Opinião

A base de cálculo dos honorários em caso de sucumbência recíproca

Autores

9 de janeiro de 2022, 6h03

O tema honorários advocatícios, especialmente os de sucumbência, faz parte de uma longeva celeuma forense. Assuntos expressamente positivados no CPC/73 e que já deram palco para discussões antigas, tais como a compensação de honorários ou o arbitramento de honorários por equidade em causas envolvendo a Fazenda Pública, ainda não alcançaram o almejado consenso no meio Judiciário, malgrado o sistemático tratamento dispensado pelo CPC/2015.

Expressões como "melhor interpretação" ou "peculiaridades do caso concreto" se proliferam em um mar de decisões judiciais que, estribadas num senso extremamente individualista de justiça, multiplicam as incertezas sobre questões já sacramentadas, de forma literal, pelo legislador processual.

O exemplo mais contemporâneo e, igualmente, mais polêmico, repousa sobre a possibilidade de fixação de honorários equitativos em causas cujos honorários de sucumbência, pela literalidade do disposto no artigo 85, §§2º e 3º, do códex, deveriam ser arbitrados pela regra percentual. O subterfúgio da palavra "inestimável" como sinônimo inexorável de causas cujo valor seja elevado já revela que a literalidade da norma não mais serve para proporcionar a segurança jurídica que se espera de um código processual moderno [1], o que talvez somente venha a ser pacificado com o julgamento da ADC 71 pelo STF e dos Temas 1.046 e 1.076 afetados sob o regime de recursos repetitivos pelo STJ e que parecem estar perto de uma resolução [2].

Mas não é disso que iremos tratar aqui, mas, sim, de uma outra distorção envolvendo honorários de sucumbência que igualmente tem assolado os participantes de um processo que, ao menos na teoria (artigo 7º do CPC), deveria ser paritário. Trata-se da base de cálculo dos honorários de sucumbência nos casos de sucumbência recíproca.

O artigo 86, caput, do CPC narra em alto e bom som que: "Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas". A ausência de menção aos "honorários" pelo artigo demonstra a coerência do legislador, já que a sucumbência recíproca não implica em isenção ou compensação dos honorários, máxima reforçada pelo §14 do artigo 85 do mesmo diploma.

Mas então, como seriam calculados os honorários devidos aos advogados de ambas as partes nestes casos?

O artigo 85, §2º, do CPC parece desenhar uma dosimetria para tanto, estipulando num primeiro momento que "os honorários serão fixados entre o mínimo e o máximo de vinte por cento (…)". Aqui, de forma semelhante à lógica da primeira etapa de dosimetria penal, têm-se critérios mínimos e máximos para atribuição da verba honorária (por exemplo 12%, 15%, 17% etc.), desde que respeitado o mínimo de 10% e o máximo de 20%.

Já em um segundo momento, o dispositivo legal traz as bases de cálculo que devem ser utilizadas para a incidência da verba honorária sucumbencial, quais sejam, o valor da condenação, do proveito econômico obtido, ou, não sendo possível mensurá-lo, o valor atualizado da causa.

É nessa parte da dosimetria que reside a problemática. Condenação, proveito econômico e valor atualizado da causa são critérios alternativos, sucessivos ou qualitativos?

Um olhar minimamente atento sobre a redação do dispositivo legal parece ceifar por completo a interpretação de escolha alternativa entre os três critérios de base de cálculo, seja pelo grau crescente de abstração empregado sequencialmente entre um benefício efetivo obtido (condenação ou proveito econômico) até que se chegue a um valor estimativo atribuído no momento do ajuizamento (valor da causa), seja porque o próprio dispositivo dá azo à aplicação sucessiva, na medida em que deixa claro que somente quando não é possível a mensuração do proveito econômico é que deve ser utilizado o valor da causa como base de cálculo.

Excluído o critério alternativo, o critério sucessivo desponta como uma interessante solução, tanto que a ideia de gradação, no sentido de que a base de cálculo deve ser obrigatória e sucessivamente o valor da condenação, do proveito econômico obtido, e, por último, o valor atualizado da causa, ganhou força no STJ, a exemplo do paradigmático REsp 1.746.072/PR, cuja citação tem ecoado nas decisões da Corte Cidadã:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE EQUIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. NOVAS REGRAS: CPC/2015, ARTIGO 85, §§2º E 8º. REGRA GERAL OBRIGATÓRIA (ARTIGO 85, §2º). REGRA SUBSIDIÁRIA (ARTIGO 85, §8º). PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL PROVIDO. SEGUNDO RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. O novo Código de Processo Civil  CPC/2015 promoveu expressivas mudanças na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais na sentença de condenação do vencido.
2. Dentre as alterações, reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, pois: a) enquanto, no CPC/1973, a atribuição equitativa era possível: a.1) nas causas de pequeno valor; a.2) nas de valor inestimável; a.3) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e a.4) nas execuções, embargadas ou não (artigo 20, §4º); b) no CPC/2015 tais hipóteses são restritas às causas: b.1) em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando b.2) o valor da causa for muito baixo (artigo 85, §8º).
3. Com isso, o CPC/2015 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§2º e 8º do artigo 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria.
4. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: 1) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (artigo 85, § 2º); 2) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: 2.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (artigo 85, §2º); ou 2.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (artigo 85, §2º); por fim, 3) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (artigo 85, §8º).
5. A expressiva redação legal impõe concluir: 5.1) que o §2º do referido artigo 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: 1) da condenação; ou 2) do proveito econômico obtido; ou 3) do valor atualizado da causa; 5.2) que o §8º do artigo 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: 1) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou 2) o valor da causa for muito baixo.
6. Primeiro recurso especial provido para fixar os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% sobre o proveito econômico obtido. Segundo recurso especial desprovido" (REsp 1746072/PR, relatora ministra Nancy Andrighi, relator acórdão ministro Raul Araújo, 2ª Seção, julgado em 13/2/2019, DJe 29/3/2019).

