Um novo tempo

'A Corregedoria-Geral de Justiça de São Paulo será voltada a um retorno social'

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26 de fevereiro de 2022, 7h34

O novo corregedor-geral de Justiça de São Paulo, desembargador Fernando Antônio Torres Garcia, pretende fazer uma gestão voltada a um retorno social, ou seja, uma prestação jurisdicional à sociedade paulista, focada em áreas como infância e juventude e violência contra a mulher, além da aceleração do pagamento de precatórios.

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Entre os projetos de Torres Garcia para os dois anos de mandato, no biênio 2022-2023, estão o incentivo a adoções, que caíram durante a pandemia da Covid-19, e a recolocação de menores infratores após o período de internação, especialmente no mercado de trabalho e em cursos técnicos, para evitar a reincidência.

"A violência doméstica também cresceu durante a pandemia e está merecendo uma melhor atenção não só do tribunal, mas especificamente da Corregedoria. Vamos colaborar em ações visando à proteção da vítima, seja qual for o tipo de violência praticada, psicológica ou física", afirmou o corregedor em entrevista à ConJur.

O desembargador também disse já ter conversado com o presidente Ricardo Anafe sobre a questão dos precatórios, recebendo sinalização positiva: "Tudo com um único objetivo, de dar a cada um o que é seu. Aquele que espera por anos o pagamento de um precatório, que tenha seu direito reconhecido e efetivado".

Além disso, o corregedor disse que tem trabalhado com a Polícia Civil para instalar em todas as comarcas do estado salas de videoconferência para audiências com presos, incluindo as de custódia. "O preso tem todos os seus direitos constitucionais preservados nesse modelo", garantiu ele.

Leia a seguir a entrevista:

ConJur — O senhor poderia falar da sua trajetória na magistratura e por que decidiu se candidatar à Corregedoria-Geral de Justiça?
Fernando Antônio Torres Garcia Sou juiz de carreira. Fiz concurso em 1983 e tomei posse em 6 de janeiro de 1984 como juiz substituto de Osasco. Depois fui titular nas comarcas de Mirandópolis, Indaiatuba, Diadema e na capital. Fui titular da 2ª Vara de Família e Sucessões e da 2ª Vara Criminal, ambas do Foro Regional da Lapa. Não quis, por opção, ser juiz substituto em segundo grau. Esperei minha vaga como desembargador e fui promovido em fevereiro de 2008.

Fui presidente da Seção de Direito Criminal no biênio 2018-2019. Antes disso, no biênio 2016-2017, fui conselheiro da Escola Paulista da Magistratura e, no último biênio, 2020-2021, repeti o conselho da Escola Paulista da Magistratura. Depois da experiência no Conselho Superior da Magistratura, como presidente da Seção de Direito Criminal, percebi que, pelo meu tipo pessoal de agir, pela minha atuação na magistratura ao longo de 38 anos, a Corregedoria era um órgão que me interessava como carreira, sobretudo como desafio. Estou aqui atendendo ao que, acredito, seja uma vocação e, ao mesmo tempo, encarando o desafio que me é muito caro. Estamos falando de mais de 2,2 mil juízes, 35 mil funcionários, 1.545 delegações extrajudiciais com mais 20 mil funcionários. Se alguém quer arrumar um tipo de atividade ocupacional, a Corregedoria me parece ótima opção.

Meu amigo e ex-presidente Geraldo Pinheiro Franco, que foi corregedor antes de ser presidente, sempre dizia que, na Corregedoria, gerimos mais do que muitos municípios de São Paulo. A atividade é full time. Quem se dispõe, não só o corregedor, mas os funcionários, os juízes assessores, têm de ter isso em mente, que é uma dedicação absolutamente exclusiva, e que estamos aqui para apagar incêndio todo dia, e socorrer os magistrados e funcionários.

ConJur — Quais os principais projetos que o senhor pretende implementar nos próximos dois anos?
Fernando Antônio Torres Garcia A Corregedoria tem um espectro de ação muito amplo. O nosso leque de opções é muito grande, de maneira que é impossível em 24 meses atingir todas as áreas do Poder Judiciário. Mas, se a pandemia permitir, pretendo percorrer todo o estado de São Paulo, fazer as correições presenciais, sobretudo no interior. O juiz do interior está com uma ausência física do corregedor, da direção do tribunal em razão da pandemia. A primeira coisa é voltar a presença física do corregedor em todo o estado, não como órgão censor, fiscalizador, muito ao contrário, como um órgão de apoio. A nossa bandeira é de auxílio e orientação aos magistrados de primeiro grau e aos servidores. Evidentemente que não vamos deixar de lado os casos que impliquem em procedimentos disciplinares, mas não é a principal intenção.

