Opinião

O exame toxicológico de empregados sob uma perspectiva trabalhista e da LGPD

Autores

  • Decio Sebastião Daidone Junior

    é advogado professor universitário mestre em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica com especialização em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da UniFMU e sócio do Barcelos Tucunduva Advogados.

  • Karin Klempp Franco

    é advogada doutora em Direito Comercial pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo mestre (LL.M.) em Direito Econômico Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Colônia (Alemanha) e sócia do Barcelos Tucunduva Advogados.

  • Luiz Fernando Plastino Andrade

    é advogado mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP) especialista em Direito de Informática pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP e associado do escritório Barcelos Tucunduva Advogados.

13 de janeiro de 2022, 9h13

O exame toxicológico é tratado dentro da Lei do Motorista (Lei nº 13.103/2015), que aditou a CLT, artigo 168, parágrafo 6º e 7º [1], regulamentado pela Portaria MTPS nº 116, de 13 de novembro de 2015. A previsão é clara para tratar da atividade de motorista profissional, latu sensu, tendo sido utilizados dois princípios básicos como fundamento: 1) preservar a integridade física do motorista que atua em atividade de risco; e 2) evitar risco a terceiros e zelar pela saúde da coletividade.

A depender da atividade realizada e o local, um terceiro fundamento seria evitar também um dano ambiental.

Para além da profissão de motorista, a jurisprudência vem se utilizando desses fundamentos para decidir ser possível a exigência do exame toxicológico como procedimento pré-admissional. A análise se fará sobre a existência de nexo de potencial risco entre a atividade e o seu operador, e perante terceiros e o meio ambiente.

Destaca-se que, para o desempenho de uma função perigosa, o trabalhador deve estar em perfeitas condições físicas e psíquicas, principalmente quanto aos reflexos.

Nesse contexto, a verificação do uso de substâncias entorpecentes prejudiciais ao organismo não traria qualquer vexame, tampouco acarretaria invasão de sua intimidade, desde que realizada sem qualquer constrangimento, humilhação, exposição, coação ou negligência por parte da empresa.

Não se pode deixar de lado nessa análise que os trabalhadores são os maiores interessados na preservação da sua vida e suas ações, incluindo as pré-contratuais, devendo contribuir para evitar os acidentes de trabalho tanto quanto o empregador [2].

Dessa forma, o procedimento da empresa estará pautado no caráter de prevenção, e não de discriminação, em uma conduta cautelar razoável diante da peculiaridade da função e pelos princípios que a justificam.

Nesse ponto, destacamos que os exames toxicológicos são possíveis também diante da nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais  LGPD (Lei nº 13.709/2018). Inspirada na legislação europeia de proteção de dados, essa lei estabelece diversos ônus e obrigações buscando o objetivo final de fomentar o uso controlado e responsável de dados pessoais de forma a evitar danos aos respectivos titulares (no caso, o empregado). Ela se aplica de forma transversal a todas as relações de Direito público ou privado envolvendo o uso de dados pessoais e não revoga legislação pré-existente, mas estabelece relação dialógica com ela determinando limites ao exercício de direitos e modos do cumprimento de obrigações decorrentes dessas leis.

No caso de exames toxicológicos, entendemos que todo o arcabouço que justifica a realização desses testes, seja pela regulação direta da Lei do Motorista ou pela jurisprudência do TST, também serve de fundamento para o embasamento legal do tratamento de dados pessoais no contexto do exame pela LGPD. A coleta e o uso de informação a respeito da utilização de entorpecentes é dado relacionado à saúde [3], considerado um dado pessoal sensível pela LGPD [4], de modo que as hipóteses que podem embasar o seu uso são muito limitadas [5].

Contudo, entendemos que a justificativa de exame embasado em dever de prevenção, na linha das autorizações legais e jurisprudenciais já existentes, seria o suficiente para embasar a realização de exames toxicológicos nas hipóteses em que seja estritamente necessária para a proteção da vida e integridade física do próprio empregado e de terceiros [6], no exercício do dever de prevenção de acidentes de trabalho.

Uma vez definido o critério para justificar a realização do exame, a empresa deverá aplicá-lo de forma indiscriminada, ou seja, todos os que pleitearem aquela vaga passarão pelos mesmos procedimentos. Critérios, motivação, propósitos e linhas gerais do tratamento de dados pessoais envolvidos nos exames devem ser objetivos e acessíveis aos candidatos quando de seu pleito pela vaga, de modo a cumprir com o dever de transparência imposto pela LGPD [7].

A coleta de material deve ser feita da forma menos intrusiva e mais privativa possível, limitando-se as análises ao mínimo necessário para o atingimento adequado de seus propósitos específicos e devendo, também, ser respeitados os demais princípios e obrigações da LGPD para o tratamento legal e legítimo de dados pessoais (e.g. necessidade, adequação, não discriminação, segurança da informação). 

 


[1] "§6.º Serão exigidos exames toxicológicos, previamente à admissão e por ocasião do desligamento, quando se tratar de motorista profissional, assegurados o direito à contraprova em caso de resultado positivo e a confidencialidade dos resultados dos respectivos exames" (Parágrafo alterado pela Lei nº 13.103/2015  DOU 03/03/2015) (Vide Portaria nº 116/2015   MPAS / MTE  DOU 16/11/2015).
§7º. Para os fins do disposto no § 6º, será obrigatório exame toxicológico com janela de detecção mínima de 90 dias, específico para substâncias psicoativas que causem dependência ou, comprovadamente, comprometam a capacidade de direção, podendo ser utilizado para essa finalidade o exame toxicológico previsto na Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, desde que realizado nos últimos 60 (sessenta) dias. (Parágrafo alterado pela Lei nº 13.103/2015 – DOU 03/03/2015) (Vide Portaria nº 116/2015  – MPAS / MTE – DOU 16/11/2015).

 [2] "Artigo 158  Cabe aos empregados:
I  observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior; 
II  colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.
Parágrafo único  Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:
a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior;
b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa. 

 [3] DIRECTORATE GENERAL FOR INTERNAL POLICIES. Protection of Personal Data in Work-related Relations. Brussel, 2013.

[4] "Artigo 5º – Para os fins desta Lei, considera-se:
I
 dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;
II
 dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural".

[5] Assim como na legislação europeia: "The collection of information through drug and alcohol testing is unlikely to be justified unless it is for health and safety reasons". Cf. [The UK’s] Information Comissioner's Office. The Employment Practices Code. London, 2011. 

[6] "Artigo 11 – O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:
I
 quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas;
II  sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para:
e) proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro".

[7] "Artigo 9º – O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso:
I
 finalidade específica do tratamento;
II  forma e duração do tratamento, observados os segredos comercial e industrial;
III  identificação do controlador;
IV  informações de contato do controlador;
V  informações acerca do uso compartilhado de dados pelo controlador e a finalidade;
VI  responsabilidades dos agentes que realizarão o tratamento; e
VII  direitos do titular, com menção explícita aos direitos contidos no artigo 18 desta Lei".

Autores

  • é advogado, professor universitário, mestre em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica com especialização em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da UniFMU e sócio do Barcelos Tucunduva Advogados.

  • é advogada, doutora em Direito Comercial pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo, mestre (LL.M.) em Direito Econômico Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Colônia (Alemanha) e sócia do Barcelos Tucunduva Advogados.

  • é advogado, mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Direito de Informática pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP e associado do escritório Barcelos Tucunduva Advogados.

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