Opinião

O garantismo hermenêutico e a nossa distopia jurídica do passado

Autor

  • Alexandre José Trovão Brito

    é advogado em São Luís especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.

1 de janeiro de 2022, 14h11

Uma hermenêutica preocupada com a democracia é aquela que tem compromisso com a correta interpretação dos textos legais e com a boa aplicação do texto constitucional. Interpretar não é somente a atividade de fixar o alcance da lei, mas também estabelecer limites para os aplicadores do Direito e materializar os direitos dos jurisdicionados.

Atitudes como amarrar a tarefa do intérprete e concretizar os direitos do cidadão são aquilo que eu chamo de garantismo hermenêutico. Em outras palavras, devemos garantir o direito do indivíduo de receber a prestação jurisdicional do Estado quando provocar a máquina judiciária. Trata-se de dar a cada um aquilo que é seu de direito. Essa deve ser a máxima norteadora de uma boa hermenêutica.

A hermenêutica é uma tecnologia interpretativa a serviço do jurista e da sociedade. É por meio dela que os operadores-intérpretes-aplicadores do Direito lançam mão de elementos para construir a ordem jurídica dentro de um Estado democrático do Direito.

As regras e os princípios jurídicos são instrumentos valiosos para o cotidiano forense. Entretanto, os códigos, as leis e a própria constituição só podem ser aplicados no momento em que a tarefa de interpretar ocorre no caso concreto. É bom que isso fique bem claro: a interpretação é o meio, a forma por excelência de viabilizar os comandos do Direito.

O ser humano está no mundo. E basta isso para se transformar em um agente hermenêutico. Interpretar é perceber o mundo por meio do ato de pensar e analisar. É justamente isso que nos diferencia das outras espécies de seres vivos. Somos seres produtores de sentidos.

Os sentidos valem. Afinal de contas, se eles não valessem, o nosso propósito no mundo não valeria. Não somos seres herméticos, somos seres hermenêuticos. O indivíduo é aberto aos sentidos, pois a todo momento estamos construindo-os. E eles também nos constroem enquanto seres civilizacionais.

A partir da virada linguística, a atividade interpretativa do ser humano ocorre por meio de um modelo de linguagem típico das democracias e do próprio Estado de Direito. Ou seja, pela linguagem compartilhada. Aquela que ocorre por meio do debate, do questionamento e da produção de sentidos originários da comunidade de intérpretes.

O garantismo hermenêutico se revela como uma ferramenta indispensável para a atuação dos cultivadores do ordenamento jurídico. Vale dizer, a partir do instante em que a hermenêutica entra em cena para possibilitar a atividade jurisdicional como poder voltado para a boa aplicação do Direito, os destinatários da norma podem ter seus direitos assegurados.

A crítica hermenêutica que defendo é colocar travas na discricionariedade dos agentes públicos, notadamente aquela relacionada às decisões judiciais. Juiz é um importante intérprete da lei, mas não um legislador. Ele não foi eleito pelo povo para o Parlamento. Ele é um agente que pertence aos quadros do Poder Judiciário e assim deve se portar.

Um dia, os juristas de amanhã vão olhar pelo retrovisor da história e, muito provavelmente, vão perceber que a distopia jurídica do Brasil não é uma possibilidade para o futuro, mas, sim, um fato do passado. Uma distopia à brasileira. Aliás, o Brasil sempre foi isso, um país marcado pelos problemas, dores e crises do passado.

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