ConJur — No discurso de posse, o senhor citou três áreas principais de atuação. Poderia falar mais sobre isso?
Fernando Antônio Torres Garcia  Entre todo esse amplo espectro da Corregedoria, há três pontos que vou buscar com afinco solucionar, ou pelo menos ajudar. A Corregedoria será voltada a um retorno social. Vamos procurar fazer da atividade da Corregedoria uma prestação jurisdicional voltada à sociedade de São Paulo. Como? Por exemplo, na área da infância e da juventude, tentar incrementar cada vez mais as adoções, sobretudo as adoções tardias. Na pandemia, o número de adoções caiu bastante, isso é natural, as pessoas ficaram em casa e tiveram outras prioridades. Na área da infância infracional, um programa de recolocação do menor infrator após a internação, especialmente no mercado de trabalho, com um ensino técnico, para que se evite a reincidência infracional.

Depois, temos a área de violência doméstica e familiar. A violência doméstica cresceu durante o período de pandemia e está merecendo uma melhor atenção não só do tribunal, mas especificamente da Corregedoria. Vamos colaborar com a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário de São Paulo (Comesp), comissão que é presidida pela desembargadora Maria de Lourdes Rachid, que tem como subcoordenadora a desembargadora Gilda Cerqueira Alves de Barbosa, em ações visando à proteção da vítima, seja qual for o tipo de violência praticada, psicológica ou física. Já temos conversas com as desembargadoras para ampliar os horizontes da proteção à vítima da violência doméstica.

Por fim, e aí dependo de negociações com a presidência do tribunal, mas já conversei com o presidente Ricardo Anafe, será uma agilização nas Varas de Fazenda Pública e da Unidade de Processamento das Execuções contra a Fazenda Pública (Upefaz), terminando toda a digitalização dos processos da Upefaz. Depois, se for o caso, criar mais Varas de Fazenda Pública. Tudo com um único objetivo, de dar a cada um o que é seu. Ou seja: aquele que espera por anos o pagamento de um precatório, que tenha seu direito reconhecido e efetivado. Então, basicamente são essas três áreas, que, hoje, nos trazem maior aflição.

ConJur O senhor disse que já conversou com o presidente Ricardo Anafe sobre agilizar o pagamento dos precatórios. Ele sinalizou de forma positiva?
Fernando Antônio Torres Garcia Sim, logo após a eleição já conversamos a esse respeito. Ele pensa da mesma forma que eu.

ConJur Ainda falta muito para concluir a digitalização dos processos da Upefaz?
Fernando Antônio Torres Garcia Não. Acredito que, no mais tardar entre maio e julho, isso deva estar terminando. Não há mais que se pensar em processo de papel. É inimaginável. Claro que ainda temos processos físicos, e precisamos dar conta. Uma das maneiras é justamente promovendo a digitalização. Somente com o processo 100% digital teremos, cada vez mais, uma prestação jurisdicional eficiente, de qualidade e rápida, o que é importante. É o que a sociedade quer. Nós somos meros prestadores de serviço, servidores públicos e devemos ter como meta uma prestação jurisdicional rápida, efetiva e de qualidade.

ConJur Das medidas que foram implantadas pela gestão passada durante a pandemia, como citações e audiências virtuais com réus presos, o que o senhor pretende manter?
Fernando Antônio Torres Garcia Tudo. Porque tudo se mostrou extremamente útil e necessário. Nunca o computador vai substituir o cunho decisório do magistrado, é impossível e nem nós queremos. Mas os mecanismos telepresenciais têm de ser cada vez mais incentivados. Por exemplo, a Polícia Civil se comprometeu, e tem nos ajudado muito, na criação de salas de videoconferência por todo o Estado. A partir do momento em que todas as comarcas tiverem salas de videoconferência, haverá enorme economia com o transporte e apresentação de presos, escoltas etc. A intenção é que não se perca o amplo direito de defesa e a necessidade do contraditório, mas, sempre que possível, o trabalho remoto deve ser incentivado.

Sou muito favorável ao trabalho presencial, sempre fui refratário à Justiça a distância, mas todos nós, até os mais refratários como eu, temos de dar o braço a torcer de que funciona, e funciona muito bem. Essa é a realidade hoje. Não vamos fechar fórum, não deixar juízes nos fóruns, porque a presença física do juiz é fundamental em todas as comarcas, mas em um momento de exceção, como o de pandemia, é preciso alternativas eficientes.

Quando eu presidia a Seção de Direito Criminal, por exemplo, não se faziam julgamentos virtuais. Não era do perfil dos desembargadores da seção. Quando deixei a presidência, só duas ou três câmaras faziam o julgamento virtual. A partir de 16 de março de 2020, quando iniciou a decretada a pandemia, isso teve de ser feito. Hoje, se perguntar a cada um dos 80 desembargadores da seção, ninguém quer voltar atrás, porque se mostrou eficiente, de qualidade e rápido. Em qualquer área, em qualquer atividade humana, o novo é assustador, mas depois que se passa pelo primeiro impacto, é possível perceber os benefícios que a nova atividade traz.

