Opinião

O julgamento do Supremo sobre o novo Marco do Saneamento Básico

Autor

  • Daniel Gabrilli de Godoy

    é doutorando em Direito pela USP mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP master em Diritto Privato Europeo pela Università degli Studi di Roma pós-graduado em Direito Administrativo pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e pós-graduado em Políticas Públicas pela Escola Paulista de Direito de São Paulo. Bacharel em Direito pela PUC-SP.

7 de janeiro de 2022, 9h11

A Lei 14.026/20 foi publicada no Diário Oficial da União em 16/7/20 e trouxe consigo grandes avanços no setor de saneamento básico do país, além de estabelecer novos mecanismos e ferramentas ao gestor público, atualizar diversos dispositivos em leis correlatas e criar um renovado arcabouço normativo para o setor. Entre as principais, menciona-se a Lei 9.984/17, que dispõe sobre a Agência Nacional de Águas, que passa a ser a autarquia referenciada para a regulação do serviço de saneamento; a Lei 11.107/05, que dispõe sobre a contratação de consórcios públicos e passa a proibir a realização de contratos programa; e a Lei 11.445/07, que estabelece diretrizes básicas para o saneamento básico e passa a contar com novos mecanismos contratuais.

Com a publicação do novo marco e sua promessa de dotar o serviço de saneamento básico de suficiente grau de segurança jurídica, obrigatoriedade de realizar procedimento licitatório para seleção do futuro concessionário, sem qualquer distinção entre empresas privadas e públicas e melhor disciplina sobre o desenho regulatório contratual, ficou clara a escolha do legislador por trazer empresas privadas para investir no setor; contudo, essa opção encontrou diversas oposições em atores institucionais, que de forma resumida fundamentaram seus pedidos nos seguintes termos:

— O Partido Democrático Trabalhista contestou a nova lei por meio da ADI 6.492, que, resumidamente, "pode criar um monopólio do setor privado nos serviços de fornecimento de água e esgotamento sanitário, em prejuízo da universalização do acesso e da modicidade de tarifas, vez que a necessidade de lucro das empresas privadas seria incompatível com a vulnerabilidade social da população que reside nas áreas mais carentes desses serviços, notadamente os pequenos municípios, as áreas rurais e as periferias das grandes cidades" [1].

 — O Partido Comunista do Brasil, o Partido Socialismo e Liberdade e o Partido dos Trabalhadores ingressaram com a ADI 6536, aduzindo em síntese que "a exclusão do contrato de programa para serviços de saneamento básico, substituindo-os pelos contratos de concessão (artigos 10; 10-A; 10-B; 11, II; e 11-B, §§2º e 8º, da Lei Federal 11.445/2007; artigo 13, §8º, da Lei Federal 11.107/2005), mudaria a ótica do sistema atual para aquela em que prevalece o interesse privado da atividade econômica, com riscos concretos à dignidade humana e ao combate à pobreza e à degradação do meio ambiente, cuja especialização no setor do saneamento se traduziria na universalização de acesso ao serviço e na modicidade tarifária".

— A Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) promoveu a ADI 6.583 e, sob fundamentos de caráter atrelados a aspectos formais, requereu que sejam fixados o entendimento no sentido de que os dispositivos "configuram meras normas de referência, despidos de coercitividade; que o princípio da concorrência se aplica nos modelos de concessão ou permissão; que a intervenção estadual por lei complementar se condiciona à ausência de coordenação dos municípios envolvidos por meio de consórcio público ou convênio de cooperação".

 Já a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) é a autora da ADI 6.882, alegando que "a vedação ex lege da celebração de contrato de programa com empresas estatais é um discrímen injustificado em face dos demais serviços públicos".

O relator das ações, ministro Luiz Fux, votou pela constitucionalidade dos dispositivos atacados, sendo acompanhado pelos ministros Nunes Marques, Cármen Lúcia, Roberto Barroso, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre Moraes, destacando-se que os dispositivos de incentivo e integração compulsória à formação de regiões metropolitanas para prestação em conjunto geram eficiência no serviço e não encontram óbice na Constituição Federal. Além disso, a formação de macrorregiões para a prestação de serviços favorece o ganho de escala e aumento da produtividade, importante mecanismo para fomentar a modicidade tarifária bem como reforça a importância de se criarem standards técnicos, regulatórios e contratuais por uma agência central (ANA).

A dissidência na votação foi trazida pelos ministros Edison Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que votaram no sentido de que alguns dos dispositivos da nova lei interferem na autonomia municipal, titular do serviço público de saneamento básico. As decisões foram publicadas no Diário da Justiça no dia 6 de dezembro, mas não há prazo para que o acórdão seja publicado.


[1] Trecho do voto do relator ministro Luiz Fux na decisão da Medida Cautelar na ADI.

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    é doutorando em Direito pela USP, mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP, master em Diritto Privato Europeo pela Università degli Studi di Roma, pós-graduado em Direito Administrativo pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e pós-graduado em Políticas Públicas pela Escola Paulista de Direito de São Paulo. Bacharel em Direito pela PUC-SP.

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