Opinião

A verdade sobre o suposto 'congelamento' do ICMS sobre combustíveis

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4 de janeiro de 2022, 20h45

Muito tem se falado sobre um suposto congelamento do ICMS incidente sobre combustíveis, instituído por meio do Convênio ICMS nº 192, de 29 de outubro de 2021, em decisão unânime dos estados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Entretanto, não foi isso que os estados fizeram. Para esclarecermos do que se tratou a medida adotada, regressaremos a alguns conceitos básicos sobre o ICMS do setor de combustíveis.

São dois os componentes que definem o "montante a pagar" de ICMS: a alíquota e a base de cálculo. As alíquotas são definidas internamente, estado a estado, e a base de cálculo corresponde a cada valor da operação. Via de regra, a refinaria deve pagar o ICMS com base no seu preço de comercialização, assim como a distribuidora e os postos de gasolina.

Ocorre que, para os combustíveis e lubrificantes, derivados ou não de petróleo, os estados estabeleceram uma sistemática de substituição tributária "pra frente", isto é, elegeram um contribuinte para "substituir" os outros contribuintes que virão depois dele, antecipando o recolhimento do tributo que será devido pelos próximos elos da cadeia comercial do produto. Por exemplo, a refinaria poderá figurar como substituta das distribuidoras e postos de gasolina, antecipando o pagamento dos tributos que serão devidos por esses agentes. Assim, as distribuidoras e os postos de gasolina recebem o combustível com o ICMS já retido.

O valor do ICMS pago pela refinaria, em tese, é o mais próximo possível do ICMS que seria devido no momento da venda do combustível ao consumidor final, quando o cidadão abastece o seu veículo. Ou seja, com essa sistemática, a refinaria paga mais ICMS do que normalmente pagaria, isto é, além do ICMS próprio, pagará o ICMS devido por substituição tributária (ICMS-ST). Entretanto, como não se sabe ao certo qual será o preço do combustível na bomba dos postos de gasolina, cria-se uma base de cálculo presumida.

Há diversos métodos para que seja estipulada a base de cálculo presumida do ICMS-ST, buscando-se chegar o mais próximo possível do valor da venda do produto ao consumidor final. Para o setor de combustíveis, o método atualmente adotado é o do "preço médio ponderado a consumidor final" (PMPF), uma média criada a partir dos dados informados por todos os estados sobre o preço do combustível praticado na bomba dos postos de gasolina. Munida dessa informação, a Comissão Técnica Permanente do ICMS (Cotepe) publica atos, mensalmente, com os preços médios ponderados ao consumidor final de cada um dos combustíveis (GAC, GAP, diesel, GLP etc.) por estado.

Diante desses conceitos, agora é possível esclarecer que a medida de congelamento do ICMS, na verdade, correspondeu à mera fixação do PMPF vigente aos valores publicados em 1º de novembro de 2021, que perdurarão até o dia 31 deste mês. Assim sendo, para fins de cálculo do ICMS-ST pela refinaria, no exemplo que estamos adotando, o montante a pagar será o mesmo, por três meses. Ocorre que a base de cálculo presumida, utilizada como parâmetro para o ICMS-ST, não é definitiva. O STF já definiu que, caso o valor final seja inferior ao presumido, o contribuinte terá direito a imediata e preferencial "restituição" (RE 593.849/MG). Por sua vez, os estados têm entendido que essa decisão lhes é aplicável, e passaram a cobrar "complementos" do ICMS-ST, quando o valor final for superior ao presumido.

Ainda, é importante fixar o entendimento de que não é o ICMS que tem aumentado o valor dos combustíveis, pois as alíquotas, na maior parte dos estados, não mudaram. Já se sabe que são outros fatores que impactam no aumento desses preços, tais como o valor do dólar e o preço do barril no mercado internacional.

Ora, se assim for, os preços dos combustíveis podem continuar aumentando, apesar da fixação do PMPF dos combustíveis. Dessa forma, os estados poderão cobrar o complemento do ICMS-ST não pago, em razão de ter sido calculado com base em PMPF inferior ao preço efetivo das bombas dos postos de gasolina. Ainda, é possível considerar que os preços finais podem diminuir, o que deveria levar à diminuição do ICMS-ST pago pelas refinarias. Dessa forma, a fixação do PMPF pode gerar o efeito indesejável de fixar o ICMS-ST em patamares elevados, prejudicando a diminuição natural do preço, com base nas variações do mercado.

Dessa forma, vê-se que a medida não é suficiente para estabilizar os preços dos combustíveis, podendo prejudicar a flutuação dos preços no mercado e trazer novos litígios entre contribuintes e Fiscos estaduais.

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