Opinião

STF, governo e Covid-19: mais um capítulo

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5 de janeiro de 2022, 6h35

No Brasil, é sabido que o Supremo Tribunal Federal é quem dá a última palavra sobre o sentido e o alcance daquilo que está previsto no texto da Constituição. Isso está expresso, inclusive, no artigo 102, caput, da nossa Lei Maior ao estabelecer que compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição. e é o que já advertia o ex-ministro Nelson Hungria ao afirmar que cabe ao tribunal "o supremo privilégio de errar por último".

E foi justamente no exercício dessa competência que, no último dia de 2021, o ministro Ricardo Lewandowski deferiu pedido de tutela de urgência formulado pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e determinou a imediata suspensão do despacho do Ministério da Educação que proibia a exigência de vacinação contra a Covid-19 como condicionante ao retorno das atividades acadêmicas presenciais (ADPF nº 756/DF [1]).

Nesse caso específico, o ato do Ministério da Educação se fundamentou em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) segundo o qual como as universidades e os institutos federais são integrantes da Administração Pública federal, as questões atinentes ao funcionamento e à organização administrativa de tais instituições são de competência legislativa da União e a exigência de comprovante de vacinação para o retorno às atividades presenciais somente poderia ser estabelecida por meio de lei.

O STF anulou tal entendimento, em primeiro lugar, por entender que a lei que supostamente não existe, em verdade, é a Lei nº 13.979/20, e, em segundo lugar, porque a Constituição garante às universidades o direito à autonomia universitária.

Com efeito, o artigo 207 da CF é expresso ao estabelecer que "as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão".

É sempre bom lembrar que a autonomia universitária é de tripla ordem na medida em que existe a autonomia didático-científica, a autonomia financeira e a autonomia administrativa.

As duas últimas existem, sobretudo, para garantir o exercício da primeira. Ou seja, cabe à universidade decidir administrativamente, no caso, fundada em sua autonomia administrativa, se vai ou não exigir o comprovante de vacinação como condição para o retorno às atividades presenciais, não podendo o Poder Executivo federal, por meio de ato do Ministério da Educação, impedir a exigência do referido comprovante.

Colhe-se do voto do relator a seguinte passagem: "Evidente, pois, que ao subtrair da autonomia gerencial, administrativa e patrimonial das instituições de ensino a atribuição de exigir comprovação de vacinação contra a Covid-19 como condicionante ao retorno das atividades educacionais presenciais, o ato impugnado contraria o disposto nos artigos 6º e 205 a 214, bem assim direito à autonomia universitária e os ideais que regem o ensino em nosso país e em outras nações pautadas pelos cânones da democracia".

E prossegue no raciocínio concluindo que o "supremo Tribunal Federal tem, ao longo de sua história, agido em favor da plena concretização dos direitos à saúde, à educação e à autonomia universitária, não se afigurando possível transigir um milímetro sequer no tocante à defesa de tais preceitos fundamentais, sob pena de incorrer-se em inaceitável retrocesso civilizatório".

Esse caso é mais um capítulo envolvendo o STF e o Poder Executivo federal no que diz respeito às medidas adotadas  ou não  pelo governo no combate à pandemia.

Vale a pena recordar que desde 2020 o STF vem sendo provocado para chancelar ou invalidar medidas legais ou concretas de iniciativa do governo. Dessa vez, o ato foi anulado; todavia, nada garante que outras medidas adotadas ao longo deste ano também o serão.

Nossa torcida em 2022 é para que todos os poderes da República possam atuar com ainda mais harmonia e que possamos sair de vez dessa pandemia que, infelizmente, tirou a vida de tantos brasileiros e brasileiras.

 


[1] Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 756/DF, relator ministro Ricardo Lewandowski, j. 31.12.2021.

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