Opinião

O aumento dos casos de Covid-19, o influenza e os direitos dos passageiros

Autores

  • Luciana Atheniense

    é advogada secretária-geral da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB Federal sócia do escritório Aristoteles Atheniense Advogados em Belo Horizonte (BH) e mestre em Direito Comunitário e da Integração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

  • Maria Luiza Baillo Targa

    é doutoranda e mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) especialista em Direito do Consumidor pela Universidade de Coimbra em Direito Francês e Europeu dos Contratos pela Université Savoie Mont Blanc em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela UFRGS em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e advogada sócia do RMMG Advogados.

13 de janeiro de 2022, 15h19

Em 9 de janeiro do recém-iniciado ano de 2022, a companhia aérea Latam informou que iria cancelar 49 voos nacionais e internacionais nos dias seguintes em virtude do recente aumento de casos de Covid-19 e do novo surto de influenza. No dia seguinte, o número de voos cancelados subiu para 111 [1]. Dias antes, a Azul já havia cancelado diversos dos seus voos pelos mesmos motivos, esclarecendo que o avanço da variante ômicron acabou por afetar seus quadros de tripulantes, sendo necessário o afastamento de comissários de bordo e de pilotos com sintomas da doença [2].

Até o momento, o que se tem notícias é de que mais de 500 voos já foram cancelados [3]. Diante dos inúmeros incidentes e das incertezas que pairam sobre os consumidores e quais os seus direitos, o Procon de São Paulo notificou as três maiores companhias aéreas nacionais (Azul, Latam e Gol) em busca de explicações sobre as medidas até então adotadas e as providências a serem tomadas em favor dos passageiros.

Segundo o diretor executivo do Procon, Fernando Capez, "mesmo não sendo responsável por esses cancelamentos, a empresa aérea tem o dever de devolver o dinheiro ao consumidor ou, se ele preferir, remarcar a data do voo sem qualquer despesa adicional" [4]. A questão é pertinente, já que as medidas emergenciais para o setor aéreo disciplinadas pela Lei 14.034/2020 perderam sua eficácia e mitigações dos deveres das companhias aéreas constantes na Resolução 556/2020 da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) incidem somente em voos internacionais. Considerando o brusco e expressivo cancelamento de voos e que houve parcial prorrogação das medidas emergenciais apenas para viagens internacionais, os passageiros podem acabar por se confundir acerca de quais são os seus direitos em cada situação. 

Em relação a viagens nacionais, desde o dia 1º, as disposições da Resolução 400/2016 da Anac voltaram a ser plenamente aplicáveis. Tal significa que, em caso de alterações programadas pelo transportador antes de iniciada a viagem (inclusive cancelamento), o passageiro tem de ser informado com antecedência mínima de 72 horas em relação ao horário original (artigo 12, caput[5]. Caso já iniciada a prestação do serviço, o transportador deve informar imediatamente o passageiro pelos meios de comunicação disponíveis sobre o cancelamento do voo ou a interrupção do serviço (artigo 20, II). Em ambos os casos, a assistência material deve ser oferecida se necessária (artigo 26, II). Ademais, o prazo para o reembolso do valor da passagem, se solicitado pelo consumidor, será de até sete dias a contar da data do requerimento (artigo 29, caput).

No que diz respeito à remarcação de viagens, a Lei 14.034/2020 previa, para casos de alteração programada, a concessão de crédito de valor maior ou igual ao da passagem aérea, o qual poderia ser utilizado em nome próprio ou de terceiro em até 18 meses a contar do seu recebimento, sem a incidência de penalidades contratuais (artigo 3º, §2º). A partir deste ano, tal regra não mais se aplica, mas ainda assim é possível a conversão do reembolso em crédito (artigo 31, caput, da Resolução 400/2016). Todavia, penalidades contratuais ou diferenças de tarifas podem vir a ser cobradas. 

Por seu turno, nas viagens internacionais, parte das medidas emergenciais continua a ser aplicada (e será a todos os voos originalmente programados até 31 de março). A Resolução 556/2020 estabelece que as alterações programadas devem ser informadas com antecedência mínima de 24 horas (artigo 2º), e suspende os deveres das transportadoras de prestar assistência material em caso de fechamento de fronteiras ou de aeroportos por determinação de autoridades, bem como de oferecer alternativa de reacomodação em voo congênere e alimentação (artigo 3º) [6].

