Opinião

Medida Provisória 1.085/2021 traz avanços ainda tímidos para os registros públicos

Autor

  • Marc Stalder

    é sócio da área Imobiliária do escritório Demarest mestrando em Direito Imobiliário pela Universidade de Illinois em Chicago (John Marshall Law School) e especialista em Direito Registral pela PUC-MG e em Direito Empresarial pela FMU.

8 de janeiro de 2022, 15h14

Às vésperas de completar 46 anos de vigência, a nossa Lei dos Registros Públicos nunca viu tantas alterações em tão pouco tempo.

É impossível, e, aliás, nem faria sentido, querer frear tamanha vontade de mudança que vem de uma inegável necessidade, a qual ganhou intensidade inimaginável com a pandemia. Os atos eletrônicos são uma realidade que beneficia muitos, inclusive os oficiais dos registros públicos, de registro imobiliário, de pessoas naturais, de protestos, títulos e documentos de pessoas jurídicas e tabeliães. Ainda assim, mesmo diante de tamanha evolução nos serviços, e faço questão de dizer isso desde logo, ninguém tocou ainda no assunto dos custos envolvidos e nas abissais e perniciosas diferenças em tais custos Brasil afora.

A última alteração não trouxe apenas novidades para a Lei dos Registros Públicos. As muitas novidades que entraram em vigor no último dia 28 de dezembro, com a Medida Provisória nº 1.085/2021 (MP), me parecem representar mais um importante passo na evolução dos registros públicos, em benefício não apenas dos oficiais dos registros, mas da população como um todo. Não são todas as regras da MP que estão em vigor. Há exceções com relação à essa vigência imediata no que se refere às alterações introduzidas pela MP no artigo 130 da Lei de Registros Públicos. Nesse contexto, importante lembrar que a MP tem prazo certo de vigência, pois, caso não venha a ser convertida em lei em até 60 dias, prorrogáveis por igual período, perderá ela os seus efeitos. Também, importante lembrar que nesse processo de conversão da MP em lei, poderá o texto ser alterado. Experiências anteriores permitem afirmar que o texto será alterado e o otimismo permite esperar um aperfeiçoamento do texto quando de sua conversão em lei inclusive para, quem sabe, regulamentar a questões dos emolumentos em prestígio ao trabalho e papel de todos os oficiais dos registros públicos, a permitir o acesso de todos aos serviços para que todos possam fruir dos seus benefícios.

Nesse primeiro momento, outras importantes dúvidas surgem antes daquelas relacionadas ao teor da MP propriamente dito. Me refiro aos critérios de relevância e urgência e a alguns dos temas contidos na MP.

Creio que relevância e urgência são conceitos jurídicos relativamente indeterminados e fluidos que devem ser analisados no caso concreto. Para análise do caso concreto, procuro me afastar das minhas convicções pessoais, afinal, a partir delas e na qualidade de advogado militante na área, não vejo nada mais relevante ou urgente do que modernizar a Lei dos Registros Públicos. Assim, com o devido distanciamento, me parece que o caso concreto deve revelar tamanha importância e urgência cuja solução não possa esperar. Ou seja, uma situação concreta que represente grave risco de dano ou prejuízo que somente a edição imediata de uma nova regra com força de lei possa solucionar. Não me parece ser o caso.

Nessa linha, ao alterar prazos processuais, a MP fere uma vedação constitucional a respeito da matéria que poderia tratar. A MP padroniza a contagem de prazos em dias úteis, tais como os prazos processuais são contados desde a última grande reforma do Código de Processo Civil. De um lado, essa questão nem era mais objeto de grandes debates, pois já estava pacificada. Por outro lado, nessa mesma linha, ao verificar que a MP não poderia tratar de questões de organização do Poder Judiciário, devo confessar que, de fato, a questão dos custos dos registros públicos poderia ser, e por que não dizer, deverá ser regulamentada por lei federal ordinária. Agora, se são ou não regras processuais aquelas alteradas pela MP, é uma nova discussão, semelhante àquela trazida pela MP 1040/21 convertida na Lei 14.195/2021.

