Opinião

PL das Criptomoedas já vem tarde

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27 de fevereiro de 2022, 13h12

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 3.825/2019, encaminhando-o para Plenário. Se aprovado o projeto, o setor de criptoativos no Brasil encontrará alguma regulamentação, ainda que tardia.

De certo, esse caminho já teria que ter sido trilhado há muito. A dificuldade (ou ainda, falta de interesse) em regular os ativos criptográficos é motivo crucial para as batalhas envolvendo o setor da criptoeconomia. A regulamentação deste é, e deveria ser, urgente e necessária e, principalmente em termos de Brasil, o controle regulatório é moroso em relação às inovações. Ora, a internet comercial no Brasil surgiu em 1994 e o Marco Civil da Internet é lei aprovada em 2014, 20 anos após o surgimento.

A morosidade faz os inovadores buscarem com urgência procedimentos e regulação semelhantes. Ora, sabe-se que já se existiam mecanismos de controle por parte das corretoras de criptomoedas, que se espelharam na regulamentação bancária. Tendo em vista que historicamente corretoras e instituições financeiras sempre digladiaram, as corretoras copiaram seus mecanismos de controle da regulamentação das instituições financeiras. Infelizmente, como em todo caso de inovação tecnológica, os conflitos advieram das próprias interações — bancos buscaram encerrar contas de corretoras, processos cíveis, criminais e de concorrência apareceram e o público em geral cuidou de endossar a ótica de que a inovação seria mecanismo de lavagem de dinheiro.

O projeto de lei, se aprovado, aparece ao público pelo menos cinco anos após o boom da bitcoin de 2017, ano em que a moeda veio a ser amplamente conhecida e a principal corretora de criptomoedas do Brasil passou a ter mais clientes do que a bolsa de valores. Porém, a regulamentação atrasada imputou a essa inovação a pecha de "moeda dos criminosos", "esquema de pirâmide", entre outras, e, sem encontrar regulamentação, os próprios agentes governamentais travaram guerras contra a inovação, querendo misturar a tecnologia aos esquemas fraudulentos praticados pelos criminosos que se utilizaram desta para cometer delitos.

Houve casos, de fato, em que a hype da inovação que é a bitcoin foi utilizada por pessoas de pouca fé para cometer crimes e fraudar operações. Mas as próprias autoridades envolvidas nas investigações imploravam por uma regulamentação a ser aplicada ao setor. A indefinição sobre o regime jurídico das criptomoedas causou prejuízos ao setor, uma vez que este movimentou, em 2020,  R$ 127 bilhões, segundo a Receita Federal. E é graças à própria Receita que temos essas informações, uma vez que esta foi a pioneira a regulamentar, de alguma forma, os criptoativos. Os recibos de transação gerados pelas corretoras hoje são prova concreta de suas operações exigida por todas as partes com que estas corretoras transacionam.

O ponto positivo do projeto é a definição das regras que há muito deveriam existir: 1) a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tão somente deve se preocupar com os ativos considerados como valores mobiliários; 2) deve haver um regulador a autorizar a atividade das corretoras de criptomoedas, seja o Bacen ou quem for determinado pelo Executivo; 3) mecanismos de prevenção de lavagem de dinheiro e ocultação de bens devem ser aplicados pelas prestadoras de serviço de ativos virtuais conforme padrões internacionais; e 4) as corretoras de criptomoedas tornar-se-ão obrigadas a reportar operações ao Coaf. Muitas das regras positivadas em lei já eram seguidas pela maioria das corretoras que se considerassem minimamente sérias. E de novo volta-se ao problema inicial: a regulação chegou tão tarde que há, por uma parte considerável do mercado, repúdio à inovação que é a criptomoeda. Esses mecanismos criptografados de pagamento — anote-se — vieram para ficar e facilitar as transações em escala global.

Dessa forma, o projeto de lei, se aprovado, é algum conforto de operação aos participantes do setor e às suas contrapartes. Mas é preciso esclarecer: Entre os inúmeros defeitos que qualquer regulação há de ter, o principal que será imputado a este é seu atraso. Ainda que a regulamentação do setor da criptoeconomia como proposta pelo PL seja passo essencial e oportuno, é uma medida que, repete-se, já deveria ter ocorrido há muito.

Não somente isso — a preocupação do projeto de lei, por ora, é o ativo virtual que não seja ativo representativo de valor mobiliário. De fato, a inovação trazida pelas criptomoedas e pela blockchain foi minimamente regulamentada, e essa regulação deveria ter ocorrido há anos. Uma vez obtida a regulação mínima, a dúvida sobre NFTs (non fungible tokens), sobre DeFi (Decentralized Finance) e outros produtos diretos da inovação primeira deve surgir.

O correto seria o projeto voltar à fase de estudos, uma vez que essas inovações já representam hoje aspecto fundamental do futuro das finanças e do mercado de capitais. Mas não há quem cogite essa possibilidade, pois, em termos de Brasil, correríamos o risco de esperar 20 anos.

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