Defesa da Concorrência

Peculiaridades do lobby como conduta anticompetitiva

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10 de janeiro de 2022, 8h00

O Cade, enquanto autoridade de defesa da concorrência, possui entre suas várias atribuições prevenir e combater infrações contra a ordem econômica e reprimir o abuso de poder econômico. Diante de tais competências, o objetivo deste artigo é apresentar algumas peculiaridades do lobby como eventual conduta anticompetitiva. Isso porque o lobby pode ser empregado de forma anticompetitiva por empresas com elevado poder econômico, de modo a gerar efeitos anticoncorrenciais expressos no artigo 36 da Lei nº 12.529/2011, o que enseja a atuação da autoridade antitruste.

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Para explicar o entendimento das autoras é fundamental apresentar o conceito de lobby. Trata-se de atividade pela qual grupos de pressão buscam sua participação no processo estatal de tomada de decisões e assim contribuem para a elaboração de políticas públicas no país [1]. Esse tipo de processo está relacionado com o direito de petição, uma vez que os grupos de pressão atuam de forma direta ou indireta com o objetivo de obter determinada ação governamental favorável 2].

O lobby ainda não é regulamentado no nosso país, entretanto, o Projeto de Lei nº 1.202/2007, que aguarda deliberação pelo Plenário da Câmara dos Deputados, visa a disciplinar a atividade de lobby e a atuação dos grupos de pressão ou de interesse no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal [3]. É interessante notar que tal proposição respalda o processo do lobby no direito de petição, previsto no artigo 5º, XXXIV, "a", da CFRB/88. Ou seja, aproxima o lobby de um direito fundamental, demonstrando sua importância no processo democrático.

Mas, afinal, com base no conceito de lobby, qual pode ser a sua relação com o Direito Concorrencial?

Em primeiro lugar, tem-se que empresas com elevado poder econômico geralmente possuem elevado poder político, que pode ser utilizado como um meio para eventualmente ocorrer a prática de condutas anticompetitivas. Assim, por exemplo, tais empresas podem atuar em instâncias governamentais para impedir a entrada de outros concorrentes em determinado mercado. Tal atividade torna-se mais fácil para empresas que possuem elevado capital para investir em lobby ou relações governamentais.

Ou seja, nesse sentido, entende-se que há uma estreita relação entre os mercados e o poder político, a concentração de poder econômico de empresa atuante em determinado mercado pode favorecer a concentração de poder político. Nesse sentido, o relatório do Stigler Center [4] aponta que o Google e o Facebook podem ser os maiores agentes políticos da época atual: tais agentes possuem elevado poder econômico, além de características específicas que propiciam a captura de políticos e podem vir a prejudicar uma supervisão democrática adequada.

Em segundo lugar, o lobby anticompetitivo se caracteriza como sham litigation perante o Legislativo e/ou Executivo, conduta que é considerada uma infração concorrencial desde que gere efeitos anticompetitivos. A infração de sham litigation perante o Judiciário é rotineiramente investigada pelo Cade. Por sua vez, no que se refere aos Poderes Legislativo e Executivo, foram identificados poucos precedentes específicos sobre o lobby anticompetitivo ou sham lobby [5].

Para entender o posicionamento do conselho, analisaremos o caso mais recente sobre o assunto. Entre as infrações investigadas, o Cade tratou da suposta infração de criação de barreiras à entrada de concorrentes por meio da prática de lobby junto ao Legislativo, especialmente junto à Câmara Municipal, conduta supostamente praticada pelo Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Rio Grande do Norte (Sindipostos/RN). O principal objetivo das representadas era impedir a aprovação do Projeto de Lei nº 411/2009, uma vez que tinha o condão de alterar a Lei Complementar Municipal n° 4.986/98, para permitir a instalação de postos de combustíveis em supermercados e hipermercados no município de Natal, caso aprovado.

A conselheira relatora Polyanna Vilanova destacou que os representados de fato atuaram no sentido de impedir a aprovação de nova lei e que a referida restrição foi indesejável, uma vez que limitou à concorrência, sem qualquer benefício à sociedade, com exceção aos proprietários dos postos. Contudo, concluiu que tais ações para impedir a aprovação da lei, apesar de censuráveis do ponto de vista ético, na medida em que objetivaram benefício próprio em detrimento dos consumidores, estariam dentro da legalidade, em razão de duas justificativas. A primeira é que os representados não almejaram a criação de uma lei que viesse a restringir a concorrência, as restrições já haviam sido impostas previamente pelo parlamento e os representados apenas buscaram sua manutenção. A segunda diz respeito à própria ação junto ao Legislativo, na qual não foram verificados atos ilícitos ou enganosos por parte dos representados [6].

