Opinião

Votos para 2022: mais justiça fiscal no Imposto de Renda da Pessoa Física

Autores

  • José Luis Ribeiro Brazuna

    é advogado em São Paulo e Brasília sócio fundador do Bratax (Brazuna Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados) professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

  • Marina Tanganelli Bellegarde

    é doutoranda e mestre em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) professora do curso de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogada em São Paulo associada ao Brazuna Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados (Bratax).

7 de janeiro de 2022, 18h50

Encerrado o ano de 2021, vimos a reforma da legislação do Imposto de Renda do Poder Executivo por ora naufragar, tendo o Projeto de Lei (PL) nº 2.337/2021 estacionado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, onde ingressou no início de setembro para, aparentemente, de lá não mais sair.

Entre as várias medidas propostas naquele projeto reformista, pouco se falou a respeito da tímida atualização da tabela progressiva do imposto sobre a renda das pessoas físicas, tendo a atenção da mídia e de especialistas se concentrado sobre temas como a tributação de dividendos e a revisão das regras de distribuição disfarçada de lucros, o fim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio, a revisão da tributação de fundos de investimentos.

Fernando Facury Scaff [1] alertou, desde cedo, para o aumento da carga tributária causado pela redução do desconto simplificado para as pessoas físicas, o que ajudava a anular a tímida revisão da faixa de isenção prevista no projeto, a qual era muito inferior às perdas inflacionárias do período.

O próprio Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil afirma que todas as atualizações da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física efetivadas desde a implantação do Plano Real foram inferiores à inflação, revelando uma "política, deliberada e perversa, com fortes efeitos concentradores de renda" e que gerou uma acumulada defasagem em relação ao IPCA [2].

Tal concentração de renda é resultante da mesma defasagem da atualização das faixas progressivas de incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física, que, aliada à falta de criação de novas faixas para alcançar rendimentos mais elevados, provoca um aumento de contribuintes na base da pirâmide.

Diferentemente da progressividade que o artigo 153, §2º, inciso I, da Constituição declara almejar, o congelamento — ou a correção tímida — da tabela acaba por colocar maior pressão tributária sobre pessoas físicas que, diante da perda do poder aquisitivo da moeda, passam a ter cada vez menos capacidade contributiva, o que também destoa do comando do artigo 145, §1º, da Carta Cidadã.

Apesar disso, o Supremo Tribunal Federal responde, quando provocado sobre a inércia dos Poderes Executivo e Legislativo na atualização da tabela de incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física, que "não cabe ao Poder Judiciário realizar a correção monetária da tabela progressiva do imposto de renda na ausência de previsão legal nesse sentido" [3].

A resposta parece ser insuficiente e insatisfatória, diante de uma corte que, a cada dia que passa, deixa mais clara e consolidada a relevância do princípio da vedação ao retrocesso social, inclusive em matérias relacionadas ao Direito Tributário e Financeiro [4].

O Supremo Tribunal Federal entende que há o condenável e inconstitucional retrocesso social tanto quando ocorre uma conduta comissiva do legislador que subtrai ou diminui a concretização legal de um direito, como também quando uma conduta omissiva for capaz de gerar retrocesso, inclusive no caso de omissão no cumprimento de uma norma constitucional programática [5]. Nessas situações, ficou entendido que, embora a implementação de políticas públicas seja de competência reservada ao legislador orçamentário, o Poder Judiciário poderia e deveria intervir em casos de omissão legal, a fim de garantir a efetivação de um direito resguardado pela Constituição.

Diante da evolução dessa jurisprudência — e apesar daqueles precedentes contrários à sua intervenção na temática da atualização da tabela do imposto de renda da pessoa física —, seria legítimo esperar que a Corte Suprema, diante da tímida atualização proposta no PL nº 2.337/2021, pudesse ser chamada a intervir e a exigir que se desse efetividade aos princípios da progressividade da tributação da renda e da capacidade contributiva, utilizando para isso a mesma técnica desenvolvida para analisar casos pertinentes ao princípio da vedação ao retrocesso social [6].

A nosso ver, é crível admitir a hipótese de que a falta de atualização da tabela, em especial da faixa de isenção, pode colocar em risco o núcleo essencial do direito social ao mínimo existencial, podendo violar a dignidade da pessoa humana.

De modo semelhante, a manutenção ou o aumento da carga tributária sobre a renda, imposta àqueles que passam a ter menor capacidade econômica à vista da perda do poder aquisitivo da moeda ao longo do tempo, pode ser também uma ameaça à garantia de que os impostos devem ser graduados segundo essa sua capacidade, podendo igualmente ferir, no limite, aqueles mesmos direitos sociais essenciais.

Ainda que esses direitos devam ser ponderados frente à necessidade de financiamento das atividades estatais, pode-se imaginar que, estando de um lado a garantia do mínimo existencial e, de outro, a arrecadação, talvez seja mais adequado optar pela solução mais compatível com a dignidade da pessoa humana e com a garantia do mínimo vital.

Analisando-se não apenas as finanças estatais, como também outros mecanismos dados pela Constituição para que o governo federal possa incrementar a sua arrecadação tributária, é crível que o desrespeito ao mínimo existencial e à capacidade contributiva não seria o caminho mais razoável, proporcional e imprescindível para se alcançar aquele fim.

