Prática Trabalhista

O contrato de trabalho intermitente em bares e restaurantes

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

17 de fevereiro de 2022, 8h00

Indubitavelmente, um dos setores que mais contratam trabalhadores no Brasil é o ramo de bares, restaurantes, padarias e similares.

De início, impende destacar que, devido ao aumento dos casos de Covid-19, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) relatou que 20% dos funcionários desse segmento são afastados, semanalmente, em razão da contaminação [1].

Todavia, outro levantamento realizado pela Abrasel apontou que metade das empresas desse setor está preparada para preencher diversas vagas de trabalho que foram afetadas em razão da pandemia [2].

Segundo as inferências da Abrasel, a expectativa é que entre os meses de janeiro a março deste ano tal segmento empresarial movimente por volta de R$ 80 bilhões, assim como a expectativa é de gerar mais de 60 mil vagas de emprego [3].

Entrementes, visando à necessidade de mão de obra, algumas empresas de tal setor tem admitidos empregados sob o regime do trabalho intermitente.

Com efeito, é comum que nesses tipos de estabelecimentos, principalmente em datas comemorativas e nos períodos de alta temporada, ocorra um natural aumento de clientes, de modo a exigir um quadro maior de empregados.

Do ponto de vista normativo infraconstitucional, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seus artigos 443 [4] e 452-A [5], traz regulamentação sobre essa modalidade contratual, a qual apresenta algumas particularidades.

Mas, afinal, o que seria o contrato de trabalho intermitente?

Para melhor conceituar essa nova modalidade contratual, citam-se aqui os ensinamentos de Hélio Gustavo Alves e Beatriz Gomes Beltrão [6]:

"Previsto no artigo 452-A da CLT, o contrato de trabalho intermitente é uma modalidade não contínua, alterando os períodos de atividade e inatividade. A contratação pode se dar por horas, dias ou meses.
(…) O trabalhador terá todos os direitos, como se empregado fosse, só que de forma proporcional à quantidade de horas prestadas, não fazendo jus ao seguro-desemprego.
Como funciona na prática: o empregador convoca o trabalhador, por meio eletrônico que possa ser comprovado, com no mínimo 72 horas de antecedência à prestação de serviços, devendo o convocado responder em até no máximo 24h após a convocação, pois a inércia será considerada como recusa e o empregador poderá contratar outra pessoa.

Após o aceite do trabalhador, nenhuma das partes poderá desistir, sob pena de multa de 50% do valor da remuneração que seria devida".

Portanto, para a validade da contratação de trabalho na modalidade intermitente, é indispensável que sejam observados os requisitos legais, sob pena de desvirtuamento de sua função.

Destarte, é cediço que o contrato de trabalho intermitente tem uma grande aplicabilidade no segmento bares, restaurantes, padarias e similares, diante da contratação informal visando conter o aumento da demanda esporádica.

Nesse desiderato, tal forma de contratação se deu visando a garantir direitos básicos a esses trabalhadores informais, que desempenham os chamados "bicos", sem quaisquer garantias ou direitos trabalhistas.

Todavia, uma pesquisa feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) [7] em janeiro de 2020 revelou que o trabalho intermitente ampliou a precarização, dada a instabilidade do vínculo, em que não é garantido nem trabalho e nem renda.

Ora, ao decidir por esse meio de contratação, o empregador poderá se programar melhor, de forma a potencializar a sua mão de obra e garantir um atendimento de qualidade aos seus clientes.

De mais a mais, esse é um dos setores que mais sofrem oscilação de movimento de clientes, pois, se é verdade que em alguns períodos o empregado pode ficar ocioso e sem trabalho, de igual modo pode haver a sobrecarga em determinados ciclos.

Neste cenário, os dados da Relação Anual de Informações Sociais, no ano de 2019, indicam que o trabalho intermitente subiu para 154% [8]. Aliás, atualmente, os empresários podem obter o auxílio de aplicativos para a contratação de trabalhadores intermitentes, através de uma plataforma que se utiliza de algoritmos para a seleção [9].

Lado outro, em que pese o contrato intermitente tenha sido inserido pela reforma trabalhista, muito se discute sobre a sua constitucionalidade.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a emitir um juízo de valor quanto à norma inserida pela Lei 13.467/2017, no que tange a sua constitucionalidade. Até o momento ainda não houve o julgamento [10]. Bem por isso, até que haja um o posicionamento da Suprema Corte acerca da temática, as empresas devem adotar alguns cuidados e cautelas, caso optem por essa forma de contratação especial.

É forçoso lembrar que, independentemente do modelo de contratação, não se pode admitir que ocorra a fragilização do trabalho, com flexibilização das normas sob a justificativa de que somente assim é que será possível a inserção de um número maior de pessoas no mercado de trabalho.

Em arremate, deve-se sempre interpretar a legislação infraconstitucional à luz da Constituição Federal, sem perder de vista os direitos humanos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, evitando-se assim o retrocesso social e as desigualdades sociais.

 


[4] "Artigo 443 – O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. § 3o. Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria".

[5] "Artigo 452-A – O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não. § 1º. O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. § 2º. Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa. § 3º. A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente".

[6] Relações trabalhistas de bares, restaurantes, padarias e afins. – 1ª edição – São Paulo: Edição dos Autores, 2022. Página 32 e 33.

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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