A conselheira relatora concluiu ser inegável que o resultado pretendido pelo lobby investigado foi negativo para a concorrência e para o consumidor. Contudo, segundo a Doutrina Noerr-Pennington [7] e a Constituição Federal, o direito de acesso ao Legislativo deve ser preservado e, sua exceção, em caso de conduta anticoncorrencial, deve ocorrer apenas em casos de prova clara e irrefutável de que houve meio fraudulento ou enganoso no lobby exercido sobre os agentes públicos. Destacou ainda que se o processo legislativo foi respeitado, a atuação dos órgãos técnicos deve ser limitada. Ademais, se a lei for inconstitucional, cabe ao Judiciário assim declará-la como tal [8].

Ou seja, foi reconhecido que o lobby anticompetitivo ou sham lobby pode causar prejuízos à concorrência, mas tal caso revela que os requisitos que autorizam a exceção à Doutrina Noerr-Penngton não foram preenchidos e, por tal razão, o direito de petição prevalece. Ademais, a defesa de interesses por empresas, independentemente do mercado em que atuam, é legítima e faz parte do processo democrático do nosso país.

A despeito do sham lobby ser considerado uma conduta anticompetitiva, há uma dificuldade na elaboração de critérios objetivos para ensejar uma condenação. A jurisprudência do Cade estipulou parâmetros para analisar a ocorrência do abuso ao direito de petição, os quais são os seguintes: 1) a plausibilidade do direito invocado; 2) a veracidade das informações; 3) a adequação e razoabilidade dos meios utilizados; e 4) a probabilidade de sucesso da postulação. Caso tais parâmetros não fossem preenchidos poder-se-ia falar em sham lobby. Ou seja, nota-se que nesse tipo de caso é difícil estabelecer critérios objetivos para a configuração ou não da conduta.

A dificuldade de estabelecer critérios objetivos revela a necessidade de discussão da temática pelo Cade, bem como a revisão dos parâmetros estabelecidos pela jurisprudência nesse tipo de conduta, no que se refere aos critérios de aplicação e de exceção à Doutrina Noerr-Pennington que garante a imunidade antitruste. Nesse sentido, Accioly [9] propõe que a análise referente ao abuso ao direito de petição seja mais bem delineada, bem como sejam compreendidos os aspectos específicos do caso concreto, de modo a observar os elementos que permitam concluir de modo mais adequado pela legitimidade ou caráter predatório da conduta.

A Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), por outro lado, também possui papel fundamental na discussão sobre a temática. A Seae possui a competência para promover a concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade. Ou seja, atua na advocacia da concorrência. Essa atuação é fundamental no sentido de levantar subsídios ao debate político sobre os danos que determinados projetos de lei podem gerar aos consumidores, que muitas vezes não possuem meios de articulação no ambiente político. Assim, o advocacy possui elevada importância, por mitigar danos de proposições legislativas anticompetitivas.

Dessa forma, conclui-se que a mudança de parâmetros no que se refere aos critérios de aplicação e exceção à Doutrina Noerr Pennington devem estar no radar da autoridade antitruste. Além disso, é fundamental que o Cade e a Seae estejam em constante diálogo com vistas a criar medidas para mitigar ou evitar o lobby anticompetitivo.

 


[1] OLIVEIRA, Andrea Cristina de Jesus. Breve histórico sobre o desenvolvimento do lobbying no Brasil. Brasília, v. 42, nº 168, 2005. p. 29. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/928/R168-03.pdf?sequence=4&isAllowed=y. Acesso em 2/1/2022.

[2] ACCIOLY, Isabela Santiago. "Sham Lobby" no Brasil: uma análise sobre o possível enquadramento do lobby anticompetitivo como infração à ordem econômica nos termos da Lei n. 12.529/2011. Faculdade de Direito, Universidade de Brasília. Brasília, 2021. p. 14. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/29388/1/2021_IsabellaSantiagoAccioly_tcc.pdf. Acesso em 4/1/2022.

[4] STIGLER COMMITTEE. Stigler Committe on Digital Platforms: Final Report. 2019. p. 14. Disponível em: https://www.chicagobooth.edu/research/stigler/news-and-media/committee-on-digital-platforms-final-report. Acesso em 3/1/2022.

[5] Processo Administrativo nº 08000.024581/94-77, Averiguação Preliminar nº 08012.006076/2003-72, Processo Administrativo nº 08012.010648/2009-11, Processo Administrativo nº 08012.010075/2005-94 e Processo Administrativo nº 08700.000625/2014-08.

[7] A doutrina Noerr-Pennington estabelece imunidade antitruste ao direito constitucional de petição.

[9] ACCIOLY, Isabela Santiago. "Sham Lobby" no Brasil: uma análise sobre o possível enquadramento do lobby anticompetitivo como infração à ordem econômica nos termos da Lei nº 12.529/2011. Faculdade de Direito, Universidade de Brasília. Brasília, 2021. p. 71. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/29388/1/2021_IsabellaSantiagoAccioly_tcc.pdf. Acesso em 4/1/2022.

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