Opinião

O papel das agências reguladoras nos contratos de adesão

Autor

  • Flavine Meghy Metne Mendes

    é pesquisadora do Centro de Estudos de Regulação e Governança dos Serviços Públicos conferencista consultora jurídica doutoranda em políticas públicas pela UFRJ e autora de artigos científicos na ambiência regulatória.

10 de janeiro de 2022, 13h41

É de consenso geral a supremacia do Código de Defesa do Consumidor (CDC) quando presentes os requisitos da relação de consumo, quer se trate de serviço público ou não. Na ambiência dos serviços públicos, a prestadora atua explorando economicamente o setor (energia, saneamento, além de outras), em favor de uma gama de indivíduos que recebem o serviço prestado como destinatários finais.

Nesse ângulo de análise, não há como se afastar a aplicabilidade do CDC na esfera de atuação das agências reguladoras, por mais que estejam em jogo princípios que estampam a justiça distributiva, como a modicidade tarifária. Na conciliação dessas ideias, as entidades reguladoras, órgãos de defesa do consumidor e Poder Judiciário vêm atuando de forma harmônica na fiscalização da prestação dos serviços públicos.

Vale ilustrar que a Lei n° 13.848, de 25 de junho de 2019, que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras, fomenta expressamente essa simbiose, ressaltando expressamente o dever das agências reguladoras de zelar pelo cumprimento da legislação de defesa do consumidor, monitorando e acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor regulado.

Dito de outra forma, é papel das entidades reguladoras coibir práticas abusivas e atentatórias às relações de consumo, a exemplo do estabelecimento de diferenças entre usuários nos contratos de adesão. Entretanto, não se deve perder de vista a advertência doutrinária de que os serviços públicos não são atividades econômicas comuns e, portanto, adstritos à liberdade de atuação empresarial. Ao revés, há a preocupação "macro" na manutenção assecuratória de um sistema coletivo.

Nesse escopo, é de se indagar o papel das agências reguladoras na análise dos contratos padronizados de fornecimento de serviços públicos, particularmente no que se refere ao contorno esperado de atuação regulatória. A rigor, denominam-se contratos de adesão os instrumentos jurídicos padronizados e vocacionados ao alcance de um maior número de pessoas, não havendo margem para a plena liberdade no tocante à discussão das disposições contratuais. As cláusulas seguem definidas de forma unilateral.

Se, por um lado, as agências reguladoras devem zelar pela aplicabilidade dos princípios, normas e cláusulas que informam a disciplina regulatória, e, por outro, resguardar os direitos garantidos pelo CDC; não é de se estranhar o exercício do poder fiscalizatório quanto à regularidade desses contratos à luz das cláusulas dispostas nos contratos de concessão.

É de se esperar, dentro da conciliação dessas ideias, que o exame regulatório recaia sobre o cotejamento das regras constantes do edital e normas técnicas regulamentares, sem perder de vista a essência do coletivo que modula o desenho das regras regulatórias.

Não raro, as entidades reguladoras são questionadas a respeito da necessidade de formatação de determinadas regras segundo a lógica que rege os procedimentos administrativos de rotina dos órgãos públicos. Ao contratar com a prestadora de serviço público, o órgão público guarda a mesma posição de igualdade assim como qualquer outro usuário. Ou seja, há sujeição das mesmas exigências técnicas e financeiras para que possa obter o fornecimento regular. Não se trata de contrato puramente regido por normas de Direito Público, como também não se trata de um contrato que segue aquém das premissas que perfazem o instrumento concessivo.

Em tempo, é de se rememorar que a ratio do Estado regulador é a união de esforços em favor do bem-estar geral das populações e que permita, ao mesmo tempo, superar os inconvenientes do isolamento e demais consequências nocivas da expansão econômica.

O Estado, despido do autoritarismo e intervencionismo material do passado, deve, portanto, respeitar a liberdade como princípio fundamental da sociedade civil. Por outro lado, segundo Freitas, o equilíbrio da balança não se concretiza à revelia dos ideais sociais de igualdade e liberdade, sob pena de deslocamento de todos os valores solidaristas e legitimadores da razão de ser do Estado e declínio do patrimônio público.

É com esse olhar que ascendem vozes contemporâneas em relação às concepções que limitam a regulação ao viés das falhas de mercado, eis que perspectivas da presente natureza fecham as portas a várias questões redistributivas que importam e demandam compromisso mútuo entre Estado e sociedade, tanto em relação ao compartilhamento de esforços quanto aos sacrifícios partilhados na manutenção da justiça e da paz social.

 

Referências bibliográficas
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

BENJAMIN, Antonio Herman V; MARQUES, Claudia Lima et al. Manual de direito do consumidor.Thomson Reuters. São Paulo, 2020.

DROMI, Roberto. El derecho público em la hipermodernidad: novación del poder y la soberania: competitividade y tutela del consumo: gobierno y control no estatal. Madrid: Hispania Libros, 2005.

FREITAS, Daniela Bandeira de. A fragmentação administrativa do Estado: fatores determinantes, limitações e problemas jurídico-políticos. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

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