Além da (postergada) mitigação dos direitos dos passageiros de voos internacionais, como não foram prorrogadas as medidas emergenciais da Lei 14.034/2020, penalidades contratuais ou diferenças tarifárias podem ser cobradas em caso de remarcação de voo, mesmo que em decorrência de alteração programada.

Novamente se está diante de uma questão delicada. De fato, a situação é excepcional e o cancelamento de viagens diante de um surto de Covid-19 e de influenza talvez seja medida capaz de atenuar a disseminação de ambas as enfermidades até que sejam adotados procedimentos sanitários adequados e específicos para este novo cenário. Todavia, não se pode olvidar que o passageiro é a parte vulnerável dessa relação típica de consumo, de modo que as companhias aéreas não devem medir esforços para respeitar os seus direitos, assegurados, principalmente, pelo Código de Defesa do Consumidor.

Em respeito aos passageiros-consumidores, que também não possuem qualquer ingerência na situação vivenciada no país e no mundo  e que podem também pretender remarcar suas viagens ou solicitar o cancelamento justamente em virtude do receio de contrair as enfermidades que ora estão em grande circulação  o dever de informação (adequada, clara e precisa) deve ser integralmente observado (e prestado a todo momento, pois o momento é de dúvidas). E mais, ainda que seja possível a cobrança de penalidades contratuais para os casos de remarcação de viagens, é preciso, acima de tudo, agir em conformidade com a boa-fé, mitigando-se, neste período de tantas incertezas, também os deveres dos passageiros, em especial a cobrança de multas e diferenças tarifárias.

Somente por meio do respeito e da observância dos direitos do vulnerável, bem como da consideração de suas legítimas expectativas, em ponderação aos interesses também das companhias aéreas, pois ambos são parceiros contratuais, será possível a plena retomada das atividades e o consequente crescimento do setor.

 


[1] G1. Latam cancela 111 voos após alta de casos de Covid-19 e influenza. G1, 10 jan. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/turismo-e-viagem/noticia/2022/01/10/voos-cancelados-casos-covid-influenza.ghtml. Acesso em: 11 jan. 2022.

[2] GI Campinas e Região. Viracopos tem mais 70 voos cancelados em meio a casos de Covid e gripe na Azul. G1, 10 jan. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2022/01/10/viracopos-tem-mais-53-voos-cancelados-em-meio-a-casos-de-covid-e-gripe-na-azul.ghtml. Acesso em: 11 jan. 2022.

[3] MADIREIRA, Daniele. Azul e Latam cancelam mais de 500 voos por conta da Covid-19; confira a lista da Latam. Folha, 10 jan. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/01/azul-e-latam-cancelam-mais-de-500-voos-por-conta-da-covid-19-confira-a-lista-da-latam.shtml. Acesso em: 11 jan. 2022.

[4] PROCON-SP. Procon-SP notifica aéreas. Pocon-SP, 10 jan. 2022. disponível em: https://www.procon.sp.gov.br/ procon-sp-notifica-aereas/. Acesso em: 11 jan. 2022.

[5] O §1º do mesmo artigo assinala que, se a alteração for informada emprazo inferior ao estabelecido no caput, o transportador deve oferecer alternativas de reacomodação e reembolso integral, cabendo a escolha ao consumidor; e §2º refere que, se o passageiro comparecer ao aeroporto em decorrência de falha na prestação da informação, o transportador, necessariamente, terá de oferecer assistência material, além das alternativas de reacomodação, reembolso integral e execução do serviço por outra modalidade de transporte, cabendo a escolha ao consumidor (ANAC. Resolução 400, de 13 de dezembro de 2016. ANAC. Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/resolucoes-2016/resolucao-no-400-13-12-2016. Acesso em: 11 jan. 2022).

[6] ANAC. Resolução 556, de 13 de maio de 2020. ANAC. Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/2020/resolucao-no-556-13-05-2020. Acesso em: 11 jan. 2022.

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  • Brave

    é advogada especialista em Direito do Turismo e relações de consumo.

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    é doutoranda e mestre em Direito do Consumidor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Francês e Europeu dos Contratos pela Université Savoie Mont Blanc, em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela UFRGS e em Direito Público pelo UniCEUB.

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