Direito Eleitoral

Ano novo, e quais os seus desejos para as eleições gerais vindouras?

Autores

  • Juliana Rodrigues Freitas

    é advogada doutora e mestra em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) professora da graduação e mestrado de Direito Constitucional Eleitoral e Desenvolvimento no Centro Universitário do Pará conselheira seccional e presidente da Comissão de Implantação da LGPD OAB/PA.

  • Maíra de Barros Domingues

    é mestra em Ciência Política analista judiciária do TRE do Pará e Tesoureira da Abradep.

3 de janeiro de 2022, 12h41

Os melhores desejos e aquelas promessas que sempre foram esquecidas no decorrer dos meses passados, geralmente nos invadem no final de um ciclo anual com o sentimento mais genuíno de mudança, para melhor, é claro! Vivemos em coletividade e a nossa qualidade de vida tanto melhor será quanto menores forem as desigualdades entre nós, os abismos que nos afastam e mais eficientes forem as instituições, em um diálogo harmônico entre si, nos moldes estabelecidos pela Constituição Federal, rumo ao desenvolvimento, que não se apresenta apenas como um objetivo da República brasileira, mas como um direito de todos nós que estamos em solo nacional.

Reiterando velhos costumes de ano anteriores pré-eleitorais, em 2021 foram aprovadas algumas normas esparsas que serão aplicadas nas próximas eleições gerais, atendendo à vacatio legis estabelecida pelo artigo 16 da CF/88. O antigo sonho dos e das eleitoralistas de atuarem com base em um Código Eleitoral atualizado foi postergado para constar no rol dos desejos do próximo ano par, das eleições municipais, porque, apesar de aprovado pela Câmara dos Deputados, em um movimento de trabalho extremamente elaborado, os (as) senadores (as) da República entenderam a necessidade de mais maturidade para o enfrentamento, discussão e aprovação do seu texto. 

Inaugurando a ambientação da legislação aprovada e que regerá as eleições gerais que já estão sendo trabalhadas nos bastidores da política, e não necessariamente seguindo uma ordem cronológica de aprovação, apresenta-se a Emenda Constitucional nº 111/21, que altera a data da posse de governadores (as), para 6 de janeiro do ano subsequente ao da eleição, e presidente (a) da República, para 05 de janeiro do ano subsequente ao da eleição, regra esta que valerá a partir das eleições de 2026, e estabelece para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro, regras, portanto, transitórias para distribuição do fundo eleitoral, cujos valores destinados aos partidos políticos na Lei Orçamentária Anual podem alçar a estratosférica marca de 5,7 bilhões de reais, após a derrubada do veto presidencial pelo Congresso Nacional, aposto contra a possibilidade de expansão do valor do fundo eleitoral para 2022. 

Norma nova com ranço das marcas de uma sociedade estruturada em disparidades que nos consomem, e estão longe de um fim. A invisibilização de vários grupos que integram o núcleo social brasileiro que não são alcançados pela legislação eleitoral, ainda nos assusta: indígenas, comunidades tradicionais, LGBTQIA+, quilombolas, …, grupos excluídos e negligenciados pelas instituições, não apenas do próprio conceito "povo brasileiro", mas dos mais distintos mecanismos que deveriam ser criados para garantir o seu pertencimento, a sua representatividade, e de forma legítima, sob essa perspectiva, porque plural, das bases democráticas do nosso Estado.

Ou, ainda, a própria Lei 14.192/21, que traz a necessária previsão de normas pra prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, e altera legislação pretérita para dispor sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral, para criminalizar a violência política contra a mulher e para assegurar a participação das mulheres em debates eleitorais proporcionalmente ao número de candidatas às eleições proporcionais.

E que não somente essa proporcionalidade, como o próprio conceito de violência política contra a mulher, sejam devidamente acompanhados por todas as interseccionalidades que atravessam o debate sobre mulheres, especialmente porque é na política que temos o ambiente necessário para a transformação desse status quo imposto por um patriarcado que não representa a nós, mulheres.