ConJur Como está a questão de audiências de custódia virtuais?
Fernando Antônio Torres Garcia O tribunal tem seguido a regulamentação do Conselho Nacional de Justiça. As salas de videoconferência em unidades prisionais são, principalmente, para audiências de custódia. Já há perto de 60 salas em todo o estado. Precisamos de muito mais e estamos trabalhando com a Polícia Civil.

ConJur O senhor imagina algum tipo de resistência ao modelo virtual de audiências de custódia?
Fernando Antônio Torres Garcia Acredito que não. Pelo menos a sinalização que tive por parte do Ministério Público e da Defensoria é absolutamente favorável. O preso tem todos os seus direitos constitucionais preservados. Não há nenhuma ofensa ao preso nesse modelo virtual.

ConJur Nos últimos anos, o tribunal tem sido acusado de perseguir juízes mais garantistas, ou que 'soltam demais'. Como o senhor vê as críticas de que o TJ-SP teria uma postura punitivista demais?
Fernando Antônio Torres Garcia Essa afirmação é extremamente equivocada. Não há perseguição alguma. Nunca houve e garanto que não haverá na minha gestão na Corregedoria. O juiz, seja ele liberal, radical, de extrema direita ou de extrema esquerda, tem de ter sua liberdade e sua autonomia preservadas. Os magistrados fazem um juramento de respeitar a lei, seja a lei boa ou ruim, tem de cumprir. O que não pode haver é decisão calcada em postura ideológica. O juiz não pode julgar lastreado em ideologia. Ele tem de julgar com base na lei, em sua convicção íntima e nos fatos que lhes são apresentados. Não se pode deturpar um fato para atender a uma convicção ideológica. Quando isso acontece, há reflexo disciplinar.

ConJur O senhor acredita que há muitos episódios dessa natureza em São Paulo ou são casos pontuais?
Fernando Antônio Torres Garcia Onde há atividade humana, há desvio. Isso é próprio do ser humano, mas ultimamente não tenho visto casos dessa natureza. Já aconteceu? Já. Tudo o que diz respeito a São Paulo, em termos de Judiciário, é grande. As dificuldades também são grandes porque o tribunal é grande.

ConJur Outra crítica que é feita com frequência ao TJ-SP é sobre desembargadores que não estariam respeitado os precedentes dos tribunais superiores em matéria penal. Como o senhor responde a essas críticas, inclusive por já ter presidido a Seção de Direito Criminal?
Fernando Antônio Torres Garcia Não há desrespeito algum. O que existem são entendimentos que podem variar conforme a convicção íntima de cada magistrado. Na Seção de Direito Criminal, a primeira preocupação é com a proteção da sociedade. Nós objetivamos uma resposta à sociedade, uma resposta firme, de contenção de segurança da sociedade paulista e paulistana. Não que eles (ministros dos tribunais superiores) não se preocupem com isso, não é isso, mas existem focos diversos de interpretação. Por exemplo, em termos de quando cabe o regime aberto, quando não cabe, enfim, temos uma preocupação com a sociedade que nos leva a um rigorismo maior. Porém, desrespeito ao STJ ou STF, jamais. Isso não há por parte da Justiça paulista.

ConJur Então o senhor diria que o tribunal é rigoroso?
Fernando Antônio Torres Garcia É rigoroso. O Tribunal de Justiça de São Paulo é notoriamente e conhecido como sendo um tribunal rigoroso na sua maioria, não na sua totalidade, evidentemente. Mas não há sanha punitiva. O que se faz é respeitar a lei.

ConJur O senhor tem algum projeto específico para os serviços extrajudiciais?
Fernando Antônio Torres Garcia Do jeito que recebi a Corregedoria na área do extrajudicial, vamos mantê-la. O extrajudicial, assim como o judicial, terá o mesmo viés, de uma prestação de serviço eficiente, de qualidade, atendendo a sociedade naquilo que é necessário. Sempre com muita segurança e muita parcimônia.

ConJur O tribunal tem sofrido nesse início de ano com o afastamento de juízes por causa da Covid-19. Como a Corregedoria está lidando com essa questão na primeira instância, para não faltarem magistrados nas comarcas?
Fernando Antônio Torres Garcia Esse foi um dos fatores que nos levaram à edição do provimento de prorrogação do trabalho remoto. Em um dia, amanhecemos com 40 juízes afastados. No fim do dia, já eram 80. Na manhã seguinte, 120. Precisávamos tomar uma atitude para frear a propagação nos fóruns. A primeira medida foi essa: limitar a circulação nos fóruns para diminuir as infecções.  

ConJur O senhor é a favor do passaporte da vacina para ingresso nos prédios e fóruns do Judiciário paulista?
Fernando Antônio Torres Garcia Sou favorável. Qualquer decisão que envolve a saúde, vamos ouvir os órgãos competentes da saúde. Nenhum de nós é médico, nenhum de nós tem expertise na área médica, então o que vai ditar as decisões da Corregedoria, e tenho certeza, do Conselho Superior da Magistratura, será a área médica, a ciência.

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