Opinião

Lei que criou a sociedade anônima do futebol vira camisa dez da governança

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3 de janeiro de 2022, 7h11

2021 chegou ao fim e uma das leis que tantas vezes ecoaram no país neste ano está novamente sob a luz dos holofotes. Recentemente, o Vasco anunciou ter começado o planejamento para colocar em prática sua transformação em SAF, enquanto Ronaldo noticiou adquirir 90% das ações do Cruzeiro.

E, com isso, é possível dizer que a Lei nº 14.193, que desde sua publicação, em agosto, vinha ganhando importância, passou a ser a camisa dez  se me permitem a expressão. A Lei nº 14.193 trata, nada mais, nada menos, da estrutura jurídica de uma das facetas mais famosas do Brasil: o futebol.

Para além de paixão nacional, o futebol é cartão de visitas do país no mundo e é o esporte que representa a maior movimentação financeira no país. A Lei nº 14.193/2021 institui a sociedade anônima do futebol (SAF), trazendo a possibilidade de os clubes, antes constituídos como associações, tomarem a forma de sociedade anônima. Com isso, não apenas temos uma nova natureza jurídica, mas todo um leque de possibilidades de regras de governança, remuneração e diversificação de operações, entre outras, aplicáveis.

Como sociedades anônimas, as SAFs são subsidiariamente regidas pela Lei da SA (a Lei nº 6.404/76), mas também têm regramento específico, sobretudo em termos de governança.

Mas, então, quais os requisitos de uma SAF?

A SAF deverá ter por atividade principal a prática do futebol  feminino e masculino  em competição profissional. A própria lei trata das atividades que poderão compor seu objeto social, todas direta ou indiretamente relacionadas a esse esporte, e que vão desde o fomento e o desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática do futebol, passando pela formação de atleta profissional de futebol e a obtenção de receitas decorrentes da transação dos seus direitos desportivos, até atividades como a exploração econômica de ativos, inclusive imobiliários.

A SAF poderá já ser criada com natureza de sociedade anônima, ou advir de um clube ou pessoa jurídica já existente. Em advindo de um clube ou pessoa jurídica, a sociedade os sucede em seus direitos, inclusive em competições de futebol, e emite ações de classe A, para serem detidos por esse antecessor.

Essas ações classe A  detidas, então, pelas pessoas jurídicas que originaram a SAF  serão necessárias para a aprovação de uma série de deliberações. Por exemplo, se essa classe de ações representar pelo menos 10% do capital social votante ou do capital social total, o antecessor e acionista deverá aprovar a alienação de qualquer imóvel ou direito de propriedade intelectual conferido pelo clube original para formação do capital social e, inclusive, para a participação nas competições do Sistema Nacional do Desporto. O voto desses titulares também será necessário  independentemente da porcentagem de ações classe A  para, por exemplo, modificação dos signos identificativos da equipe de futebol profissional, além da mudança de denominação ou município da sede.

Trata-se de entregar ao clube ou pessoa jurídica originária o direito  e a responsabilidade  por definições estratégicas e importantes para a operação da sociedade.

Independentemente da classe de ações, visando a reduzir o risco de conflito de interesses, a lei veda, por exemplo, que o controlador de uma determinada SAF detenha participação direta ou indireta em outra. Mesmo que não seja controlador, se detiver mais de 10% das ações com direito a voto esse acionista não poderá votar nem participar da administração de nenhuma das SAFs que compuser.

Nesse mesmo sentido está a obrigatoriedade de o acionista que for pessoa jurídica e detiver pelo menos 5% do capital social da SAF informar não apenas à sociedade, como também a entidade nacional de administração do desporto, quem é seu controlador. Em não o fazendo, o acionista ficará sujeito à suspensão dos seus direitos de voto e retenção dos dividendos, juros sobre o capital próprio ou remuneração.

Já para os órgãos de administração, temos determinações de duas naturezas: a primeira delas é a necessidade de existência e funcionamento permanente de conselho de administração e o conselho fiscal. Vale lembrar que nas demais sociedades anônimas nem sempre o conselho de administração será obrigatório, e não é raro que o conselho fiscal, embora existente, não seja instalado.

A segunda natureza é de limitações à sua composição. É que nenhum desses conselhos poderá ser composto por membros de administração de outras SAFs, de clube ou pessoa jurídica de futebol (que não seja a que originou aquela SAF), atleta de futebol com contrato de trabalho desportivo vigente, árbitro ou treinador em atividade.

No caso do conselho de administração, caso o conselheiro eleito seja também acionista, não poderá receber remuneração. Já para o conselho fiscal e a diretoria (esta última deverá ser composta apenas por diretores em regime de dedicação exclusiva) também não poderão ser eleitos os acionistas, empregados ou membros da administração da respectiva sociedade.

Por fim, espelhada na legislação societária geral, e replicada pela Portaria ME nº 12.071, a lei estabelece que para as SAFs com receita bruta anual de até R$ 78 milhões as publicações obrigatórias poderão ser realizadas de forma eletrônica, resguardada a necessidade de mantê-las no site pelo prazo de dez anos, juntamente com outras informações exigidas pela lei, o que, indiscutivelmente, reduz burocracias e custos para a sociedade.

O Brasil tem visto o início do movimento de transformação dos clubes em SAFs. O próximo ano parece confirmar essa tendência e noticiar ainda mais transformações.

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