Esse novo cenário é também composto pela Lei Complementar 184/21 que, alterando a LC 64/90, exclui da incidência da inelegibilidade os responsáveis que tenham tido contas julgadas irregulares sem imputação de débito e com condenação exclusiva ao pagamento de multa; bem como a Lei 14.197/21 que, ao tempo em que acrescenta um título na parte especial do Código Penal relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, revoga a Lei de Segurança Nacional, elaborada no ambiente ditatorial vivenciado por nós por longos 20 anos.

Ainda a Lei 14.208/21, que institui as federações de partidos políticos, para muitos assemelhado às coligações partidárias, e por isso, na mesma lógica, inconstitucional; inclusive, a Lei 14.211/21, com redação ajustada à vedação constitucional das coligações nas eleições proporcionais, fixa critérios para a participação dos partidos políticos e candidatos(as) na distribuição dos lugares pelo critério das maiores médias nas eleições proporcionais, e para reduzir o limite de candidatos(as) que cada partido poderá registrar nas eleições proporcionais.

Para o ministro Luís Roberto Barroso, contudo, em sede do julgamento da Medida Cautelar na ADI 7021, ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro, a norma que introduz no ordenamento eleitoral as federações partidárias não contém vício de inconstitucionalidade formal ou material, justamente por apresentar importantes pontos de distinção em relação às coligações, e, nesse sentido, decidiu que as federações partidárias devem obter registro de estatuto até seis meses antes das eleições, mesmo prazo definido em lei para que qualquer legenda esteja registrada e apta a lançar candidatos ou candidatas. O ano eleitoral começa agitado, inclusive, no âmbito do STF, em razão do julgamento em plenário dessa cautelar! 

Aliás, as decisões eleitorais devem ser fundamentais para balizar a aplicação do princípio constitucional da igualdade formal, tantas vezes fragilizado e negligenciado nos julgamentos. E assim, se cabe um desejo de ano novo, que a igualdade formal seja o norte-mor da construção das decisões que atingem a todos e todas. Que sejam definidos objetivamente quais critérios nos casos sub judice têm relevância jurídica capazes de interferir no resultado da lide, seja para aproximá-lo que distanciá-lo das decisões proferidas anteriormente.

Abuso do poder religioso; a interferência das redes sociais e o seu respectivo controle,  através da realização de shows virtuais como fonte de arrecadação de recursos para campanha, ou lives para promover a disseminação potencializada de agressões infundadas contra a democracia, em todos os seus vieses; a insuficiência da apresentação da carta de anuência pelo partido político para permitir o desligamento sem a apresentação da devida justa causa, todas pautas que seguem atuais.

Em 2021 foram aprovados 63 Enunciados pelo Tribunal Superior Eleitoral, em uma estreita parceria com a ABRADEP, que deverão ser observados também nas próximas eleições. A observação eleitoral nacional, pioneiramente realizada pela Transparência Eleitoral Brasil nas eleições municipais ocorridas em 2020, alcançará, dessa vez, as eleições gerais. E a Lei Geral de Proteção de Dados que vigora no país tem a sua aplicação orientada por agentes de tratamento no contexto eleitoral em um guia elaborado pela ANPD em parceria com o TSE.

Ufa! O ano está apenas começando, mas já temos muito para refletir sobre o que queremos nessas eleições; afinal, não basta que somente projetemos os nossos desejos e a esperança de dias melhores: é preciso que ajamos no sentido de provocar as tão necessárias mudanças que precisamos, porque a concretização da democracia, deve-nos ser cara, além de demandar o nosso empenho para a construção de uma sociedade justa, plural, representativa, enfim, desenvolvida!    

E qual o seu desejo para esse novo ano eleitoral? Nos limites estabelecidos pela democracia, todos os desejos podem ser realizados!

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    é advogada, doutora e mestra em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA), professora da graduação e mestrado de Direito Constitucional, Eleitoral e Desenvolvimento no Centro Universitário do Pará, conselheira seccional e presidente da Comissão de Implantação da LGPD, OAB/PA.

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    é mestra em Ciência Política, analista judiciária do TRE do Pará e Tesoureira da Abradep.

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