Licitações e Contratos

O princípio da motivação na nova Lei de Licitações

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

14 de janeiro de 2022, 8h00

A Lei nº 14.133/2021 adveio com o princípio da motivação incorporado ao seu artigo 5º, uma diferença relevante em comparação com o artigo 3º da Lei nº 8.666/93.

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Mas há muito a fazer, uma vez que milhares de pregões pelo Brasil continuam repletos de atos não motivados, quando motivo é requisito de todo ato administrativo, sob pena de nulidade, consistindo de uma situação de fato e de uma norma de direito que o fundamenta.

Assim, não bastará a novidade legislativa para mudar uma realidade de descompasso histórico e hodierno das licitações, de tantos atos não motivados, em razão da cultura de animosidade e discriminação em relação a licitantes, além de arrogância, em certos casos.

Por exemplo, um licitante formula questionamento sobre a razão de determinado item do edital, mas a autoridade responde de modo genérico com a frase: "Favor verificar o item…. do edital". Reiterar texto de edital não é motivar o ato. O correto é afirmar algo no seguinte sentido: "A exigência do item W consta do edital pois a norma X estabelece a obrigação da certificação Y para a comercialização do produto Z".

Também, inúmeras respostas a questionamentos de licitantes sobre estar ou não correto um determinado entendimento sobre item de edital vem com lacônico NÃO. Isso não é motivar o ato, isso é nulidade.

Em exemplo mais específico, também se pode comentar o caso de resposta dissimulada, com a motivação diversa, tornando nulo o ato, quando um licitante pergunta detalhes necessários para os custos e a formação de preço de serviço de transporte com atendimento dentro e fora de limite municipal (o que altera a parte tributária), mas a autoridade responde que isso não é necessário informar, pois a demanda será resolvida depois, vez que registro de preços não obriga contratação. Ora, se o licitante estava perguntando sobre elementos para formular sua proposta, não é cabível resposta de algo totalmente diferente, de outro ponto de lei ou regulamento e que nada tem de relação fática e nem legal com o que foi perguntado.

Situação similar ocorre quando empresa de eventos é demandada para a realização de vários congressos e seminários, por registro de preços, com estimadas quantidades de brigadistas, recepcionistas e outros profissionais e itens de estrutura variável, exatamente para se dimensionar cada porte diferenciado de evento, maior ou menor, mas a auditoria interna do órgão inicia processo de penalidade contra a empresa alegando que quantitativos não podem ser alterados porque um acórdão do TCU sobre contrato da área de tecnologia da informação, de compra de equipamentos, não condizente com quantitativos estimados ou referenciais, estabelece que qualquer variação de item não pode passar de 25%. Essa é uma comparação indevida de casos concretamente desiguais, então, a motivação não está congruente, como deveria ser.

Também, uma agência de viagens interpõe recurso em face de resultado de pregão com proposta eivada de inexequibilidade, mas a autoridade cita acórdão sobre cartões de alimentação para tentar forçar determinado entendimento sobre matéria diversa, como se o objeto de agenciamento e viagens, que possui regramento legal e tributário distinto, pudesse ser comparado com cartões de alimentação.

Motivações equivocadas, dessa forma, são dissimuladas e, portanto, deixam o ato nulo, de modo insanável, por ser caso de nulidade absoluta.

O mesmo ocorre nos julgamentos de recursos em que a autoridade que praticou o ato e a autoridade superior se omitem em citar fatos, provas, normas legais especificadas do texto recursal, que pelo dever de motivação e pelo direito e petição precisariam ter sido consideradas, mas não o foram, ou seja, também causando nulidade.

Também em situação de contratação de produtos médico-hospitalares, que por algum fator excepcional de abastecimento ou logística internacional tenham atraso, portanto, situação justificada, mas no processo de penalidade a graduação ou dosimetria é apontada para cima, para maior severidade, com genérica afirmação de que pacientes ficaram em risco, quando o caso concreto já teve entregas anteriores, pela mesma empresa, e ainda possui estoque com reserva para meses adiante, sem que tenha sido citado qualquer evento concreto que a falta dos produtos tenham representado. Não há motivação por suposição, sem elementos concretos.

Por fim, exemplo por demais comum: para negar cópias ou acesso externo a autos de processos para partes e advogados, algumas autoridades resolvem ir pelo caminho da citação genérica da Lei de Acesso à Informação, alegando sigilo "imprescindível à segurança da sociedade e do Estado", sem especificar em que consistiria sequer determinado risco de simples acesso a um processo administrativo, ainda mais quando o caso é de matéria de licitação e, portanto, dotada de publicidade, não apenas por normas constitucionais, como várias legais.

Por essas e outras situações do dia a dia dos processos administrativos é que o conhecimento doutrinário sobre o princípio da motivação ganhou alçada em determinadas normas, como aquelas dos artigos 2º e 50, todos da Lei nº 9.784/99, que disciplina o processo administrativo federal.

Em conclusão, é preciso haver uma mudança de cultura em parte da Administração Pública sobre como lidar, efetivamente, com o princípio da motivação nos seus atos.

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    é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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