Direito Eleitoral

O TSE e a possibilidade de bloqueio do Telegram no Brasil

Autores

  • Jamilson Haddad Campos

    é juiz de Direito do Tribunal de Justiça do estado do Mato Grosso.

  • Serly Marcondes Alves

    é desembargadora do Tribunal de Justiça do estado do Mato Grosso.

  • Vânia Siciliano Aieta

    é coordenadora-geral da Abradep. Doutora em Direito Constitucional (PUC-SP) com pós-doutorado na Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) e na PUC-Rio. Mestre em Direito Constitucional (PUC-Rio). Professora dos cursos de graduação e pós da Faculdade de Direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Coordenadora do curso de pós-graduação em Direito Eleitoral da Escola Judiciária Eleitoral do TRE-RJ (Ceped/Uerj). Conselheira titular da seccional da OAB-RJ. Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ. Presidente da Comissão de Direito Eleitoral do IAB. Membro da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB. Membro do Ibrade e do IBDC. Advogada conferencista e parecerista.

14 de fevereiro de 2022, 10h39

Trata-se de apontamentos sobre a possibilidade de suspensão do aplicativo Telegram no Brasil, em razão da ausência de representação da referida empresa neste país para receber e cumprir eventuais ordens judiciais, diante da recente manifestação de preocupação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de que a falta de controle do aplicativo de mensagem pode gerar desinformação e influenciar, de forma, ilusória, nas eleições do corrente ano.

A falta de controle nos aplicativos de mensageria que podem se transformar em "vetores de desinformação" passou a mobilizar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Corte Eleitoral, que tem o poder-dever de controlar o processo eleitoral no país e, assim, garantir a lisura do pleito, passou a discutir a possibilidade de vetar o Telegram nas campanhas deste ano de 2022 [1], notadamente em razão da plataforma criada na Rússia não possuir representação no Brasil para receber e cumprir ordens judiciais.

De igual forma, outro aplicativo, o chamado WhatsApp, também tem sido motivo de preocupação para o TSE, em razão de já estar estudando a possibilidade de ampliar o compartilhamento de mensagens, o que desvirtuaria a natureza de um canal de simples mensageria [2].

No caso do Telegram, que tem origem russa, não há restrição para o encaminhamento de mensagens como no WhatsApp e o limite de membros no grupo é de 200 mil pessoas, o que preocupa sobremaneira o TSE com relação às disputas eleitorais deste ano, já que pode promover o descontrolado compartilhamento de desinformação, sem ter que se submeter às ordens judiciais, o que não pode ser aceito, sem a representação adequada do canal no Brasil.

Outra questão que estudiosos ressaltam, é que o Telegram também pode ser usado como canal de ataque às instituições e instrumento de propagação de discurso de ódio [3].

O presidente do TSE até chegou a contatar Pavel Durov, ora fundador da empresa Telegram, com sede em Dubai, nos Emirados Árabes. Porém, não houve qualquer resposta até então [4], demonstrando que não há qualquer desejo de cooperação com as investigações realizadas pelo Ministério Público Federal e Polícia Federal, o que pode corroborar para  o bloqueio do mensageiro no país, além da aplicação de multas e/ou outras sanções.

A Alemanha, por exemplo, também cogita banir o acesso ao mensageiro em seu território nacional. Outros países já fizeram o bloqueio do referido aplicativo, como ocorreu na Rússia, país de origem, em que o aplicativo ficou suspenso por aproximadamente dois anos, em que pese os usuários ainda conseguirem utilizar o aplicativo através de uma configuração de proxy disponível dentro das configurações do próprio Telegram [5].

É certo e garantido o direito de expressão e acesso à informação. Contudo, em um Estado democrático de Direito, esse acesso deve se dar de forma ética, sob pena de influenciar em questões, de forma ilusória, como pode acontecer no descontrolado compartilhamento de desinformação em plena campanha política, gerando, na verdade, graves problemas ao cumprimento do princípio da pars conditio, cardeal no Direito Eleitoral.

Os investigadores sobre a questão ressaltam que o objetivo do governo brasileiro não é pedir acesso ao conteúdo das conversas, o que poderia receber a acusação de violação da privacidade dos usuários, mas tão somente investigar o funcionamento da plataforma, especialmente as ferramentas de moderação[6], com o fim de impedir que interesses individuais de um ou outro grupo político subjuguem o direito público e coletivo à informação verdadeira. Vale ressaltar, nesse mister, que não se trata de impor uma única perspectiva interpretativa com "ares de verdade absoluta" a temas variados que são naturalmente passíveis de crítica, mas de resguardar o eidos da informação, para que não seja eivada de fatos sabidamente inverídicos.

Grandes companhias e plataformas, tais como WhatsApp e Google, implementam mecanismos para minimizar o compartilhamento de notícias falsas há anos. No caso do WhatsApp, por exemplo, há limitações para o encaminhamento de mensagens e avisos de quando uma notícia, imagem ou texto foram compartilhados muitas vezes, sinalizando um comportamento suspeito.

O fato de uma empresa não ter sede e nem representação legal no país, não significa que ela não tenha que obedecer à legislação brasileira.

O grande diferencial nos casos em que a empresa não possui um representante no país em que opera, está no nível de dificuldade para notificá-la de decisões judiciais ou até mesmo da aplicação de punições, como a multa.

Enquanto medidas de suspensão e bloqueio podem ser feitas pela infraestrutura da rede, outras punições como multas, acabam dependendo da cooperação internacional com outros países, no caso de empresas que não estejam no Brasil [7].

