Segunda Leitura

Formado em Direito e aprovado no exame de Ordem, e agora?

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

13 de fevereiro de 2022, 8h00

Segundo reportagem de Júnior Borneli, "no Brasil existem 1406 faculdades de Direito. No resto do mundo, existem menos de 1200. É isso mesmo o que você leu: se somarmos todas as faculdades de Direito do mundo, não chegaremos ao número de faculdades existentes só no Brasil" [1].

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Não se vê, contudo, nenhuma iniciativa para que tal situação mude, nem mesmo das associações de advogados ou seus órgãos de classe. Ao contrário, novas faculdades brotam com uma abundância nunca vista, oferecendo cursos a distância, com preços reduzidos, algumas sem cobrança nos primeiros meses ou promessa de não reajustar mensalidades durante certo período.

Esse cliente, por óbvio, não será reprovado, desde que quite as mensalidades. Em cinco anos estará habilitado a prestar o exame da OAB. Muitos não passarão, mas, mesmo que pequeno seja o percentual de aprovados, o contingente a inundar o mercado será enorme.

O resultado é uma quantidade de advogados gigantesca, disputando um espaço que se reduziu em razão do declínio da economia. Isso, para os que se formam atualmente, vem se tornando um desafio a cada semestre mais difícil. Apreensão nos jovens e decepção nos pais, eis um quadro presente em quase todas as famílias.

Nem todos os formandos têm o mesmo perfil. Há diferenças, por vezes perceptível, entre as turmas da manhã ou da noite da mesma faculdade  de Direito. Assim, há os que estudam apenas para adquirir conhecimentos, os que esperam ter com o diploma uma ascensão nos seus empregos e carreiras e aqueles que esperam que o curso lhes permita exercer uma profissão jurídica e com ela prover a sua subsistência. Estes são a maioria.

As faculdades também têm perfis diversos. Há as públicas, com as suas virtudes (bons professores) e defeitos (estrutura deficiente), há as confessionais (verbi gratia, PUCs, que, além do Direito, propiciam experiências sociais), há as pertencentes a conglomerados interestaduais, com administração padronizada e impessoal, há as voltadas para as atividades empresariais (exempli gratia, FGV) e também as pequenas e isoladas, estas em número cada vez menor, em pequenas cidades do interior.

Abstraindo as diferenças, sem deixar de lado que os alunos das mais eficientes terão, sim, maiores possibilidades de sucesso profissional, retornamos ao título, ou seja, a perplexidade dos atuais formandos, com foco nos jovens.

Diploma na mão, aprovação no exame de Ordem comemorada por toda a família, depara-se o jovem com uma situação que não lhe transmite segurança. Economia estagnada, perspectivas políticas desanimadoras e ausência de lideranças inspiradoras nas mais diversas áreas e instituições públicas ou privadas. Que fazer?

Conselhos não faltam, costumam chegar de fontes diversas e nem sempre são os melhores: "advogue na área eletrônica", sem esclarecer como e em quê, "faça concurso para a Polícia Federal", "Direito Previdenciário está dando dinheiro", "mude-se para o Canadá" e outras preciosidades do gênero.

O graduado, que pelas transformações sociais ocorridas ainda é um adolescente, tudo ouve e fica ainda mais confuso. Quando é admitido por um tio no escritório de advocacia ou em um cargo em comissão por força de um padrinho influente, o problema está adiado, mas não resolvido. Quando não tem a quem recorrer, a situação é pior. Uns se unem a um ou dois colegas e abrem um escritório de advocacia pouco definido quanto aos seus propósitos. Outros abandonam tudo para dedicar-se a outras atividades.

Algumas regras básicas, contudo, são absolutamente necessárias para qualquer que seja a profissão escolhida.

A primeira delas é saber o que se quer. Ficar rico? Morar em uma cidade de praia? Ter uma vida internacional? Buscar a segurança de um cargo público? Sabendo qual é o objetivo, as coisas ficam mais fáceis.

Achado o foco, o segundo passo é como alcançá-lo. Se o desejo é introduzir-se em uma advocacia internacional, por óbvio o conhecimento do inglês é requisito básico, nem se pergunta se existe. Se a intenção é fazer Direito Marítimo, que é uma advocacia especializada de alto nível, por óbvio é indispensável ter anteriores conhecimentos de navegação, despachos aduaneiros e atividades portuárias. Se a intenção é prestar serviços para uma ONG que socorra estrangeiros, é importante antes prestar serviço voluntário na área para entender as dificuldades dos que aqui vêm viver.

O terceiro não é um passo, mas, sim, um requisito: ter uma cultura jurídica mínima. Conhecer Direito Constitucional, ter boas noções de Civil, Penal e outras matérias básicas, é necessário para poder estabelecer-se como advogado em qualquer área e também para concursos, inclusive os de nível médio. Há um piso mínimo de cultura jurídica para tudo, que será depois complementado com uma especialização no ramo escolhido. Se não estudou na faculdade, pode começar a estudar agora, sob pena de colher sucessivos fracassos.

