Retrospectiva 2021

As principais discussões jurídicas e legislativas do ano em matéria tributária

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9 de janeiro de 2022, 10h01

PIS e Cofins, ICMS na energia, PEC dos Precatórios, Difal e reforma tributária. Esses foram alguns dos principais temas debatidos no ano de 2021 e que ainda espraiam os seus efeitos nas grandes discussões do cenário tributário nacional.

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Na esfera judicial, destaca-se a finalização do julgamento do RE nº 574.706/PR, no qual o Supremo Tribunal Federal foi protagonista. Submetido em 2008 ao rito de repercussão geral (Tema 69), o recurso extraordinário tratava da (in)constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, conhecida como "tese do século". Segundo cálculos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o impacto orçamentário foi estimado em R$ 45,8 bilhões anuais [1].

A controvérsia chegou ao fim após 20 anos [2] de intensos debates, com a publicação do acórdão dos embargos de declaração em agosto. Na oportunidade, a corte definiu que o ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições sociais é o destacado nas notas fiscais, já que não compõe o preço da mercadoria, bem como modulou os efeitos da decisão a partir de 15/3/2017.

Ao passo em que finalizada a controvérsia acerca da tese do século, os seus reflexos ainda seguem o seu curso. Apesar da sinalização positiva aos contribuintes sobre o cálculo dos créditos [3], as chamadas "teses filhotes" — aquelas com base nas quais se busca a extensão da lógica decisória a outros tributos que, assim como o PIS e a Cofins, possuem o faturamento ou receita bruta como base de cálculo — serão responsáveis por movimentar a pauta do Supremo nos próximos anos.

No futuro não tão distante — algum otimismo se faz necessário sobretudo nessa época do ano —, veremos qual será o desfecho de importantes debates como: 1) a exclusão do PIS e da Cofins na base de cálculo do PIS e da Cofins; 2) a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 592.616, Tema nº 118 da repercussão geral); 3) a exclusão do ISS da base de cálculo do CPRB (RE 1.285.845, Tema nº 1135 da repercussão geral); e 4) a exclusão do ICMS e do ISS da base de cálculo presumida do IRPJ e da CSLL; entre outras.

Ainda na agenda do Judiciário, vale destacar o julgamento da ADI 5.469/DF, em que o STF analisou a constitucionalidade do diferencial de ICMS, conhecido como "caso Difal".

Por maioria, foi declarada a inconstitucionalidade formal das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do Convênio Confaz nº 93/2015 [4], por terem elas adentrado no campo próprio de lei complementar federal. Foi reconhecido, assim, o direito dos contribuintes de não recolher os débitos de diferencial de alíquotas de ICMS incidente sobre as operações interestaduais destinadas ao consumidor final.

Como tem sido cada vez mais comum às matérias tributárias, aqui também houve modulação dos efeitos. Em resumo, a cobrança do Difal, na forma atual, com previsão apenas em lei estadual, poderá seguir até o fim do ano, ressalvadas as ações ajuizadas até a publicação da ata de julgamento. A partir de 2022, ou seja, no próximo exercício financeiro, os estados somente estarão autorizados a exigir o diferencial caso haja lei complementar prévia.

O caso nos coloca diante de uma interessante intersecção entre os Poderes Legislativo e o Judiciário. Com a demanda pela legislação complementar, o diálogo institucional entre a Suprema Corte e o Congresso Nacional reverberou na aprovação do PL nº 32/2021, no dia 20 de dezembro. Atualmente, aguarda-se a sanção presidencial.

Não poderíamos deixar de mencionar, ainda, a finalização do julgamento do ICMS Seletividade. A discussão, colocada no RE nº 714.139 (Tema nº 765), tratou da constitucionalidade da incidência de uma alíquota maior para telecomunicações e energia elétrica em comparação com a alíquota geral praticada pelo estado, no caso Santa Catarina, para outros bens e serviços. Por maioria, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da aplicação de uma alíquota diferenciada para o setor de telecomunicações e energia elétrica.

Todavia, o fantasma do argumento do impacto financeiro reapareceu novamente para assombrar os contribuintes. A mobilização dos estados e do Distrito Federal colocou sobre a mesa de negociação a modulação de efeitos e a preocupação com a perda de arrecadação dos entes [5]. A partir daí, o plenário seguiu o voto do relator, ministro Dias Toffoli, e projetou os efeitos da decisão de mérito para o ano de 2024, quando tem início o próximo plano plurianual (PPA) dos estados.

Por fim, também ganhou protagonismo a incidência do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os valores de taxa Selic (juros de mora e correção monetária) recebidos pelo contribuinte em repetição de indébito. Em 27/9/2021, o Supremo negou provimento ao RE 1.063.187, interposto pela União, reconhecendo que "os juros de mora estão fora do campo de incidência do imposto de renda e da CSLL, pois visam, precipuamente, a recompor efetivas perdas, decréscimos, não implicando aumento de patrimônio do credor" [6] e dando interpretação conforme à Constituição Federal ao §1º do artigo 3º da Lei 7.713/88, ao artigo 17 do Decreto-Lei nº 1.598/77 e ao artigo 43, inciso II e §1º, do CTN (Lei nº 5.172/66).

