Opinião

A proteção de dados como direito fundamental

Autor

  • Martha Leal

    é advogada especialista em proteção de dados pós-graduada em Direito Digital pela Fundação Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul mestre em Direito e Negócios Internacionais pela Universidad Internacional Iberoamericana Europea del Atlântico e pela Universidad Unini México pós-graduanda em Direito Digital pela Universidade de Brasília—IDP data protection officer ECPB pela Maastricht University certificada como data protection officer pela Exin e pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e presidente da Comissão de Comunicação Institucional do Instituto Nacional de Proteção de Dados (INPD).

22 de fevereiro de 2022, 10h47

No último dia 10 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 115, em sessão solene no Congresso Nacional, incluindo a proteção de dados pessoais no rol de direitos fundamentais. Além de representar um marco histórico, a emenda simboliza um grande avanço quanto ao amadurecimento do país em relação à garantia da proteção de dados pessoais, que passa a ser assegurada pelo artigo 5º, LXXIX, da Constituição Federal.

Consequentemente, sendo alçado como direito fundamental autônomo, o tema proteção de dados passa a ser estudado a nível constitucional. As ações judiciais que envolverem as questões interpretativas da Lei Geral de Proteção de Dados, em razão da natureza do direito constitucional, passam a ser tratadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Portanto, se até o presente momento constatava-se algum desinteresse por parte das organizações e das empresas em relação a aderência às normas protetivas de dados pessoais, o momento passa a exigir extrema atenção, uma vez que a inobservância à Lei Geral de Proteção de Dados traduz infração à Constituição Federal.

O artigo 21, XXVI, da Constituição Federal, incluído pela EC 115 estabelece que compete à União organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais, nos termos da lei. Nessa linha, compete ao poder público a fiscalização e o zelo do ambiente de proteção de dados, não cabendo mais a uma lei ordinária o poder de diminuir o direito constitucional ao qual foi alçado.

Nesse sentido, a emenda constitucional vai ao encontro da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a qual disciplina o tratamento de dados pessoais, inclusive em meios digitais, realizado por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, com o objetivo de garantir a privacidade dos indivíduos.

Assim, além da garantia como direito fundamental, a nova emenda constitucional também estabelece a competência material exclusiva da União Federal para organizar e fiscalizar a proteção de dados pessoais e a competência legislativa privativa para legislar sobre o assunto.

Importante destacarmos que, apesar de o direito à privacidade e o direito à proteção de dados estarem intrinsecamente conectados entre si, versam sobre direitos distintos e, por essa razão, torna-se tão importante o reconhecimento deste último como direito fundamental.

O direito à privacidade previsto no inciso X do artigo 5º da Constituição Federal está intimamente ligado à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a qual, em seu artigo 12, estabelece que ninguém será sujeito a interferências em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. O objetivo é a proteção da vida privada da interferência estatal, excetuando-se situações em que o interesse público é preponderante ao interesse particular.

Entretanto, com o exponencial crescimento do ambiente digital e do incremento de nossas relações no formato online, inconteste o surgimento de novos desafios na gestão da vida privada e que estão relacionadas ao uso de nossas informações pessoais, sobrevindo a partir deste panorama o conceito do direito à autodeterminação informativa.

É razoável concluir que o direito à privacidade assegura ao indivíduo resguardo contra a interferência estatal em sua esfera particular, enquanto o direito à proteção de dados pessoais garante a proteção dos dados que dizem respeito ao indivíduo, impondo mecanismos para a tutela desse direito.

Olhando pelo o prisma internacional, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece em seu artigo 8º o direito à proteção de dados pessoais determinando que o processamento deva ser justo e com finalidade específica. A carta representa um documento de extrema relevância para a proteção dos direitos fundamentais no contexto da União Europeia, tratando de direitos concretos e reconhecidos na ordem jurídica, os quais se expandiram na busca da dignidade humana e do livre desenvolvimento da personalidade moral.

Voltando à esfera nacional, vale ressaltar o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.387, no caso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A ministra Rosa Weber suspendeu a Medida Provisória 954 em razão do compartilhamento de dados pessoais entre empresas de telefonia e o instituto face a ausência de indicação expressa da finalidade do tratamento dos dados, de interesse público relevante e transparência na partilha dos dados coletados.

A referida decisão levou em conta o potencial risco de danos irreparáveis à intimidade e ao sigilo da vida privada e já fazia referência ao artigo 5, XII, da Constituição Federal citando expressamente a necessidade de um direito fundamental autônomo à proteção de dados e que se desprende do direito à privacidade.

Sem sombra de dúvida, o direito à proteção de dados como garantia constitucional fortalece ainda mais a Lei Geral de Proteção de Dados, instrumento legal que traz em seu artigo 1º como objetivos, a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, robustecendo o papel da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), atribuído pelo artigo 55-J do mencionado instrumento legal.

Enfim, uma grande vitória a ser comemorada em meio a um cenário em que cada vez mais somos impactados pelo tratamento dos nossos dados pessoais.

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    é advogada especialista em proteção de dados, pós-graduada em Direito Digital pela Fundação Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, mestranda em Direito e Negócios Internacionais pela Universidad Internacional Iberoamericana Europea del Atlántico e pela Universidad Unini México, pós-graduanda em Direito Digital pela Universidade de Brasília, data protection officer ECPB pela Maastricht University, certificada como data protection officer pela Exin e pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e fellow pelo Instituto Nacional de Proteção de Dados (INPD).

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