Prática Trabalhista

Proteção do sigilo de infectados por HIV, hepatites, hanseníase e tuberculose

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

13 de janeiro de 2022, 8h00

Recentemente, foi publicada a Lei nº 14.289, de 3 de janeiro [1], que torna obrigatória a proteção do sigilo das pessoas infectadas pelo vírus da HIV e por hepatites crônicas, hanseníase e tuberculose.

Spacca
Segundo as estatísticas globais sobre o HIV em 2021 [2], 37,7 milhões de pessoas no mundo inteiro estavam convivendo o vírus em 2020, sendo que 53% dessas pessoas são mulheres e meninas.

No Brasil, no ano de 2020 foram registrados 32.701 novos casos de HIV, sendo 7,8 mil de gestantes. No período compreendido entre 2007 e 2021, foram comunicados 381.793 casos de contágio no país, sendo 69,8% em homens e 30,2% em mulheres [3].

Entrementes, constatou-se que no país cerca de 694 mil pessoas estão em tratamento contra o HIV, sendo que no ano de 2021 novos 45 mil pacientes iniciaram a chamada terapia antirretroviral [4].

Lado outro, conforme publicado na Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde, em todo o mundo 290 milhões de pessoas vivem com hepatite viral, sem conhecimento de que estão contaminadas [5].

Noutro giro, de acordo com a pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o segundo no ranking mundial em casos de hanseníase, ficando atrás apenas da Índia [6], sendo registrado nos últimos dez anos 312 novos casos [7].

Já em relação à tuberculose, consoante o relatório global da Organização Mundial da Saúde de 2021, houve um aumento das mortes devido a pandemia [8].

Dito isso, a Lei nº 14.289 dispõe em seu artigo 2º, inciso III [9], que é vedada a divulgação de dados que possam identificar a pessoa que viva nessas condições, como, por exemplo, no local de trabalho, sendo obrigatório a preservação do sigilo.

Indubitavelmente, muitas pessoas são discriminadas em razão do seu estado de saúde, principalmente em se tratando das doenças elencadas na nova legislação.

Do ponto de vista normativo, no Brasil a Constituição Federal estabelece em seu artigo 1º, incisos III e IV, como um dos fundamentos da República Federativa a proteção à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Em São Paulo, foi promulgada a Lei nº 11.199, de 12 de julho de 2002, que proíbe a discriminação aos portadores do vírus HIV ou às pessoas com Aids [10].

A Súmula nº 443 do Tribunal Superior do Trabalho dispõe no sentido de que "presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego".

A título de ilustração, em certo processo judicial trabalhista uma empresa foi condenada a pagar indenização por danos morais e a reintegrar um empregado que foi dispensado de forma discriminatória depois de ser diagnosticado com HIV [11]. Ao analisar o conjunto probatório, o magistrado concluiu que a dispensa foi discriminatória, eis que esta teria ocorrido logo em seguida a comunicação do trabalhador à empresa do seu estado de saúde.

Do ponto de vista internacional, a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho [12] veda "qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados".

A este respeito, oportunos são os ensinamentos de Adriane Reis de Araújo [13]:

"Em resumo, para alcançar a igualdade jurídica, faz-se necessário reconhecer e tratar juridicamente as diferenças entre as pessoas — gênero, etnia, deficiência, ideologia, profissão de fé, entre outros — com a finalidade de calibrar a relação de forças entre os grupos dominantes e dominados, a qual repousa em construções sociais, práticas, tradições e que podem estar consolidadas e reproduzidas por norma jurídica. A legitimidade de ação afirmativa está na fundamentação densa e consistente, que extrapole a mera alegação, bem como a prova da razoabilidade da diferença a fim de comprovar a não arbitrariedade da medida".

É cediço que o trabalhador acometido das enfermidades descritas na legislação, além de ter de lidar com tal problema de saúde, geralmente é excluído do mercado de trabalho, dado o preconceito enraizado em nossa sociedade, ou seja, acaba por ser duplamente discriminado.

Frise-se, por oportuno, que, em caso de descumprimento da norma, nos termos do artigo 6º [14] da referida lei, o infrator estará sujeito às penalidades previstas na Lei Geral de Proteção de Dados, assim como indenizações por danos morais e materiais.

Essas sanções administrativas poderão ser as seguintes: a) advertência; b) multa simples; c) multa diária; d) publicização da infração; e) bloqueio de dados pessoais a que se refere a infração; f) eliminação de dados pessoais a que se refere a infração; g) suspensão parcial do funcionamento do banco de dados; g) suspensão do exercício da atividade de tratamento de dados pessoais; e h) proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados.

Em que pese a nova legislação torne obrigatória a preservação do sigilo, vale lembrar que as empresas devem assumir o compromisso e lutar contra qualquer tipo de discriminação no ambiente de trabalho, inclusive promovendo ações afirmativas para fins de inclusão social.

Em arremate, não restam dúvidas de que a prática de condutas discriminatórias traz consequências severas a todos os envolvidos, e, por isso, esses hábitos tóxicos devem ser fortemente combatidos, visando a eliminar as desigualdades e garantir uma sociedade mais justa e igualitária.


[9] "Artigo 2º — É vedada a divulgação, pelos agentes públicos ou privados, de informações que permitam a identificação da condição de pessoa que vive com infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV) e das hepatites crônicas (HBV e HCV) e de pessoa com hanseníase e com tuberculose, nos seguintes âmbitos: (…). III – locais de trabalho".

[13] LGPD e Compliance Trabalhista / Adriane Reis de Araujo, et. Al.; Fernanda Perregil (Organizadora), Ricardo Calcini (Organizador) – Leme – SP: Mizuno, 2021. Página 23.

[14] "Artigo 6º — O descumprimento das disposições desta Lei sujeita o agente público ou privado infrator às sanções previstas no art. 52 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, bem como às demais sanções administrativas cabíveis, e obriga-o a indenizar a vítima por danos materiais e morais, nos termos do art. 927 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)".

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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