Processo Tributário

Valor da causa nas lides que tratam de questões colateralmente tributárias

Autor

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

20 de fevereiro de 2022, 8h00

Em artigo anterior, abordamos a questão da fixação do valor da causa nas ações antiexacionais em sua tríplice dimensão — preventiva, repressiva e reparatória, sempre considerada a natureza patrimonial ínsita a tais lides e sua incondicional aferibilidade [1].

Para o presente texto, investiremos sobre o que "deixamos no ar" naquela oportunidade: a questão do valor da causa nas ações colateralmente tributárias, isto é, que envolvem, por exemplo, a emissão de certidão de regularidade fiscal e a aplicação de sanções políticas — como condicionar a expedição de notas fiscais ao oferecimento de garantias, interditar estabelecimento ou apreender mercadorias como meio coercitivo para o pagamento de tributos, bloquear a emissão de notas fiscais porque inadimplente o contribuinte etc.

Falamos "colateralmente tributárias" porque essas demandas dizem respeito a questões atreladas à relação Fisco-contribuinte, mas não à obrigação tributária per si, aquela de natureza patrimonial que impõe o dever de entrega de dinheiro aos cofres públicos (pagamento). Compreendem atitudes de iniciativa do Fisco travestidas da aparência de mecanismos indutores do adimplemento, mas que, de fato, não o são, porque promovidas em descompasso com o sistema normativo, de modo a afetar o regular exercício da atividade do devedor, nada mais objetivando, por isso, a coagi-lo ao pagamento do tributo sem observância do devido processo legal.

É bom deixar claro que não estão aqui inseridos no contexto dos "estímulos negativos" a que se refere Paulo Cesar Conrado em artigo desta coluna publicado no último dia 6, porque as medidas a que nos referimos não são autorizadas pelo ordenamento jurídico [2].

Deparando-se com situações desse quilate, não escapa ao contribuinte a necessidade de interferência do Judiciário para afastar o ato ilegal da autoridade fiscal e, com isso, a necessidade de atribuir um valor à sua causa que, nos termos do artigo 291 do Código de Processo Civil/2015 (CPC/2015), deve ser certo.

O problema que se coloca diante dessas ações que têm como objeto questões colateralmente tributárias é quantificar financeiramente seu efeito, porque envolvem discussões que não são prontamente aferíveis em termos econômicos, nem imediata nem remotamente [3]. Impugnam atos ilegais, praticados ou iminentes, cujo efeito impacta financeiramente o contribuinte, quiçá a própria existência da empresa, mas não assumem natureza patrimonial pré-desenhada [4]. Enquadram-se, assim, nas causas cuja controvérsia é inestimável.

Seja como for, ainda que incalculável, toda causa deve ter um valor certo. Natural perguntar, e então: como defini-lo?

Não há como se valer, dizemos desde logo, dos critérios fixados no artigo 292 do CPC/2015 [5], insuficientes para essas peculiaridades do direito tributário em conflito, mas reputamos que a solução não é a indicação de um valor insignificante ou pequeno o suficiente para embaçar a aplicação de outra regra jurídica, a da remessa necessária.

Estamos diante de processos em que as sentenças serão potencialmente proferidas contra as Fazendas Públicas e, por isso, convocam a aplicação do duplo grau de jurisdição, que, a partir da vigência do CPC/2015, supõe a necessária definição numérica do valor da controvérsia [6] (condenação ou proveito econômico, nos termos do artigo 496, § 3º do CPC/2015) [7], dispensado quando envolve quantia inferior a mil, 500 ou cem salários mínimos.

Reputamos estar nessa disposição o parâmetro para fixação do valor da causa nas demandas colateralmente atreladas à relação Fisco-contribuinte, nunca inferior a mil, 500 ou cem salários mínimos tratando-se de ação proposta contra a União, estados e Distrito Federal e municípios, respectivamente.

A omissão legislativa não é uma porta aberta a permitir uma escolha aleatória: no ambiente do Direito, as soluções buscadas devem ser pautadas normativamente, alcançadas dentro do Direito positivo, nosso contexto.

Daí porque temos, em suma: diante da ausência de regra específica, deve ser dado o maior rendimento possível às disposições da legislação geral, atentos, sem dúvida, às peculiaridades do direito de fundo (tributário) que tem como regra a revisibilidade ex oficio na hipótese das decisões contra as fazendas públicas [8].

 


[1] A referência é ao artigo publicado nesta coluna em 19 de dezembro de 2021: https://www.conjur.com.br/2021-dez-19/processo-tributario-valor-causa-processo-tributario-antiexacional.

[3] Como apontamos no texto anterior sobre valor da causa (link na nota de rodapé 1), é ela aferível economicamente "imediatamente", quando já na petição inicial é possível indicar o valor monetário da controvérsia, "remotamente", na hipótese em que o valor da controvérsia será apurado posteriormente, sem, contudo, afastar a necessidade de se atribuir um valor de causa certo, aplicando-se o critério definido do §2º do artigo 292 do código de processo civil/2015.

[4] Natureza jurídica é o conjunto de atributos que permite separar um instituto jurídico de outro. GAMA, Tácio Lacerda. 1ª edição. Competência Tributária. São Paulo: Noeses, 2009, p. XLVIII.

[5] "Artigo 292 – O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:
I – na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação;
II – na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida;
III – na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor;
IV – na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido;
V – na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;
VI – na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles;
VII – na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor;
VIII – na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal".

[6] Importante destacar que o CPC/2015 também afasta a regra do reexame necessário para hipóteses descoladas do objeto do trabalho que é o tratamento do valor da causa nos processos tributários, por isso restringimos a referência ao § 3º do artigo 496. Apenas para conhecimento da leitora e do leitor, estão elas previstas no § 4º do artigo 496, e "livra-se" o contribuinte do reexame necessário se a sentença resolver (1) a questão de acordo com o entendimento firmado em julgamento de casos repetitivos, nos termos do artigo 928, CPC/2015, (2) a questão em incidente de assunção de competência ou (iii) a questão consoante orientação firmada pelo próprio ente público em ambiente administrativo.

"Artigo 496 – Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I – proferida contra a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;
(…)
§4º. Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:
I – súmula de tribunal superior;
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV – entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa".

[7] "Artigo 496 – (…)
§3º. Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:
I – 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II – 500 (quinhentos) salários-mínimos para os estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;
III – 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público".

[8] Sobre esse "dever de adaptação", diante da ausência de codificação específica, remetemos a leitora e o leitor ao seguinte artigo de Paulo Cesar Conrado: https://www.conjur.com.br/2021-mar-02/paulo-conrado-processo-tributario-instrumentalidade.

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    é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGVLaw) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão "Processo tributário analítico” do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de "Processo tributário analítico" do Ibet.

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