Se os debates tributários foram intensos no Supremo Tribunal Federal, o Poder Legislativo igualmente trouxe para a área importantes movimentações. Além do já citado PLP 32/2021 (ICMS Difal), outros projetos tiveram destaque.

Aprovado pelo Plenário do Senado Federal, o projeto de lei da "desoneração da folha" (PL nº 2541/2021) prorrogou por dois anos o prazo da substituição da contribuição sobre a folha de pagamento por aquela que incide sobre o valor da receita bruta. Assim, o período que se encerraria neste ano passará a valer até o final de 2023. Com impacto para diversos setores, sobretudo o de serviços, o texto foi aprovado pelas duas casas legislativas e agora aguarda sanção do presidente da República.

A chamada PEC dos Precatórios (PEC 23/2021), promulgada pelo Congresso Nacional, também foi alvo de acalorados debates — e críticas — ao longo do ano. A proposta tem o objetivo de estabelecer um novo regime de pagamentos de precatórios federais, a fim de que se tornem viáveis os pagamentos do Auxílio Brasil. Com ela, certamente será sentido o impacto pelos fluxos de caixa das empresas que aguardavam a devolução de tributos federais decorrentes de processos judiciais transitados em julgado.

A reabertura do Programa Especial de Regularização Tributária  (Pert), aguardada pelos setores produtivos impactados pela pandemia, foi aprovada pelo Senado e passará por votação pela Câmara dos Deputados. Trata-se do PL nº 4.728/2020, o qual apresenta a possibilidade do pagamento de dívidas tributárias em até 144 parcelas com descontos que podem chegar a 90% em multa e juros e 100% nos encargos.

O projeto de lei tramita sob o regime de urgência e a estrutura inicial do parecer fora apresentada pelo relator. Apesar de as votações terem sido iniciadas na sessão do dia 16/12, a ausência de acordo entre as lideranças partidárias resultou no adiamento da discussão.

A reforma tributária do Imposto de Renda também foi alvo de diversas discussões ao longo do ano, principalmente no que tange à tributação de lucros e dividendos no Brasil, que, até então, são isentos. Após a concentração dos debates nas PECs nº 45/2019 e nº 110/2019, vimos o seu desmembramento em projetos de lei, sendo a reabertura do Pert uma dessas etapas.

O PL 2.337/2021, que altera a legislação do Imposto de Renda e da CSLL, teve seu texto-base aprovado pela Câmara dos Deputados em setembro e aguarda a apreciação e aprovação em Plenário pelo Senado Federal.

Nos termos da redação final dada pela Câmara, os lucros e dividendos, hoje isentos, serão taxados à alíquota de 15% a título de Imposto de Renda na Fonte. Além dos impactos que podem ensejar a dupla tributação sobre a renda dada a nossa estrutura tributária, é necessária atenção à possível retroatividade da tributação sobre os dividendos acumulados no exercício financeiro anterior à eventual edição da lei.

Para além do mencionado, o PL 2.337/2021 altera também o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, o qual teve a alíquota reduzida de 15% para 8% e a de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de 9% para 8%.

Os temas não se esgotam aqui, uma vez que o intuito fora o de trazer um apanhado de importantes questões para o contribuinte. Se em 2021 a movimentação tributária carregou consigo discussões de relevo, 2022 deverá seguir o ritmo e agitar a vida dos setores empresariais.

De aprendizados, no meio de tantos, devemos levar a movimentação dos estados no caso Difal como exemplo de união e estratégia, além da atenção ao diálogo com o Poder Legislativo e a sua importância na resolução de diversos embates tributários. Não podemos esquecer que a área é revestida de forte aliança com a legalidade. Que estejamos preparados para 2022.


[1] Conforme apontado no risco fiscal anexo à Lei de Diretrizes Orçamentárias. Confira-se: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/planejamento-e-orcamento/orcamento/orcamentos-anuais/2020/ldo/anexo-v.pdf.

[2] Lemos, Gabriela Silva, et al. Exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição do PIS e da Cofins — Evolução da Jurisprudência/ Direito tributário nos tribunais superiores: estudos em homenagem à ministra Regina Helena Costa. 1ª ed., São Paulo: Almedina, 2021.

[3] Parecer PGFN nº 14483/2021.

[4] Convênio ICMS nº 93, de 17 de setembro de 2015. Fonte: https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2015/CV093_15.

[5] O Fórum Nacional de Governadores se reuniu no dia 1º/12/2021 com o relator, ministro Dias Toffoli. Confira em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=477591&ori=1.

[6] Voto do ministro Dias Toffoli no julgamento do RE 1063187 sobre a inconstitucionalidade de IRPJ e CSLL sobre a taxa Selic na restituição de indébitos tributários.

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