Lavajatismo em contradição

Delator acusa advogado de oferecer proximidade com Bretas

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23 de fevereiro de 2022, 20h04

O empresário e delator Ricardo Siqueira Rodrigues afirmou à corregedora nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, que o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho lhe ofereceu serviços ao dizer ter excelente relação com o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, e com procuradores lavajatistas. Contudo, registros da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio (Seap) demonstram que Nythalmar não esteve no presídio de Bangu 8 no período apontado pelo colaborador.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Em delação, Nythalmar acusa Bretas de negociar penas e combinar estratégias com o MPF em franquia lavajatista
Fernando Frazão/Agência Brasil

Rodrigues foi preso preventivamente, no âmbito da operação rizoma, desdobramento da franquia fluminense da "lava jato", em abril de 2018. Ele foi acusado de participar de um esquema de desvios em fundos de pensão. Posteriormente, firmou acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal no Distrito Federal — após a delação ter sido negada pelo órgão no Rio de Janeiro.

A Corregedoria Nacional de Justiça investiga se Bretas violou o dever de imparcialidade e desrespeitou prerrogativa de advogados. A acusação contra o juiz passa pela delação premiada de Nythalmar Dias Ferreira Filho, segundo o qual o julgador negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o Ministério Público.

Em petição à corregedora nacional de Justiça, Siqueira Rodrigues, que é representado pelos advogados Antonio Augusto Figueiredo Basto, Luis Gustavo Rodrigues Flores e Maria Francisca Sofia Nedeff Santos, afirmou que certo dia, quando estava preso em Bangu 8, no Rio, foi avisado por um agente penitenciário que seu advogado estava no parlatório. Ele estranhou, pois sua advogada já havia estado no presídio naquele dia.

Ao chegar ao parlatório, lá estava Nythalmar, contou o delator. Segundo Rodrigues, o advogado pediu para falar com ele sem que tivesse sido procurado. O colaborador contou que o criminalista disse que tinha estudado o caso dele e que "tinha certeza de que poderia ajudá-lo".

Além disso, Nythalmar afirmou, conforme o empresário, que sabia que ele estava aguardando o julgamento de um pedido de Habeas Corpus e que tinha uma "excelente relação" com Bretas e procuradores da "lava jato". Por isso, tinha certeza que o caso de Rodrigues era menos grave e que poderia interceder junto ao juiz para obter a revogação de sua prisão, como já havia conseguido com outro cliente. O delator também disse que Nythalmar contou ter histórico na liberação de valores bloqueados.

Rodrigues declarou ter ficado "bastante assustado e preocupado" após ouvir Nythalmar, pois não entendia como ele poderia ter acesso a tantas informações da operação rizoma. O advogado também não explicou como chegou até ele, conforme o empresário.

Ele narrou que respondeu "de forma ríspida" que já tinha advogado e que não tinha interesse nos serviços de Nythalmar. Ainda falou que os presos Sergio Mizrhay e Jayme Alves de Oliveira Filho perceberam o seu desconforto com a situação.

Depois de ter sido libertado, disse o delator, leu reportagem sobre jovem advogado que estava obtendo grandes clientes e identificou Nythalmar. Declarou que voltou a ter notícias dele quando soube que o empresário Arthur Soares, o "Rei Arthur", o havia contratado.

Em 2020, quando passaram a surgir notícias sobre procedimento de advogados contra Nythalmar e sobre investigações do MPF-RJ sobre possível crime tráfico de influência dele, o empresário afirmou ter pedido a seus defensores para que informassem o ocorrido a procuradores da República no Rio e dissessem que Rodrigues estava à disposição para prestar esclarecimentos.

"Após ter informado sobre o ocorrido ao MPF-RJ em 11 de agosto de 2020, por meio de contato telefônico, devido a situação da pandemia de Covid-19, o colaborador nunca foi chamado para prestar esclarecimentos formais acerca do acima relatado, mas que agora, como o nome e modus operandi de tal advogado resta estampado em diversas mídias nacionais, entende importante formalizar perante vossa excelência e o Ministério Público Federal para que se seja encaminhado à Procuradoria Geral da República, onde se noticiou que Nythalmar teria assinado acordo de colaboração, tais esclarecimentos", ressaltou o delator na petição.

Registros não batem
Registros da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio aos quais a ConJur teve acesso demonstram que Nythalmar não esteve no presídio de Bangu 8 no período apontado pelo colaborador.

