Opinião

A prescrição e os crimes contra a ordem tributária

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25 de fevereiro de 2022, 19h16

Considerando o disposto na Súmula Vinculante nº 24 do STF, entende-se que a consumação do crime somente se opera com a conclusão definitiva do procedimento administrativo, portanto a partir daí se inicia a contagem do prazo prescricional.

Não se desconhece essa orientação jurisprudencial, mas imperativo ainda assim questionar sua validade, a partir da constatação de que, por essa linha de raciocínio, o sujeito passivo da infração penal torna-se o definidor do momento em que o prazo prescricional começa a ter curso, podendo até mesmo por desídia dos responsáveis pelo procedimento administrativo ser prolongado eternamente, e então se teria hipótese jurisprudencialmente criada de crimes imprescritíveis. Evidente o exagero da hipótese, mas não, ao menos, a possibilidade de que o procedimento perdure por 15, 20 ou 30 anos ou mais, e o curso da prescrição não terá iniciada sua contagem, à espera de que o órgão fiscal decida concluí-lo. Parto em minhas reflexões de situação concreta — mas certamente diversas outras podem ser relacionadas  em que pude atuar e relativa a fato de 2006, com procedimento concluído em 2019 sem qualquer contribuição do autuado para tamanha demora.

Repetidamente se trata essa possibilidade como efeito benéfico ao acusado, que teria interesse em prolongar indefinidamente o início da persecução penal. Saliente-se, contudo, que reiteradamente a demora na conclusão do procedimento administrativo decorre, sim, de inércia dos órgãos administrativos, e essa inércia será decisiva para a postergação, por tempo incerto, do início da contagem do prazo prescricional, o que não parece minimamente razoável. Importa, essa possibilidade, em protrair a punibilidade do acusado por período indefinido, sujeitando-o ao sofrimento de uma potencial pena cuja aplicação efetiva se arrasta, insolúvel, com o passar dos anos. Evidente que inadmissível essa pretensa justiça assim tardia.

Cuida-se, não obstante, de matéria regulada por súmula vinculante. Não se questionando sua validade, imperativo realçar os efeitos nocivos que o decurso do tempo impõe sobre o conhecimento dos fatos postos sob julgamento. Protelado o início da investigação e da ação penal, o trabalho de coleta de informações e provas certamente será prejudicado, com a provável perda de documentos, dados e mesmo da memorização a que se prestem testemunhas de aspectos relevantes para o julgamento da causa. Pois esse prejuízo deverá ser pesado e considerado, com nova ótica no julgamento de crimes dessa espécie, afetado por essa peculiaridade, que deverá exigir dos julgadores maior cautela na avaliação do conjunto de elementos de convicção.

Ressalte-se que, por se tratar de crimes contra a ordem tributária, não há menor importância em revolver os fatos e apurar suas circunstâncias. Não raro, ao menos o conhecimento das operações tidas como ilícitas, o dolo e a definição de autoria exigem aprofundamento na instrução probatória, e o correr dos anos dificulta toda tarefa de revelação da verdade.

Se inabalável o entendimento da Súmula 24, imprescindível que não se imponha sobre o acusado o peso de uma investigação tardia, de uma atividade probatória distanciada dos fatos pelo tempo.

A eventual fragilidade de que se reveste o quadro instrutório deve ser considerada, no caso concreto, como fator tendente a ensejar a absolvição, privilegiado o acusado com a insuficiência da acusação no exercício do ônus de provar suas alegações, tanto quanto com o reconhecimento explícito das dificuldades conferidas a quem se vê obrigado a produzir provas de fatos já obscurecidos pelo passar do tempo.

Esse o enfoque, o cuidado que a Justiça precisa conferir a casos dessa espécie, sem se limitar a mera avaliação do conjunto de provas e na definição daquelas a preponderar. As peculiaridades que o decurso dos anos provoca só podem pesar a favor do réu, beneficiado sempre com o princípio da presunção de inocência.

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