Opinião

A falta de diálogo na construção de políticas ambientais pelo governo federal

Autor

  • Luiz Paulo Dammski

    é sócio do escritório Dammski & Machado Advogados Associados professor universitário e doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

21 de fevereiro de 2022, 15h04

Em 12 de janeiro deste ano, foi publicado o Decreto nº 10.935/22 pela Presidência da República, que dispõe a respeito dos standarts de proteção das cavidades naturais subterrâneas  cavernas, grutas, abismos, furnas e buracos —, bem como define as possibilidades de aproveitamento econômico que venha a interferir em tais ambientes.

Entre as disposições de referido decreto, ganhou projeção midiática a previsão dos artigos 4º e 5º, que previram a possibilidade de tais ambientes — inclusive aqueles de grande relevância  sofrerem impactos irreversíveis, contanto que mediante prévio licenciamento pelo órgão ambiental licenciador e de modo a satisfazer o interesse público. Tal previsão deixa claro que, uma vez mais, o governo federal peca pelo excesso de avidez em satisfazer os setores produtivos, sem dar conta de que medidas extremas tendem a gerar reações de igual magnitude.

Em que pese a necessidade de prévia anuência do órgão ambiental competente, a possibilidade de geração de danos irreversíveis às cavidades naturais subterrâneas levou a grande comoção midiática, especialmente de grupos ligados à preservação do meio ambiente e à própria oposição do governo Bolsonaro, tendo, rapidamente, sido relacionada a edição de tal norma ao Programa de Mineração e Desenvolvimento, previsto pelo governo federal na Portaria nº 354/2020, publicada em setembro de 2020.

Após grande desgaste do decreto do governo federal junto à mídia, o partido Rede Sustentabilidade propôs uma arguição por descumprimento de preceito fundamental (ADPF) dirigida ao Supremo Tribunal Federal, pleiteando a declaração de incompatibilidade do Decreto nº 10.935/22 com a Constituição Federal e, por consequência, o fim de sua vigência.

A argumentação apresentada pela Rede gravita em torno da vedação ao retrocesso no que toca à proteção ambiental, que guarda direta relação com a necessidade de atuação ponderada por parte do poder público na elaboração de políticas voltadas ao aproveitamento do meio ambiente, de modo a zelar pela primazia do princípio da precaução  ou seja, não implementar políticas públicas, senão após a conclusão científica de que o meio ambiente não será afetado de forma negativa e definitiva.

Em sede de decisão liminar  ou seja, apenas sobre o pedido cautelar formulado pela Rede , o ministro Ricardo Lewandowski, relator da ADPF, ponderou que "salta à vista que algumas das alterações trazidas pelo Decreto nº 10.935/22, na prática, ensejam a possibilidade de exploração de cavidades naturais subterrâneas, sem maiores limitações, inclusive daquelas classificadas com o grau máximo de proteção, aumentando substancialmente a vulnerabilidade dessas áreas de interesse ambiental, até o momento áreas intocadas".

Justamente a partir de tais considerações, o ministro Lewandowski, valendo-se das atribuições inerentes à condição de relator do caso, entendeu que tais alterações representam um retrocesso da legislação ambiental, bem como colocam em xeque a missão constitucionalmente estabelecida ao governo federal de zelar pela preservação do meio ambiente para a geração presente e para as gerações futuras. Por conseguinte, deferiu o pedido cautelar formulado pela Rede, determinando a retomada imediata dos efeitos do artigo 3º do Decreto nº 99.556/90, de modo a inviabilizar a exploração ou qualquer tipo de intervenção que gere impactos irreversíveis em cavidade natural de relevância máxima.

Ao que tudo indica, o movimento do governo federal, ao editar o Decreto nº 10.935/22, acabou por gerar desconforto e insatisfação tanto entre os setores ligados à conservação do meio ambiente, quanto aos setores ligados à indústria da mineração. Situações semelhantes no passado  como a extinção da Reserva Nacional do Cobre e seus Associados, ainda no governo Temer  já demonstraram a fragilidade de medidas pouco democráticas e arbitrárias relacionadas à exploração de ambientes sensíveis do ecossistema brasileiro, que tendem a ser questionadas judicialmente e, normalmente, não prosperar ao crivo das cortes superiores.

A falta de diálogo e sensibilidade do governo federal na gestão de políticas públicas no âmbito do meio ambiente acaba por gerar desgastes desnecessários sem, todavia, qualquer avanço relacionado a melhores condições de desenvolvimento da indústria minerária brasileira, fazendo crescer ainda mais o mito da incompatibilidade entre o crescimento industrial e a preservação de ecossistemas relevantes para a manutenção de um meio ambiente sadio para esta e as futuras gerações.

A manutenção de um discurso extremado e, por vezes, afoito, por parte do governo federal, visando a massagear as pretensões do setor produtivo  especialmente na temática ambiental , acaba por gerar um ambiente de acirramento de tensões e ausência de pontos de convergência com setores tradicionalmente situados no espectro da oposição. Por mais que o governo Bolsonaro paute sua atuação na promoção de políticas voltadas ao setor produtivo, a gestão de políticas públicas que reverberam na questão ambiental deve ser realizada de modo a, efetivamente, trabalhar pontos de convergência com setores tradicionalmente ligados à oposição para gerar avanços, não retrocessos.

O ruído gerado por medidas agudas  como a edição do Decreto nº 10.935/22  não apenas se mostra inócuo ao fim pretendido — satisfazer os interesses da indústria minerária como, ainda, gera desgaste com setores ligados ao preservacionismo e dificuldades no diálogo construtivo para o avanço de políticas públicas convergentes, que sejam realmente capazes de satisfazer pretensões dos setores produtivos.

Ao cabo, resta a impressão de que a edição do Decreto nº 10.935/22 nunca teve a finalidade de, efetivamente, viabilizar a exploração de cavernas de nível máximo de relevância, mas, isso sim, gerar ruído. Como num jogo de xadrez, em que a ameaça é mais impactante que a própria efetivação do movimento, o governo federal parece pautar suas políticas públicas muito mais no burburinho causado pelas posições notadamente extremas na seara ambiental do que, efetivamente, visando a dar efetividade aos anseios do setor.

A ADPF proposta pela Rede não tem data para ser julgada em definitivo. Até que isso ocorra, os efeitos do Decreto nº 10.935/22, em sua maior parte, ficarão suspensos. E o diálogo institucional, travado fora das cortes superiores, uma vez mais, paralisado pelo silêncio ensurdecedor do diálogo entre os concernidos.

Autores

  • é advogado militante nos campos do Direito Administrativo, Direito Ambiental e Direito Minerário, professor da Fundação de Estudos Sociais do Paraná (FESP), sócio-fundador da Dammski & Machado Escritório de Advocacia, doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Autônomo Universitário do Brasil (UniBrasil), pesquisador nas áreas de Direito Constitucional e Processo Civil, coordenador do grupo de estudos "Processo Civil em Perspectiva: desenvolvimento, direitos fundamentais e democracia" vinculado à Fundação de Estudos Sociais do Paraná (FESP).

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