Siqueira Rodrigues foi preso preventivamente em 12 de abril de 2018. Entre esta data e 1º de maio do mesmo ano, ficou detido no presídio José Frederico Marques, em Benfica, centro do Rio de Janeiro.

No dia 1º de maio, foi transferido para o presídio Pedrolino Werling de Oliveira, conhecido como Bangu 8, na zona oeste da cidade. E lá ficou até 18 de maio de 2018, quando foi expedido seu alvará de soltura.

Rodrigues disse que Nythalmar falou com ele no período em que estava preso em Bangu 8. Contudo, registros da Seap apontam que a última vez que o advogado esteve em tal cadeia foi em 10 de abril de 2018 — portanto, dois dias antes de o empresário ser preso. E a princípio ele foi para o presídio de Benfica, só sendo transferido para Bangu 19 dias depois.

As portarias de prisões do Rio são filmadas 24 horas por dia e vigiadas pelo Ministério Público. Servidores da Seap anotam a data e hora em que cada pessoa ingressou em cada estabelecimento, bem como que preso visitou.

À ConJur, Nythalmar afirmou que as declarações de Rodrigues são mentirosas e criticou o delator.

"Ricardo Siqueira Rodrigues é 'prostituta de prova' extremamente desqualificada. Sua mentira indecente, imoral e obscena nasceu morta. Esclareço que 'prostituta de prova' é um termo jurídico, inadequado e preconceituoso, ainda existente, que não se confunde com a atividade de profissionais do sexo, os quais exercem seu labor com verdade e transparência", disse o criminalista.

Ação de indenização 
Acusando-o de mentir para firmar acordo de delação premiada, o empresário Arthur Soares, o "Rei Arthur", moveu ação de indenização por danos morais contra Ricardo Siqueira Rodrigues.

Em sua delação, Rodrigues acusou Soares de corrupção e obstrução de justiça. O delator disse que o empresário pagou propina de R$ 2 milhões ao delegado Ângelo Ribeiro de Almeida, dissimulada por meio de um empréstimo para a abertura de uma filial do restaurante L'Entrecotê de Paris. Segundo o colaborador, o financiamento foi feito via uma das empresas de Soares ao policial ou familiares.

No entanto, Rodrigues não soube dizer se o dinheiro foi repassado a Almeida. E alegou que, se o empréstimo foi pago, foi apenas depois da operação unfair play, para "comprovar a suposta veracidade da operação".

Além disso, o delator contou que, em 25 de agosto de 2017, estava com Soares em Lisboa, Portugal. Lá, de acordo com Rodrigues, o empresário recebeu uma ligação do o ex-secretário nacional de Justiça Astério Pereira dos Santos ou pessoa ligada a ele avisando que iria ser deflagrada a operação unfair play (o que ocorreu em 5 de setembro daquele ano). Por isso, Soares, voltou para Miami no mesmo dia ou no dia seguinte, mesmo sem ter planejado isso, narrou.

Em ação de indenização apresentada em em 2020 à Justiça do Rio, o empresário disse que, devido às mentiras de Ricardo Rodrigues, o MPF foi induzido a erro, moveu ação penal contra ele e lhe imputou a pecha de fugitivo. Arthur Soares era considerado foragido pela Justiça brasileira desde 2017. Ele foi preso em Miami em 2019 por não portar documentos que comprovassem autorização para permanecer no país, mas foi solto logo em seguida e não foi deportado para o Brasil. Em 2021, Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) concedeu prisão domiciliar para ele voltar ao país. 

Conforme Soares, em 2014, sua empresa KB Participações concedeu empréstimo de R$ 2 milhões à mulher de Ângelo Almeida, sócia da Secret Sauce Restaurante. Esta se comprometeu a pagar o financiamento em parcelas mensais e consecutivas a partir de janeiro de 2015. Até setembro de 2016 — um ano antes da unfair play —, R$ 1,15 milhão já havia sido quitado. "Ao contrário de tudo o que afirmou o réu, o empréstimo foi uma operação foi meramente empresarial e lícita", disse Soares.

Arthur Soares também apresentou, na ação, comprovante de que em 25 de agosto de 2017 estava em Miami, aonde tinha chegado no dia anterior, e não em Lisboa, como narrou o delator. O empresário ainda demonstrou que tinha comprado a passagem em 17 de agosto.

Dessa maneira, Soares pediu indenização por danos morais de R$ 50 mil. E requereu que o MPF e a Justiça Federal investiguem a conduta de Rodrigues.

Clique aqui para ler a petição

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