Opinião

O ANPP e a extinção da punibilidade pelo cumprimento das obrigações

Autor

  • Galtiênio da Cruz Paulino

    é mestre pela Universidade Católica de Brasília doutorando pela Universidade do Porto pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp orientador pedagógico da ESMPU ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

12 de janeiro de 2022, 12h04

Conforme ressaltado em outra oportunidade [1], o acordo de não persecução penal existirá quando as partes, Ministério Público e investigado, externarem vontade, livre e consciente, de celebrar o acordo [2]. Ao Ministério Público cabe a palavra final sobre a celebração do acordo, em razão de ser o titular da ação penal pública [3].

Por conseguinte, a constituição do acordo de não persecução penal ocorrerá quando o Ministério Público e o acusado assinam o pacto, cabendo ao juízo, ao homologá-lo, dar plena eficácia, após analisar a legalidade do acordo. A decisão de homologação possui, portanto, natureza declaratória, pois o juízo não participa da celebração do pacto, nem pode adentrar no mérito das obrigações acordadas entre as partes, sob pena de se ferir o sistema acusatório, visto que penetraria em um campo de negociação do Ministério Público.

Diante desse cenário, cumpridas as obrigações pactuadas, qual a natureza da decisão que decreta a extinção da punibilidade, nos termos do artigo 28-A, §13, do Código de Processo Penal [4]?

Por meio do referido dispositivo, o Código de Processo Penal estabelece que o juiz responsável pela homologação do acordo de não persecução penal decretará a extinção da punibilidade quando cumpridas integralmente as obrigações acordadas. Antes, porém, cabe ao Ministério Público aferir se as obrigações foram cumpridas e requerer a decretação da extinção da punibilidade. E se o juiz se recusar a decretar a extinção da punibilidade por entender que as obrigações não foram cumpridas, quais as consequências?

Analisando o Código de Processo Penal de maneira isolada, discordando o Ministério Público da decisão que nega o reconhecimento do cumprimento das obrigações e, por conseguinte, a declaração da extinção da punibilidade, é cabível a interposição de recurso em sentido estrito, nos termos do artigo 581, IX, do referido diploma normativo [5]. E se o Ministério Público, por exemplo, perder o prazo, é obrigado a oferecer denúncia?

A análise material (mérito) sobre o cumprimento das obrigações avençadas em um acordo de não persecução penal cabe ao Ministério Público, enquanto parte do negócio jurídico e titular da persecução penal parcialmente transigida na negociação. Ao juiz, quando o Ministério Público formula o pedido de extinção da punibilidade em razão do cumprimento do acordo, incumbe a análise da legalidade. Concordando, o juiz declara a extinção da punibilidade. Discordando, o juiz deverá encaminhar o caso ao órgão de revisão do Ministério Público, nos termos do artigo 28, c/c o §14 do artigo 28-A, ambos do Código de Processo Penal.

Essa conclusão decorre de uma análise holística do nosso sistema criminal, que atribui ao Ministério Público a titularidade da ação penal e, portanto, a palavra final (manifestação constitutiva/conclusiva) sobre o cumprimento das obrigações que acordou em um ANPP, enquanto mecanismo de renúncia parcial ao direito/dever do Estado de perseguir práticas delitivas (persecução penal). O juiz fará uma análise de legalidade do cumprimento do acordo. Caso discorde da posição do Ministério Público quanto ao cumprimento das obrigações, o juiz deverá, conforme exposto, enviar o caso ao órgão de revisão, visto que, repita-se, não poderá obrigar o Parquet a dar sequência à persecução penal por meio do oferecimento de uma denúncia. Em tal hipótese, caberá ao órgão de revisão do Ministério Público a palavra final, mantendo-se, portanto, a análise sobre o cumprimento das obrigações pactuadas no âmbito ministerial.

O posicionamento exposto sobre o andamento da marcha persecutória em casos de acordo de não persecução penal ficou ainda mais evidente com a nova redação do artigo 28 do Código de Processo Penal [6], que deixou a análise sobre o fim da persecução criminal investigativa (investigação) totalmente no âmbito do Ministério Público, retirando do Judiciário inclusive a decisão homologatória de arquivamento, que possui natureza declaratória.

Desse modo, a decisão que decreta a extinção da punibilidade em razão do cumprimento das obrigações estabelecidas em um acordo de não persecução penal, nos termos do artigo 28-A, §13, do Código de Processo Penal possui natureza declaratória, visto que ao juízo incumbe a análise da legalidade e regularidade do cumprimento do acordo. Caso discorde do pleito ministerial de decretação da extinção da punibilidade, poderá o juiz requerer a revisão da decisão (pedido) do órgão ministerial, mas ao Ministério Público se mantém a manifestação final de mérito sobre a extinção da punibilidade, que possui natureza constitutiva da situação jurídica.

 


[2] CABRAL, Antônio do Passo. Convenções Processuais. 2.ª edição. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 324.

[3] CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. Salvador: JusPodivm, 2021. 2.ª edição, p. 138.

[4] "Artigo 28-A – (…) §13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade".

[5] "Artigo 581 – Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
(…)
IX – que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade;
(…)".

[6] "Artigo 28 – Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado  à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei.
(…)".

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  • Brave

    é mestre pela Universidade Católica de Brasília, doutorando pela Universidade do Porto, pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp, orientador pedagógico da ESMPU, ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

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