Justiça Tributária

Os direitos dos contribuintes brasileiros serão protegidos!

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  • é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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28 de fevereiro de 2022, 8h00

Desde o nascimento desta revista eletrônica, que neste ano completa 25 anos, o nosso foco nesta coluna sempre foi a defesa dos direitos dos contribuintes. Como sou muito otimista, apesar de todos os problemas que nos atingem, acredito na possibilidade de que possamos contar, em breve, com uma legislação que ilumine o caminho de trevas percorrido pelo contribuinte brasileiro.

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Essa esperança veio com a cópia enviada pelo deputado Felipe Rigoni (União Brasil-ES) do projeto de lei complementar que apresentará para ser discutido em breve no Congresso, com o propósito de regulamentar normas destinadas a proteger os direitos do contribuinte no relacionamento com a fiscalização tributária em todos os níveis de poder.

Um dos princípios que a medida proposta pretende ver aprovados refere-se à "necessidade de se asseverar os direitos fundamentais do contribuinte, principalmente quanto à ampla defesa e ao contraditório em quaisquer repartições fazendárias públicas, inclusive àquelas que representem judicial ou extrajudicialmente os interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" (artigo 4º, IV).

O texto do projeto reúne um total de 37 artigos e propõe no último deles que a lei complementar, uma vez aprovada, entre em vigor em 1º de julho próximo.

A proposta está muito bem elaborada, tanto no que se refere aos procedimentos administrativos quanto aos meios de proteção dos direitos dos contribuintes. Aliás, parte disso é tema de várias matérias já publicadas nesta revista.

O nosso Código Tributário Nacional preocupa-se tão somente com a arrecadação e a administração tributária, não dando qualquer indicação de que os direitos do contribuinte devam ser legalmente protegidos. Além disso, o procedimento administrativo que vigora hoje é um amontoado de normas injustas, absolutamente contrárias a qualquer princípio de isonomia.

Quase ninguém sabe, mas existe a Lei 12.325, de 15 de setembro de 2.010, que criou o Dia Nacional de Respeito ao Contribuinte e foi sancionada pelo então presidente Lula. Essa lei possui apenas dois artigos:

"Artigo 1º — Fica instituído o Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte, data de conscientização cívica a ser celebrada, anualmente, no dia 25 de maio, com o objetivo de mobilizar a sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a importância do respeito ao contribuinte.
Artigo 2º — Os órgãos públicos responsáveis pela fiscalização e pela arrecadação de tributos e contribuições promoverão, em todas as cidades onde possuírem sede, campanhas de conscientização e esclarecimento sobre os direitos e os deveres dos contribuintes.
Parágrafo único. Os servidores dos órgãos referidos no caput participarão ativamente das atividades de celebração do Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte".

Parece-nos que o texto dessa lei foi uma brincadeira de mau gosto praticada por pessoas que vivem num mundo paralelo, totalmente distante da nossa realidade, que ignoram o que significam nossa carga tributária e a burocracia infernal que nos sufoca. Tal situação faz com que a sociedade brasileira se veja forçada a reagir, na maioria das vezes movimentando o nosso Judiciário para tentar obter alguma proteção. Para tentar viabilizar essa proteção, criam-se entidades sem fins lucrativos que, através de instrumentos legais, acionam a máquina judiciária.

Um exemplo desse esforço está na Adin nº 5.422, promovida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) para que seja extinta a cobrança do Imposto de Renda nas pensões alimentícias. Nossos leitores podem consultar a matéria noticiada no último dia 10.

O Ibdfam invocou a Lei 7.713/1988 e o Regulamento do Imposto de Renda vigente para que seja eliminada a incidência do imposto nas obrigações decorrentes de pensão alimentícia. Pelo que vemos na notícia, o Supremo Tribunal Federal já formou maioria favorável à matéria.

Mas o que nos falta mesmo em matéria tributária é uma ampla reforma, que possa: a) tornar a carga tributária suportável pelos contribuintes brasileiros, eliminando os casos de cobranças cumulativas e protegendo-nos dos casos de confiscos; b) criar um sistema tributário de regras simples e objetivas, afastando as possibilidades de interpretações discutíveis dos regulamentos fiscais; e c) ampliar as garantias de proteção aos contribuintes, mediante instrumentos de defesa adequados nos casos de contenciosos tributários.

A carga tributária brasileira é uma das mais pesadas do mundo, representando cerca de 40% do PIB. Por outro lado, o valor das deduções permitidas com dependentes na declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física não condiz com a realidade. Para esse exercício, o limite é de R$ 2.275,08 para cada dependente, o que indica menos de R$ 200 por mês, insuficientes para alimentar uma pessoa!

O limite individual com despesas de educação também está fora da realidade, pois indica apenas R$ 3.561,50 para todo o ano, menos de R$ 300 por mês!

A imprensa tem divulgado que o número de contribuintes obrigados a declarar o imposto ultrapassa 34 milhões de pessoas. Em várias oportunidades já comentamos a necessidade de seguirmos um sistema de tributação progressivo do IRPF, de forma que as pessoas que ganhem menos paguem de acordo com sua situação e que as alíquotas maiores sejam aplicadas aos que percebam rendimentos mais expressivos.

Ora, o primeiro princípio a ser observado em qualquer cobrança de imposto é o da capacidade contributiva, explícito no artigo 145, §1º, da Constituição:

"§1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".

Por outro lado, a enorme burocracia e as inúmeras interpretações equivocadas na aplicação da legislação tributária trazem fatos que fazem aumentar o sacrifício dos contribuintes. Vejam-se, por exemplo, os custos relacionados com defesas e recursos contra cobranças indevidas. Há casos em que os contribuintes também sofrem autuações com multas confiscatórias e totalmente abusivas.

Há precedentes em que o Poder Judiciário consegue reparar o erro, como ocorreu na sentença da qual transcrevemos o seguinte trecho:

"…Se em qualquer ramo do direito não se pode acolher, passivamente, que o Estado legisle ferindo preceitos básicos do sistema de equilíbrio entre o seu poder e os direitos e garantias individuais , com maior razão , no contexto do direito administrativo o mesmo não pode se dar. A multa cobrada é nitidamente desproporcional à infração cometida e fere a capacidade de pagamento do autor…Por isso, vemos sentido em cancelar a aplicação da multa, considerando inconstitucional a lei que fixa seu valor, por desrespeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade." (Guilherme de Souza Nucci, juiz da 9ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, proc. 596.053.01.009936-3, sentença de 21/11/2002, DJE 4/2/2003).

Podemos concluir que a esperada e indispensável reforma tributária, tantas vezes prometida, precisa ser discutida com urgência por todos os segmentos da sociedade, a fim de que o nosso Poder Legislativo, superado o burburinho eleitoral repleto de paixões e interesses, possa superar o quadro atual e nos permitir um sistema em que predomine a necessária justiça tributária!

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  • é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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