Peso pesado

Para advogados, lei que protege entregadores sobrecarrega as empresas

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7 de janeiro de 2022, 8h46

Quase dois anos após o início da crise da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro sancionou nesta quinta-feira (6/1) a Lei 14.297/22, que visa a garantir maior proteção aos trabalhadores que prestam serviços para aplicativos de entregas.

Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Segundo advogados, a nova lei transfere às empresas responsabilidades do Estado
Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A nova lei estabelece que as empresas deverão fornecer aos entregadores itens como água potável, álcool em gel e máscaras, além de acesso aos banheiros das empresas. O seguro contra acidentes, sem franquia, deverá ser fornecido em nome do entregador, benefício que valerá apenas para casos que ocorrerem durante o período de retirada e entrega de produtos e deverá cobrir acidentes pessoais, invalidez permanente ou temporária e morte.

Advogados trabalhistas ouvidos pela ConJur para avaliar a novidade reconhecem que a categoria necessita de maior amparo legal, mas avaliam que o governo sobrecarregou demais as empresas, repassando a elas responsabilidades que deveriam ser do Estado.

Sandro Vieira de Moraes, sócio da área trabalhista do escritório SGMP Advogados, considera que a lei acaba por trazer ao mundo jurídico "uma relação híbrida e disforme, tanto com a plataforma eletrônica como também com a empresa cliente".

"Apesar de estabelecer no artigo 10 que os benefícios ali contidos não servirão de base à alteração da natureza jurídica da relação, insere obrigações estranhas às relações autônomas, tanto na relação entre o entregador e a plataforma como também entre o entregador e a empresa cliente", afirma ele.

"Quanto ao primeiro, insere obrigações de pagamentos em razão de afastamentos, em períodos até superiores àqueles dos empregados, podendo chegar a 45 dias. Prevê ainda a contratação de seguro acidente, indenização de insumos de proteção contra a Covid-19 e identificação na contratação das hipóteses de exclusão, bloqueio e suspensão do aplicativo". 

O advogado também questiona como será feita a fiscalização das empresas. "A referida legislação ainda estabelece relação jurídica entre o entregador e a empresa cliente da plataforma, passando a exigir desta última o fornecimento de água e a utilização das instalações sanitárias. Faltou, claramente, a identificação de qual será o órgão responsável pela fiscalização e aplicação de sanção prevista no artigo 9º", complementa Moraes.

Direitos recíprocos
Cristina Buchignani, sócia da área trabalhista do Costa Tavares Paes Advogados, defende que os entregadores de aplicativos devam estar sob a égide de uma legislação protetiva, que atenda às peculiaridades da categoria, mas lembra que as obrigações e os direitos devem ser recíprocos — do trabalhador, da iniciativa privada e do Estado.

"A Lei 14.297/2022 cria obrigações inaceitáveis para a iniciativa privada, inclusive aquelas que são constitucionalmente imputadas ao Estado, como a saúde e a prestação previdenciária. No que lhe competia, o Estado usou o veto presidencial para, por exemplo, afastar o direito à alimentação para os entregadores através do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que permitiria às empresas deduzirem do Imposto de Renda o dobro das despesas daí decorrentes", opina.

Na mesma linha, Carlos Eduardo Dantas Costa, sócio do Peixoto & Cury Advogados e professor da FGV, afirma que a lei "onera as empresas e repassa algumas responsabilidades que deveriam ser do Estado (INSS)".

"As obrigações que são transmitidas para as empresas são semelhantes àquelas que cabem aos empregadores (CLT), como, por exemplo, a obrigatoriedade de fornecimento de máscaras e álcool em gel, além da contratação de seguro contra acidentes e pagamento 'assistência financeira' em caso de afastamento", alerta ele.

O advogado Valton Pessoa, sócio-presidente do escritório Pessoa&Pessoa, aponta outro problema da lei: a proteção oferecida aos trabalhadores dura apenas até o fim da crise da Covid-19.

"Os direitos dos entregadores de aplicativo independem do estado de calamidade pública. A iniciativa é oportuna porque, de fato, eles estavam à margem da lei. Sem entrar no mérito da discussão se são empregados ou não, eles são trabalhadores e merecem o cuidado do legislador", afirma Pessoa. "Lamentável que esses direitos só sejam aplicados durante o período de pandemia. Esse é o ponto crítico. A lei deveria valer em caráter definitivo, sem essas questões específicas relacionadas à pandemia".

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