O quarto passo é a persistência. Nada se conquista sem luta. A advocacia em escritório próprio exige alguns anos para tornar-se consolidada e gerar rendimentos. É imprescindível ter clientes e isso se conquista com o tempo, seriedade profissional e resultados. É preciso ter resiliência para suportar a decepção das derrotas, o cliente ingrato ou o que, mesmo vencedor, não quita os honorários combinados. Nos concursos, superar a dor da reprovação uma, duas ou três vezes. A cada derrota, a reação deve ser a de estudar o dobro, a partir da semana seguinte ao mau resultado.

Aos que ousam sair de sua zona de conforto, a fim de ir tentar a vida na cidade grande ou em uma aprazível cidade de praia, é necessário ter a consciência de que é uma ilusão pensar em advogar sem ter uma sólida base de apoio. Por que as pessoas dariam uma causa a um jovem de fora? Mas, se o desejo for mais forte do que as dificuldades, o obstáculo pode ser vencido. Para tanto, será preciso entrar na sociedade local de qualquer forma, desde as mais tradicionais (maçonaria, clubes de servir, igrejas) até as informais (grupo de surfistas, blocos festivos e assemelhados). É dizer, precisa conhecer gente e, especialmente, gente que possa ser cliente e pagar.

E não só isso. É necessário mostrar um diferencial. Por exemplo, se a cidade é interiorana, chegar com um certificado de mestre em Direito Público com certeza será uma possibilidade maior de ser consultado para um possível mandado de segurança contra a diretora da escola pública.

Aos que forem fazer carreira nos grandes escritórios, exige-se que se adaptem às regras internas. A rebeldia nos trajes, no comportamento ou na hierarquia pode fazer sucesso na turma, mas pode ser fatal ao se tentar uma posição acima na carreira interna. Ademais, é preciso lembrar que todas as "carreiras tiveram reduções salariais significativas ao longo da década, como resultado da grande expansão de oferta" [2].

Há, por fim, a possibilidade de escolha de novos nichos na advocacia. Só em pequenas cidades se admite aquele vago anúncio: "Família, criminal, trabalhista, previdenciário e locação". Mas como achar o tal nicho aos 23 anos de idade? Como tornar realidade o tal leque de oportunidades de que os palestrantes falam, mas a realidade esconde? Há dois caminhos: a) ser muito perspicaz e experiente por ter feito diferentes estágios; b) valer-se de alguém mais velho que possa orientar. Não é fácil, mas não é impossível.

Por exemplo, não adianta escolher o Direito Ambiental pura e simplesmente, é preciso, dentro dele, localizar uma área pouco explorada. Por exemplo, Direito Ambiental e Energia, tema que cresce a cada dia, despertando dúvidas, polêmicas e ações judiciais. Algumas vertentes podem mostrar-se miragens que não levam a resultados. O compliance ambiental é interessantíssimo, mas depende de uma Administração Pública organizada e eficiente. Se os órgãos ambientais estiverem desmantelados, sem recursos ou pessoal desmotivado, a possibilidade de sanções será mínima. Nessas condições, o empresário não gastará com um sistema de prevenção contra algo que não virá.

Por vezes, o nicho foi bom há dez ou 15 anos. Por exemplo, fixar-se em Portugal e atender a brasileiros que para lá queriam mudar-se em definitivo gerou em passado recente um excelente e especializado campo de trabalho. Atualmente, contudo, essa fatia é disputada por centenas de brasileiros, o que a torna sem interesse.

Ainda, o sucesso depende de mostrar-se uma pessoa de sucesso. Aquele que passa os dias a lamentar que o campo de trabalho está saturado e que mal consegue pagar o uso de uma sala do escritório de um amigo com certeza afastará possíveis interessados. Nem a cobrança de alimentos de um pequeno prestador de serviços sem contrato em carteira vai ser-lhe ofertada. Assim, é preciso mostrar que tudo sempre está indo muito bem, muito embora possa estar indo muito mal.

Finalmente, as boas faculdades de Direito devem ir além das aulas bem dadas em um currículo atualizado. Podem ofertar o chamado mentoring, como faz a PUC-PR [3], com professores experientes orientando alunos interessados. Aos que cursam o último ano, profissionais habilitados, inclusive de outras áreas, podem orientar os jovens, estimulá-los para o mundo profissional.

Em suma, sucesso e felicidade não são obra do acaso. Costumam aparecer aos que se dispõem a procurá-los, com esforço e dedicação.

 


[1] StarSe, 15 Maracanãs lotados. O Brasil tem advogados demais? Júnior Borneli. Disponível em: https://www.startse.com/noticia/mercado/15-maracanas-lotados-o-brasil-tem-advogados-demais-lawtech. Acesso 10 fev. 2022.

[2] Sílvio Fidelis, Blog do Romilsom, Profissões: leque de oportunidades. Disponível em: https://www.rdnews.com.br/blog-do-romilson/colunistas/silvio-fidelis/profissoes-leque-de-oportunidades/63371. Acesso 10 fev. 2022.

[3] PUCPR. PUC Carreiras conquista prêmio destaque em inovação do Google for Education. Disponível em: https://www.pucpr.br/noticias/puc-carreiras-conquista-premio-destaque-em-inovacao-do-google-for-education/. Acesso em 11 fev. 2022.

Autores

  • é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

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