, nenhuma restrição à aplicação dos mecanismos disciplinados na resolução caso a garantia sobre os direitos minerários se destinasse a outras finalidades não incluídas na definição de "operação de financiamento" transcrita acima.

Enquanto a garantia sobre o manifesto de mina deverá ser feita por instrumento público, a concessão de lavra poderá ser feita por instrumento particular, cuja averbação na ANM ocorrerá na forma eletrônica (artigos 3º e 4º).

Importante destacar que a resolução nada dispõe sobre a forma da garantia que deverá ser constituída sobre os direitos minerários, deixando essa opção livre aos agentes de mercado, que podem optar por celebrar um contrato de penhor, alienação fiduciária ou outra forma de contratação, dependendo da natureza e das peculiaridades da operação garantida no caso concreto. Nessa linha, embora a resolução estabeleça que a garantia será constituída mediante averbação do respectivo contrato na ANM, as partes deverão atentar ao cumprimento dos requisitos de constituição aplicáveis à forma da garantia contratada. Assim, caso se convencione, por exemplo, a contratação da garantia sob a forma de penhor, deverá ser observado o cumprimento das obrigações previstas nos artigos 1.424 e seguintes e 1.451 e seguintes do Código Civil Brasileiro, inclusive o registro do contrato de penhor no Registro de Títulos e Documentos, a despeito da publicidade que já será conferida com a averbação da garantia no âmbito da ANM.

Embora não tenha sido tratada a forma da garantia a ser constituída sobre os direitos minerários, o §1º do artigo 4º da resolução importa do artigo 1.424 do Código Civil Brasileiro o rol de cláusulas obrigatórias aplicáveis aos contratos de penhor, anticrese e hipoteca, acrescentando a ele o inciso "v", que dispõe sobre a necessidade de indicação da finalidade da "operação de financiamento". Sobre esse inciso "v", reitera-se o comentário acima, no sentido de que a resolução não deveria ter aplicação restrita a "operação de financiamento", conforme definição nela contida.

O §2º do artigo 4º, por sua vez, estabelece que o instrumento contratual de constituição de gravame é sigiloso, o que nos parece de pouca eficácia prática, na medida em que a legislação civil em regra exige a publicidade do ato constitutivo, como previsto no artigo 1.452 do Código Civil Brasileiro, em caso de contrato de penhor.

O artigo 5º traz alguns mecanismos de proteção ao credor da garantia, que terão efeito no período entre a constituição do gravame e a sua baixa. Merece destaque o inciso VI, que traz a possibilidade de realização, pela instituição financiadora, em caráter excepcional, "de atos processuais que visem a evitar o perecimento do direito minerário dado em garantia", cujo escopo de aplicação deverá ser moldado com o tempo, mediante posicionamentos administrativos e eventuais decisões judiciais sobre o tema.

A transferência da titularidade do direito minerário, permitida apenas a empresas com sede e administração no país, ocorrerá nas hipóteses de execução judicial ou venda amigável, sendo a anuência prévia e a averbação na ANM itens obrigatórios (artigo 6º).

O novo titular dos direitos minerários recebidos assume a posição jurídica do titular anterior, respondendo por eventuais débitos relativos ao período anterior à averbação, "mantendo-se o titular antecedente como responsável subsidiário ou solidário, conforme o caso, pelos mesmos débitos" (§3º do artigo 6º). Não se aplicam, portanto, as regras da aquisição originária de propriedade ou de direcionamento obrigatório de parte do preço do bem arrematado para pagamento de débitos anteriores, existentes na arrematação de determinados bens em hasta pública.

Merece também destaque o artigo 8º da resolução, que estabelece que a instituição financiadora terá acesso, mediante prévia solicitação, a informações financeiras e operacionais relacionadas aos direitos minerários recebidos em garantia. Embora normalmente tal obrigação do devedor já conste no contrato que constitui a garantia, o dispositivo confere ao credor o direito de receber informações diretamente da ANM, que pode ser útil para o monitoramento da qualidade da garantia recebida.

Em síntese, embora haja espaço para melhorias, o que é natural pela importância e alcance do tema, e em que pese a limitação à concessão de lavra e ao manifesto de mina como únicos títulos passíveis de oneração de direitos minerários, a resolução é extremamente bem-vinda e certamente trará benefícios ao setor mineral.

A resolução entrará em vigor em 2 de março e será objeto de avaliação de resultado regulatório (ARR, conforme mecanismo recém-criado pela Lei nº 13.874/2019  Lei da Liberdade Econômica) no prazo de três anos.

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