Portanto, ao invés de se omitir na correção da tabela de incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física ou de realizar atualizações tímidas das suas faixas de isenção e alíquotas, poderia o governo federal lançar mão de outras inúmeras medidas de incremento da sua arrecadação, sem precisar criar uma situação de retrocesso social para aqueles cidadãos que a cada ano passam a ser chamados a pagar o imposto em prejuízo ao seu mínimo existencial, à dignidade da pessoa humana e à sua capacidade econômica, especialmente se comparados àqueles que deveriam ser progressivamente mais onerados.

É nesse contexto que, apesar do aparente naufrágio do PL nº 2.337/2021, a sua tramitação lançou luzes sobre o Projeto de Lei nº 4.452/2021, apresentado pelo senador Ângelo Coronel, no curso da sua relatoria da reforma de autoria do Executivo.

Nesse projeto nascido do Legislativo, além de uma atualização mais relevante da faixa de isenção se comparada ao que sugerido pelo Executivo, propõe-se a correção automática da tabela pelo IPCA, sempre que a inflação acumulada no período for superior a 10%.

Ainda que se possa criticar o indexador escolhido ou o fato negativo de que o PL nº 4.452/2021 propõe a extinção da alíquota inicial de 7,5%, a criação de um "gatilho automático" [7] para a atualização da tabela poderá representar um salto de qualidade com relação à observância das normas dos artigos 145, §1º, e 153, §2º, inciso I, da Constituição.

Além disso, serviria como um marco claro a impedir o retrocesso social, que a nosso ver tornaria inconstitucional qualquer proposta futura que pretendesse retirar esse compromisso de indexação da legislação do imposto de renda das pessoas físicas.

Portanto, que 2022 possa trazer melhorias em termos de justiça fiscal, seja pelo mecanismo proposto pelo PL nº 4.452/2021, seja por outras fórmulas que, partindo do Legislativo, do Executivo ou do próprio Judiciário, possam contribuir para impedir retrocessos sociais, preservando o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana, mediante uma tributação da renda adequada à capacidade contributiva e à progressividade.

Esses os nossos votos para o ano que se inicia!


[1] SCAFF, Fernando Facury. O projeto de remendo no Imposto de Renda e seu populismo eleitoral. https://www.conjur.com.br/2021-dez-27/justica-tributaria-enfim-boa-noticia-ambito-imposto-renda, coluna de 27/12/2021.

[2] Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. Propostas de Alteração da Tributação sobre a Renda — Sistema Tributário Nacional — Propostas de Alteração da Tributação sobre a Renda. https://reformatributaria.org/wp-content/uploads/2021/07/Propostas-Tributac%CC%A7a%CC%83o-sobre-a-Renda-Sindifisco-Nacional-1.pdf. Acessado em 4/1/2022.

[3] Vide, em especial, os julgamentos ocorridos no Recurso Extraordinário nº 388.312-MG (Pleno, relator min. Marco Aurélio, j. em 1/8/2011) e no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.096-DF (Pleno, rel. min. Roberto Barroso, j. em 23/11/2020).

[4] BELLEGARDE, Marina Tanganelli. O direito financeiro e a proibição de retrocesso social na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 1ª ed. Belo Horizonte, São Paulo: D'Plácido, 2021, p. 105-132.

[5] Dentre as várias decisões da Corte Constitucional sobre a matéria, podemos destacar: o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 639.337-SP, que tratou da matrícula de crianças em creches; os Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento nº 598.212-PR e o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 763.667-CE, sobre a instalação de defensorias públicas nas comarcas de Apucarana (PR) e Groaíras (CE), respectivamente; o Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 223-PE, em que se determinou que o estado de Pernambuco arcasse com determinados gastos com saúde; o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 745.745-MG, impondo, semelhantemente, que o município de Belo Horizonte mantivesse rede de assistência à saúde da criança e adolescente; o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 727.864-PR, ordenando que o estado do Paraná custeasse internações em hospitais particulares; e o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 581.352-AM, em que se concluiu que o estado do Amazonas deveria ampliar o atendimento a gestantes em maternidades.

[6] O princípio da proibição de retrocesso social sustenta que uma medida que impacta os direitos sociais apenas será legítima se observar os seguintes critérios mínimos: a) não ferir o núcleo essencial dos direitos sociais, b) verificar a hierarquia entres direitos resguardos pelas normas e c) garantir proporcionalidade e razoabilidade dos atos, comprovando-se ser indispensável para a situação em concreto, sempre em prol do interesse comunitário.

[7] SCAFF, Fernando Facury. Enfim, uma boa notícia no âmbito do Imposto de Renda. https://www.conjur.com.br/2021-dez-27/justica-tributaria-enfim-boa-noticia-ambito-imposto-renda, coluna de 27/12/2021.

Autores

  • é advogado em São Paulo, sócio fundador do Brazuna, Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados (Bratax), bacharel e mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e professor dos cursos de pós-graduação do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

  • é advogada em São Paulo, mestranda em Direito Financeiro, Tributário e Econômico na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

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