Como caminhos jurídicos para eventual bloqueio do Telegram, há a possibilidade técnica para impedir o seu funcionamento, retirando-o da plataforma das lojas de aplicativos, como as da Apple e Google, ou por meio da infraestrutura, e que as operadoras de telefonia precisariam impedir o tráfego entre os celulares ou computadores no país e os servidores do Telegram. Contudo, ainda assim, seria possível utilizar sistemas VPN (redes virtuais privadas) para burlar a proibição e simular uma conexão fora do Brasil [8].

E em relação às dificuldades técnicas de concretização de um eventual bloqueio, vale a lembrança trazida pelo Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, doutor Alexandre Basílio Coura ao nos advertir acerca de alguns óbices intransponíveis no que tange à questão tecnológica [9]. A rigor, não há qualquer segurança sobre a efetividade de uma decisão de bloqueio de um aplicativo que funciona espalhado por todo o globo. E, nesse caso, a decisão judicial poderia ficar sem efeito concreto, pois o bloqueio do Telegram é algo extremamente complexo. Rússia e China já tentaram sem sucesso. O fato é que inexiste uma chave para bloquear o uso do aplicativo. O bloqueio se dá por segmentos de redes, faixas de números Ips. Contudo, muitas vezes, ao bloquear esses números, pode-se bloquear também outros serviços que estão na mesma rede e que não possuem qualquer interseção com o Telegram. Por outro lado, uma empresa já acostumada por bloqueios de países censores, certamente já se adaptou para, a cada nova tentativa, buscar novas rotas para atender a um grupo de usuários ou a um país inteiro. Assim, o bloqueio restaria efetivo por cinci a dez dias. Mas, depois disso, voltaria a funcionar, já que existem soluções que simulam o acesso a partir de outro país no qual não há bloqueio. E, se esse quadro conjuntural se concretizasse, a decisão do TSE restaria esvaziada de eficácia.

No Congresso Nacional, o projeto de lei das "fake news" pretende tornar obrigatório que redes sociais e aplicativos de mensagens tenham representantes legais no país, já que a legislação brasileira em vigor não possui determinação nesse sentido. O projeto foi aprovado em 2020 no Senado, e segue tramitando na Câmara dos Deputados [10].

Concordar com a existência e pleno funcionamento de um canal/aplicativo sem a devida representação neste país, e que se recusa a interagir com o Poder Judiciário do Brasil, seria o mesmo que concordar com ataques à soberania nacional e ao próprio Estado democrático de Direito, que são os pilares expressamente defendidos pela Constituição Federal do Brasil, conforme consta do próprio preâmbulo da Constituição Federal.

Sobre o assunto, conforme preconiza o excelentíssimo Desembargador Federal, que compõe a Corte do Tribunal Regional do estado do Rio de Janeiro Roy Reis Friede:

"No sentido material (substantivo) é o poder que tem a coletividade humana de se organizar jurídica e politicamente (forjando, em última análise, o próprio Estado) e de fazer valer em seu território a universalidade de suas decisões. No aspecto adjetivo, por sua vez, a soberania se exterioriza conceitualmente como a qualidade suprema do poder, inerente ao Estado" [11].

Diante do exposto, é necessário total atenção dos vários atores do processo eleitoral com o assunto ora abordado, máxime do TSE, para que sejam tomadas as providências necessárias, que impeçam a contaminação do pleito e da consciência do cidadão por influências externas, principalmente internacionais, que atentem contra o princípio democrático, em que pese a notável dificuldade a ser enfrentada neste caminho pelo asseguramento da soberania nacional e da transparência no compartilhamento de informações.

 


[1] VALFRÉ, Vinícius. Falta de controle de aplicativos mobiliza TSE, que vai decidir se veta Telegram. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/eleicoes/falta-de-controle-de-aplicativos- mobiliza-tse-que-vai-decidir-se-veta-telegram,9ea84f7940e7d9895e0ee29fdc0560355mn7bvh7.html Acesso em: 2 fev. 2022.

[2] Ibidem.

[3] BONFIM, Marcos. Telegram, Reddit e Gettr: como são suas moderações e por que isso importa. https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2022/01/25/como-funcionam-as-moderacoes-em-redes-como-telegram-reddit-e-gettr.htm Acesso em: 2 fev. 2022.

[4] VALFRÉ, Vinícius. Falta de controle de aplicativos mobiliza TSE, que vai decidir se veta Telegram. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/eleicoes/falta-de-controle-de-aplicativos-mobiliza-tse-que-vai-decidir-se-veta-telegram,9ea84f7940e7d9895e0ee29fdc0560355mn7bvh7.html Acesso em: 2 feb. 2022.

[5] BONAVENTURA, ADALTON. Telegram banido: bloqueio no Brasil já é visto como "inevitável". https://www.oficinadanet.com.br/telegram/39553-telegram-banido-brasil-inevitavel#:~:text=invadida%20no%20Telegram%3F-,Telegram%20pode%20realmente%20ser%20banido%20no%20Brasil,rivais%2C%20assim%20como%20outros%20assuntos. Acesso em: 2 feb. 2022.

[6] Ibidem

[7] SÃO PAULO, Folha de. Responsáveis por investigar Telegram consideram inevitável o seu bloqueio no Brasil. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2022/01/responsaveis- por-investigar-o-telegram-consideram-inevitavel-seu-bloqueio-no-brasil.shtml Acesso em: 2 fev. 2022.

[8] Ibidem

[9] COURA, ALEXANDRE BASILIO. O judiciário brasileiro e o telegrama. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-judiciario-brasileiro-e-o-telegram/. Acesso em 13 fev. 2022.

[10] Ibidem

[11] FRIEDE, Reis. Curso de Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 4. Ed. Rev., atualizada e ampliada.  Rio  de Janeiro: Forense Universitária.

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