Superando essas questões iniciais há de ser destacado que a MP regula o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp) que moderniza consideravelmente o nosso sistema de registros públicos. Essa modernização se baseia num sistema eletrônico unificado que permite um intercâmbio de documentos e informações entre as diferentes serventias dos registros públicos e diferentes órgãos da administração pública.

Será possível aos usuários, entre outros serviços, a solicitação de quaisquer informações ou a atualização das informações com maior precisão e velocidade, tais como um casamento, a alteração de um nome de rua ou da denominação de uma pessoa jurídica nos diferentes registros de seu interesse. Entendo ser importante, e aqui uso um exemplo, que a injustificável solenidade de se pedir uma certidão de casamento num registro para levar a informação que dela consta para outro registro seja acabada. Da solução se nota, também, a preocupação com a segurança necessária no trato e nos efeitos de tai informação. Nesse sentido, muitos outros atos poderão ser na forma de extrato eletrônico para que produzam os seus efeitos, podendo a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ definir, em relação aos atos e negócios jurídicos relativos a bens móveis, os tipos de documentos que serão, prioritariamente, recepcionados nas serventias por extrato eletrônico.

As alterações também mesmo sistema propiciará uma forma mais eficiente de busca de bens e, consequentemente, reforça a importância do registro público no seu papel de repositório das informações pessoais e patrimoniais. Atributo, sem dúvida, que trará um novo ritmo para as mais diversas relações jurídicas, inclusive sob os pontos de vista de credores e de devedores. Destaca-se que, nesse contexto, que a MP reforça o princípio da concentração na matrícula quando qualifica o quanto necessário a caracterizar boa-fé, passando a prever expressamente que não serão exigidos para a caracterização da boa-fé de um terceiro adquirente de imóvel, a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles legalmente requeridos e, especialmente, a obtenção ou apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais. Essa questão é de especial importância e por força da MP pode ter repercussão imediata em inúmeras discussões a respeito. Os conceitos se aplicam também aos bens móveis, que passam a ter no registro de títulos e documentos o repositório à semelhança do registro imobiliário para esse fim.

No que se refere ao registro de títulos e documentos outra interessante modificação que simplifica os atos. A MP resolve a situação dos múltiplos registros em diferentes localidades, em diferentes cartórios. Basta, agora, o registro em apenas uma localidade.

O mercado imobiliário também deve perceber uma evolução, pois a MP alterou as regras em relação ao material que deve compor o dossiê para instrução do registro imobiliário de uma incorporação de um empreendimento e do prazo para a prática de tal registro. Além disso, a instituição condominial passa a ser um ato único com o registro da incorporação imobiliária e deverá, entendo eu, refletir diretamente nos custos envolvidos. Os atos de cancelamento, como extinção do patrimônio de afetação quando da averbação da construção de forma automática, do contrato de compra e venda ou de promessa de venda, acompanhado do respectivo termo de quitação da instituição financiadora da construção, sem necessidade de averbação específica de cancelamento, também merecem destaques e o esperado efeito na redução dos custos.

Novidade também sobre os loteamentos, com a introdução de uma interessante solução em relação àqueles loteamentos em áreas localizadas em mais de um registro imobiliário, com regra a respeito do local do registro para colocar fim à muitas discussões a respeito, coerentemente com a solução já majoritariamente aplicada.

Esses são apenas os delineamentos da MP a partir de uma visão global do seu teor, que me dá uma perspectiva positiva a respeito das possibilidades de seu aperfeiçoamento no Congresso Nacional para sua conversão em lei. Os próximos 120 dias, que, se tudo correr bem, levarão ao texto final da nova lei que surgirá da MP, serão, sem dúvidas, muito interessantes.

Finalmente, não posso deixar de explicar a razão de ver as alterações como tímidas. Há muito ainda a ser feito, muitos defeitos no sistema a serem corrigidos e muitos aspectos a serem aprimorados, em benefício de todos os interessados, os oficiais e todos os usuários dos serviços que deles dependem e que neles têm a principal fonte da tão importante segurança jurídica.

Autores

  • Brave

    é sócio da área Imobiliária do Demarest, mestrando em Direito Imobiliário pela Universidade de Illinois em Chicago (John Marshall Law School), especialista em Direito Registral pela PUC-MG, em Direito Empresarial pela FMU e bacharel em Direito pela FMU.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!