Se por um lado a solução encontrada pelo STJ é bastante didática e razoável, na medida em que elimina o uso aleatório de bases de cálculo pelo julgador, por outro lado se mostra um tanto simplória, já que não houve o enfrentamento da questão sob a ótica da sucumbência recíproca.

Isso porque o emprego do método da sucessividade para escolha das bases de cálculo dos honorários de sucumbência parece viável exclusivamente aos casos de sucumbência total (seja do autor seja do réu), mas não numa condenação parcial, onde o êxito é de ambas as partes e pode ocorrer nas mais variadas proporções.

Imagine-se, por exemplo, uma ação de cobrança de R$ 100 mil cuja procedência seja no valor de R$ 10 mil. Aqui há claramente uma condenação, rejeitando-se, porém, 90% do valor que estava sendo pleiteado. Nesse caso, é natural que os honorários da parte autora sejam arbitrados sobre a condenação (R$ 10 mil), já que este foi seu efetivo proveito econômico, porém, é justo que os honorários do advogado da parte ré, que eliminou 90% de toda a dívida cobrada, sejam fixados exatamente sobre a mesma base de cálculo dos honorários do advogado do autor, isto é, igualmente sobre o valor da condenação? Se o proveito econômico do advogado do réu foi de R$ 90 mil, não seria óbvio que tal deveria ser a base de cálculo de seus honorários, numa leitura minimamente lógica do §2º do artigo 85 do CPC?

Com efeito, aplicar a mesma base de cálculo (valor da condenação) para os honorários no caso supra acabaria por igualar a atuação dos advogados que, mesmo com graus de êxito completamente distintos, teriam a mesma remuneração. O uso de tal metodologia torna os honorários de sucumbência meramente protocolares, já que não importa quão "bom" um advogado seja, sua remuneração será idêntica ou muito próxima de qualquer outro que consiga nem que seja apenas 1% daquilo que pediu em juízo.

O exemplo acima apenas permite a materialização de um raciocínio cuja percepção já se faz bastante tranquila pela simples leitura da norma processual.

Ora, se o primeiro critério para base de cálculo dos honorários é o valor da condenação, parece claro que tal opção foi ali inserida de forma a contemplar apenas a hipótese de quando o autor vence a demanda, afinal, sempre que houver uma condenação (total), apenas o advogado do autor fará jus à verba honorária. Em casos de procedência, o "proveito econômico" do autor corresponde justamente ao valor da condenação, de modo que ambos os critérios possuem resultado idêntico.

O critério do proveito econômico, por sua vez, parece ser útil exclusivamente ao réu, seja nos casos de improcedência ou extinção do processo por outros motivos, seja no caso da sucumbência recíproca, em que o proveito econômico é apurado na exata medida daquilo que a parte autora não conseguiu obter.

Muitos poderiam alçar a tese de que o juízo pode fazer uso de percentuais diferentes (como 10% e 15%) sobre uma mesma base de cálculo (condenação) em caso de sucumbência recíproca, a fim de dar a devida remuneração aos advogados, porém, partindo-se do pressuposto de que a fixação de percentuais leva em conta a atuação específica do advogado (literalidade do §2º do artigo 85 do CPC) e não necessariamente a porção de êxito no processo, a tese é falha, exemplo disso seria arbitrar percentual maior a advogado cuja atuação se limitou à juntada de procuração no processo sem trazer qualquer alegação em juízo.

Posto isso, colhe-se que o critério sucessivo aplicado pelo STJ peca pelo silêncio, se mostrando totalmente inaplicável para os casos sucumbência recíproca, o que infelizmente não tem impedido que os tribunais pátrios se debrucem sobre o critério da sucessividade das bases de cálculo de honorários de sucumbência  e consequente uso exclusivo do valor da condenação  para remunerar, de forma idêntica, advogados que obtiveram êxitos diferentes.

E é assim que, convenientemente ancorados na didática porém insuficiente  tese fixada pelo STJ, juízos espalhados pelo país deixam de lado o real motivo da sucessão dos critérios (que é remunerar adequadamente os advogados das partes, sem enriquecimento ilícito ou aviltamento da verba), se desvencilhando por completo dos objetivos enumerados no próprio Código Processual Civil, código este que, não fosse o ativismo judicial ou talvez certa indiferença sobre temas que deságuam na advocacia [3], resolveria por sua pura literalidade a maior parte dos conflitos interpretativos em matéria processual.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!